Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 23 de maio de 2008

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

No cinema, existem determinados filmes que tem a função de restabelecer padrões. E se há bons filmes hoje em dia, devemos agradecer infinitas vezes à produções passadas, que conseguiram estabelecer normas para construir os diversos gêneros de cinema que contemplamos.

Há vinte e tantos anos, algumas das mentes mais brilhantes de Hollywood juntaram-se para criar a história de um arqueólogo e professor (apenas nas horas vagas!), que seria o responsável por resolver mistérios bíblicos, salvar a humanidade de bandidos fanáticos, livrar-nos do controle Nazista, e outras iguarias. Quem vive nesse planeta, sabe muito bem que o rapaz em questão chama-se Henry Jones Júnior, mais conhecido como Indiana Jones, ou somente Indy para os íntimos.

Nessa brincadeira de egos, Steven Spielberg e George Lucas fizeram uma história de aventura que nunca mais sairia das mentes dos espectadores. Indy se tornou um dos maiores ícones dos anos 80, ganhou Oscar, teve uma enorme bilheteria, e, é claro, garantiu seqüências. Provavelmente, os dois longas que sucederam o primeiro foram altamente manipulados pelo lucro; o que não os isentaram de serem bons. Mas com o mais novo produto da série, é bem diferente.

“Indiana Jones E o Reino da Caveira de Cristal” mostra novos ares para a franquia. Spielberg não é o mesmo, Lucas não é o mesmo, e muito menos Harrison Ford. Felizmente foram mudanças pra lá de positivas. Depois desses quase vinte anos hibernando, o filme, assustadoramente, faz jus a tanto tempo de espera. Lucas, após esse longo jejum de criatividade, não se contenta em somente nos dar mais um filme da série, mas algo equiparável ao primeiro, diga-se de passagem, o melhor. Spielberg utiliza-se dos recursos que não existia naquela época e Ford mostra que a idade não o abalou (apesar das hilárias piadinhas sobre isso no filme).

A história se passa no ano de 1957 (auge da Guerra Fria), e começa mostrando uma aventura de Indiana (Harrison Ford), agora alguns anos mais velho, que escapa de agentes soviéticos, liderados por Irina Spalko (Cate Blanchett), que procuravam um artefato no mesmo local onde foi escondida a arca do primeiro filme. Após fugir das mãos dos bandidos, ele acaba tendo que sair da cidade onde residia, não sabendo que iria ser impedido por Mutt (Shia LaBeouf).

O jovem afirma que sua mãe está em perigo e pediu para ele buscar ajuda com Indy, não sabendo ele que a moça em questão é Marion Ravenwood (Karen Allen), sua parceira no primeiro filme. Na busca por ela, Indiana se depara com um dos maiores segredos da humanidade: uma caveira de cristal que esconde estranhos poderes. Nessa odisséia, serão descobertas muito mais coisas sobre a história, que nem o próprio Indiana Jones desconfiava.

Os propósitos do novo filme são louváveis. Além de pretender trazer a magia da franquia para essa geração, o filme veio para homenagear os seus antecessores. Só quem assistiu minuciosamente os demais, para descobrir o quanto. Mais uma vez o cunho religioso aparece no filme e os mistérios mirabolantes empregados por Lucas e David Koepp são de uma riqueza cultural imensuráveis. Apesar de uma breve irregularidade no roteiro, o ritmo do filme é estável, as situações criadas por eles são divertidas e ousadas, deixando que a poderosa mente de Spielberg entre em ação, para levar aquelas grandiosas seqüências à tela. O roteiro é deveras coerente com os fatos anteriores da franquia que, inclusive, trabalha pontos em aberto deixados pelo primeiro filme em especial. Mesmo com o final um pouco fantasioso criado pela mente nada sana de George Lucas, o filme não consegue sair dos trilhos; certamente se não houvesse tanta gente competente trabalhando, o resultado não seria tão bom quanto foi.

As atuações estão numa química extremamente perfeita. Harrison Ford mostra-se bem mais maduro que nas produções anteriores e podemos sentir a sua euforia por estar vivendo aquele personagem novamente. Ele conseguiu manter-se tanto fisicamente, quanto psicologicamente uniforme aos seus anos dourados como Indiana; e é claro, ainda com seu incorrigível medo de cobras. Cate Blanchett está magnífica como o braço direito de Stalin, Irina Spalko, com direito a sotaque e tudo mais. O seu nível de inexpressividade está corretamente equilibrado ao nível da frieza de sua personagem.

Shia LaBeouf, que só vem crescendo após o sucesso de “Transformers”, demonstra competência e determinação. O personagem sempre transparece a sua admiração para com Harrison Ford, obedecendo a hierarquia na qual está incluído. Karen Allen dá as caras por aqui também, para a felicidade de todos os fãs da série, afinal, ela foi a melhor mocinha com que Indiana se envolveu e sua participação também garante boa parte do humor da trama.

Finalmente, chegou a hora que eu mais gostarei de falar: A direção de Steven Spielberg. Eu sempre entro em conflito interno quando penso qual o diretor que mais gosto. Será Spielberg? Será Tarantino? Será Woody Allen? Será Kubrick? E permanecia com essa incógnita sem resposta; até agora. Após assistir a esse filme, pude ver o quando Spielberg é o mestre quando o assunto é cinema. As seqüências que ele cria são assustadoramente perfeitas e divertidas, com sacadas sempre inteligentes, e com total controle sobre o que está fazendo.

Spielberg consegue fazer os filmes-pipoca mais inteligentes que existe. Cenas nesse filme, como a da floresta, mostram o quanto ele sabe coordenar uma equipe, seja pela direção dos atores, pelos ângulos das câmeras ou pela edição empregada. Outra seqüência que me encheu os olhos foi a que Indy se adentra em uma área de testes nucleares. Quando ele consegue fugir e olha para o local do desastre, vê aquele enorme e famoso cogumelo. Nesse exato momento eu só lembrei do novo filme de Paul Thomas Anderson, “Sangue Negro”, onde o personagem de Daniel Day-Lewis passa por uma situação semelhante. Agora respondam: Que outro diretor seria capaz de criar tanta maravilha em um fotograma só? Ainda mais num filme pipoca como Indiana Jones! Simplesmente encantador! Espetacular!

Outro aspecto de sua direção que me chamou muito a atenção foi a perfeita continuidade e conectividade desse filme para com os outros da série. Dá a impressão que esse longa foi filmado juntamente com os demais. Isso se deve ao desempenho do diretor, mas principalmente da fotografia do filme, que foi o que deixou com cara de clássico. Aliás, a equipe técnica foi fundamental nos grandiosos efeitos especiais, na reconstituição dos cenários e na mixagem de som. É importante salientar o quanto é indescritível a sensação de ouvir no cinema a música tema de Indiana Jones, criada pelo mestre John Williams.

Acredito que subestimei essa brilhante produção. Subestimei Harrison Ford, George Lucas e Steven Spielberg. Subestimei minha admiração pela franquia e até mesmo minha capacidade de sonhar. Anteriormente disse que nem Ford, nem Lucas, nem Spielberg eram os mesmos. E não errei ao afirmar isso. Eles simplesmente inverteram valores: trocaram a força da juventude pela força da experiência. Depois deste longa, posso concluir que a experiência vem agregada ao conhecimento, pois talento eles têm de sobra.

Amenar Neto
@

Compartilhe

Saiba mais sobre