Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 17 de maio de 2008

Efeito Dominó

Jason Statham comanda sua gangue com maestria neste surpreendentemente eficaz filme de assalto, baseado (mais ou menos) em uma história real.

Quem não gosta de uma boa "teoria da conspiração" que atire a primeira pedra. Todos nós adoramos imaginar se aqueles eventos marcantes – e às vezes estranhos – não teriam um motivo superior ou uma força maior por trás. Este "Efeito Dominó" trata justamente de um destes casos.

Nos anos 1970, a Inglaterra era um chamariz de escândalos (não que tenha mudado muita coisa). Um destes envolveu uma filial londrina do banco Lloyds que fora furtada, com o produto do crime não sendo nada menos que o conteúdo dos cofres pessoais dos clientes. Após dois dias de falatório sem fim na imprensa local sobre o assunto, ninguém mais mencionou o caso. Não se sabe se alguém foi preso pelo crime nem nada.

Só essa premissa já daria, nas mãos certas, um filme de assalto razoável. No entanto, os roteiristas Dick Clement e Ian La Frenais ("Across The Universe") resolveram apimentar um pouco mais a situação, envolvendo o furto com fotos comprometedoras de membros do alto escalão do governo, ativistas políticos que não passam de criminosos, pornográficos e agentes secretos do MI-5 (ou seria do MI-6?). Esse "samba do Mulder doido", apesar de complexo, jamais fica confuso resultando em um filme bastante proveitoso – e baseado em fatos reais, com algumas liberdades artísticas.

Boa parte deste resultado positivo da produção deve-se a seu protagonista. O inglês Jason Statham está se tornando o mais ativo dos heróis de ação dos anos 2000 e, com certeza, o mais carismático. O ator lembra muito o Bruce Willis em seu auge com "Duro de Matar", com um ar de homem comum com quem o público-alvo destes longas realmente pode se identificar. Na fita, Statham interpreta Terry Leather, criminoso aposentado e atual dono de uma oficina e revenda de automóveis.

Pai de família endividado (e com o nome na lista negra de um agiota), Leather é convidado por uma velha amiga para um último serviço no ramo da bandidagem, aquele que seria o seu grande golpe, justamente o assalto ao Lloyds. Essa amiga, a sensual ex-modelo Martine Love (Saffron Burrows), na verdade tem outros objetivos em mente para o furto.

Para o trabalho, Leather reúne um grupo de amigos de confiança, cada um com sua especialidade. Dentre eles destacam-se o veterano golpista Major (James Faulkner), o atrapalhado Dave (Daniel Mays), o recém-casado Eddie (Michael Jibson) e Kev (Stephen Campbell Moore), que arrasta uma nada discreta asa para Martine.

O modus operandi da gangue é bastante simples: contando com as plantas do banco e tendo alugado uma loja vizinha ao lugar, eles pretendem cavar um túnel que desembarcará justamente no cofre (moradores de Fortaleza-CE devem se lembrar de algo parecido…). No entanto, os simpáticos escroques vão acabar descobrindo que pegar a muamba é uma coisa, arcar com o que vem atrás dela é um jogo completamente diferente.

Como nos bons filmes de assalto, o que carrega o filme é a interação entre os personagens vistos em cena, fazendo com que o público ignore que está torcendo pelos criminosos. Com Statham criando um protagonista bastante simpático aos olhos do espectador, o longa já marca bons pontos junto à audiência. O resto do trabalho é completado pelo excelente elenco de apoio, que se mostra bastante a vontade em plena camaradagem. Além disso, a química entre o ator principal e a sensual Saffron Burrows gera uma ótima tensão sexual, compatível com o clima da fita.

Outro fator que ajuda o público a se importar com o bando de escroques são os ótimos vilões que surgem no caminho de nossos anti-heróis. Um deles é "o rei da pornografia do Soho" Lew Vogel, um homem metido a mafioso e com dores horríveis no rim causadas por uma pedra. O personagem é interpretado por David Suchet, que realiza um trabalho eficaz.

Já o pseudo-revolucionário negro Michael X, uma figura real, é vivido com segurança exemplar pelo ator Peter De Jersey e é, sem dúvida, o personagem mais cruel visto em cena. Jersey faz com que seu vilão seja realmente mau, causando asco ao público desde sua primeira aparição, algo perfeito para o vilão típico que a fita pede.

O diretor Roger Donaldson realiza um bom trabalho na construção do clima de tensão durante a projeção. Responsável pelo ótimo "Treze Dias Que Abalaram o Mundo", Donaldson se sai bem nesta história de assalto, não querendo revolucionar a roda, mas sempre jogando um plano mais ousado aqui e acolá. Como se trata de um filme "de época", o longa conta com uma fotografia diferenciada, muito bem realizada por Michael Coulter ("Simplesmente Amor"), que capricha no tom granulado e ligeiramente envelhecido do longa.

Quem também ajuda e muito para dar o tom "setentista" da fita é o designer de produção Gavin Bocquet (da nova trilogia "Star Wars") e o departamento de figurinos, comandado por Odile Dicks-Mireaux. A edição o filme, que ficou por conta de John Gilbert ("O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel"), é bastante redonda, jamais deixando com que a produção perca seu ritmo. Quem deixa cair um pouco a peteca é o compositor J. Peter Robinson, já que não temos nenhuma trilha mais marcante durante a fita, o que é uma pena.

Um pequeno detalhe que pode irritar alguns fãs de Jason Statham é o fato de o ator ter apenas uma cena de luta durante todo o filme. No entanto, aqui vemos o inglês exercitar mais a sua interpretação do que os músculos e, mais uma vez, ele se sai muito bem. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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