Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 06 de junho de 2008

Controle – A História de Ian Curtis

A vida de Ian Curtis e sua poesia imortal ganharam finalmente sua impressão cinematográfica com "Controle". O filme traz os últimos anos da vida do músico que liderou uma das bandas mais influentes no cenário musical da década de 80, a pós-punk Joy Division.

O roteiro de Matt Greenhalgh teve como matéria-prima "Touching From a Distance", biografia do cantor escrita por sua viúva Deborah Curtis, que também é produtora do filme. A película vai apresentando a vida de Curtis, da formação do grupo em Manchester, Inglaterra, e de seus problemas com a epilepsia ao triste desfecho do poeta: Curtis cometeu suicídio em 18 de maio de 1980, aos 23 anos de idade, um dia antes da viagem do Joy Division para os Estados Unidos, onde fariam sua primeira turnê internacional. Encerrou-se ali a trajetória de uma vida intensa e rica em talento artístico. O conflito de sentimentos que sustentava entre sua esposa e amante, aliado à debilitação física e mental, fazia Curtis se aprofundar cada vez mais na depressão.

Após o término do Joy Division, os três integrantes remanescentes formaram o New Order, que obteve sucesso no mundo inteiro com seu som melancólico e ao mesmo tempo dançante. A banda participou gravando uma música para a trilha do filme.

O responsável pela direção, o famoso fotógrafo holandês Anton Corbijn, conhecido por produzir videoclipes para bandas como Nirvana e Depeche Mode, foi eficaz ao reproduzir a crescente sombra que se apodera do personagem principal. Em certo trecho, onde Curtis escreve em uma carta à sua amada suas aflições pessoais, ele cita o cult "Apocalipse Now".

Corbijn produz um longa-metragem elegantemente alinhado à poesia, trazendo a música e a ausência de cores como personagens importantes da trama. Foi sem dúvida um trabalho refletido em sua aptidão na fotografia em conjunto com sua paixão pela banda. Tal paixão se explica pelo fato de Corbijn hipotecar sua casa para aumentar o financiamento do projeto.

O ator inglês Sam Riley ("A Festa Nunca Termina") teve uma atuação impressionante ao viver Ian Curtis. Apesar da ajuda de sua semelhança física, Riley comove ao reproduzir os trejeitos, o olhar e a presença marcante de Curtis nos palcos, bem como sua bizarra dança espasmódica, cuja origem se deve aos ataques epiléticos que muitas das vezes ele teve ao se apresentar.

Nas cenas de intensa emoção, o jovem ator se saiu bem ao lado da atriz inglesa Samantha Morton ("O Libertino"), que interpretou a esposa do cantor, Deborah. A atriz romena Alexandra Maria Lara ("Youth Without Youth"), vive o caso extraconjugal de Curtis, a jornalista Annik Honoré.

Outro fator agradável de se apreciar no filme é que os atores que encarnaram os músicos Peter Hook (Joe Anderson, de "As Ruínas"), Bernard Sumner (James Anthony Pearson, do seriado de TV "Jeopardy") e Stephen Morris (Harry Treadaway, de "City of Ember") realmente aprenderam a tocar as canções do grupo.

Riley, que foi vocalista da banda "10.000 Things", sentiu-se claramente confortável com o papel e obteve êxito de "quase" alcançar o tom de voz soturno de Curtis. Os diálogos cômicos que servem de contrapeso do filme são o destaque do ator Toby Kebbel ("Alexandre") que vive o empresário da banda.

"Control" é, acima de tudo, um filme poético. O diretor, como fã da banda, quis trazer ao público, principalmente através das imagens, o mundo em que Curtis parecia estar imerso, não se aproximando muito de um contexto documental, mas certamente simbólico, onde a cada tomada somos entregues a uma espécie de solidão e desamparo. As sombras e o contraste entre o preto e branco servem de metáfora para o conflito interno do protagonista, onde a escuridão acompanha o processo que leva Curtis ao ato de desespero final.

A fotografia de Martin Ruhe foi feita com esmero. Em certos momentos do filme, a delicadeza dos enquadramentos faz parecer que estamos diante de um álbum de belas e antigas fotos, apreciando tudo ao som melancólico do Joy Division.

A trilha sonora se inicia apresentando ao público duas das maiores influências de Curtis: David Bowie e Sex Pistols. Depois disso, o filme expõe aos poucos os clássicos do Joy, começando com "No Love Lost". Em "Leaders of Men" e "Digital", foram recriadas as primeiras apresentações da banda e sua raiz punk, quando ainda se chamava "Warsaw".

Destaque para o momento de "Love Will Tear Us Apart", a música mais conhecida do grupo, que é acompanhada das cenas em que o relacionamento de Curtis com Debbie chega ao cume do desgaste.

Para partir o coração dos fãs da banda, diante do fim inevitável do protagonista, ecoa a música "Atmosphere", uma das mais tristes e belas compostas pelo grupo. E resta a nós, espectadores, ouvir a canção com o peito apertado sob uma singela sensação de que perdemos algo para sempre. Nostalgia.

"Walk in silence,
Dont turn away, in silence.
Your confusion,
My illusion,
Worn like a mask of self-hate,
Confronts and then dies.
Dont walk away."
– Atmosphere – Joy Division.

Leandro Barfly
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