Como descrever o elemento que faz com que você se apaixone por algo ou alguém? Com um elenco cativante e uma trilha sonora indispensável, “Apenas Uma Vez” chega timidamente e conquista pela simplicidade.
Ela vende flores pelas ruas de Dublin e tenta conseguir bicos como faxineira para sustentar mãe e filha. Ele é um músico (papel de Glen Hansard) retraído que conserta aspiradores e toca algumas músicas com a desculpa de ganhar uns trocados a mais. O (im)provável encontro desses dois acontece quando ela pára certo dia e escuta uma de suas composições.
Costumeiramente, ele só cantava músicas conhecidas do público. “Do contrário, não ganharia nenhum tostão”, diz ele. Mas é justamente no dia em que toca algo pessoal que consegue chamar a atenção da personagem de Markéta Irglová, que passava por ali todos os dias, mas nunca havia parado para escutá-lo de verdade. Daí em diante, surge uma relação permeada de objetividade, onde ambos tentarão recuperar seu eixo e voltar novamente à superfície.
Tentei não criar expectativas demais para ver esse filme. De tanto indicarem, já estava com medo de assistir e detestá-lo. Ou o que acho pior: ficar realmente decepcionada. Pelo contrário, trata-se de um longa-metragem que cresce ao redor dos minutos de projeção, e instala-se de maneira peculiar dentro de você. Partindo do pré-suposto de que o amor pode nascer e acontecer de diversas formas, ele é caracterizado por sua maneira simples de contar algo que torna-se grande diante de olhos atentos.
O longa consegue conquistar sem fazer uso de grandes equipamentos ou tomadas excessivamente elaboradas, porque vai de encontro a algo de grande valor dentro do cinema: transmitir algo, dialogar com pessoas que você pode nunca vir a encontrar na vida e ainda assim deixar uma parte sua nelas. A cineasta Maya Deren disse certa vez: “Câmeras não fazem filmes: os cineastas o fazem. A parte mais importante de seu equipamento é você mesmo: o seu corpo móvel, sua mente imaginativa, e a sua liberdade de usar ambos”. Essa é uma situação que exemplifica perfeitamente a assertiva de Deren.
Nesse ponto, a direção de John Carney é decisiva: trabalhando com apenas duas câmeras de mão, ele presenteia o público com a sensação única de ter a oportunidade de vislumbrar através de uma janela a vida de duas pessoas comuns e suas lutas diárias, no campo profissional e afetivo. Quem nunca teve a curiosidade de saber como era a vida de alguém com quem cruzou na rua por acaso? É como se virássemos uma pequena partícula que paira sobre essas pessoas e pudéssemos viver um pouco do que elas vivem.
Os personagens principais sequer têm nomes, pois são estranhos, mas profundamente próximos de nós – o que foi mais uma escolha de Carney, que também foi responsável pelo roteiro. Entre situações inóspitas (com direito a um passeio deles pelas ruas de Dublin carregando um aspirador de pó), eles entrelaçam um relacionamento nascido na desconstrução dos problemas que têm impedido suas vidas de seguir adiante – tudo com base nas canções que são trabalhadas ao longo da produção e que contam boa parte do que já aconteceu àquelas pessoas. É tão pessoal, que algumas vezes parece que vai colocar você na parede e fazê-lo rever esse passado que insiste em ser imanente ao presente.
A trilha é outro ponto que tem forte impacto na película, e marca as principais passagens: ela é parte indissociável do roteiro e uma comovente assistente para contar mais daquilo que não pode ser visto ou falado diretamente. E quando digo comovente, não é no sentido de provocar (ou, porque não, até mesmo forçar) no espectador determinada emoção: é a reação de quem é sim provocado, mas não subestimado, não ludibriado com falsas interpretações que no fundo não dizem nada. Elas conseguem invadir pela leveza com que o fazem. E tem mais: são todas escritas e interpretadas pelos protagonistas da trama, tendo a maioria delas a assinatura de Hansard.
Para alguém que não tinha experiência alguma com cinema, John Carney consegue expor com clareza uma história simples – que de simples não tem nada.