Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 25 de maio de 2008

Across The Universe

Músicas dos Beatles embalam a história de amor de dois jovens que viviam a turbulência dos anos 60. O musical de Julie Taymor é uma homenagem merecida aos garotos de Liverpool e certamente irá agradar aos fãs da banda. Mesmo assim, como obra cinematográfica musical, as falhas sobressaem a qualquer momento bonitinho do filme.

Anos 60. Jovens revolucionários, sexo, música, drogas, guerra. Enquanto a década explodia com a liberação dos jovens e suas ideologias, a luta no Vietnã abalava a vida americana. É nesse contexto que Jude (Jim Sturgess) sai de casa à procura do pai que nunca conheceu. De Liverpool para Nova York, Jude conhece Max (Joe Anderson) e sua irmã, a bela Lucy (Evan Rachel Wood). Movimentos contrários à guerra cheio de muita música e paixão são o que os protagonistas vivem. Morando em um apartamento cheio de artistas, caricaturas de Jimi Hendrix e Janis Joplin cantam canções inesquecíveis dos Beatles e a paixão de Jude e Lucy precisa sobreviver aos conflitos.

“Across The Universe” traz números belíssimos, isso é fato. Por mais que não se aplique à obra completa, visto os exageros da diretora Julie Taymor e a falta de bom senso de uma edição competente, o longa peca principalmente em sua dramaturgia. Mais parece que os roteiristas Dick Clement e Ian La Frenais, como bons fãs dos Beatles, tentaram seguir o caminho de “Mamma Mia” (e a referência ao grupo ABBA) para criar um filme musical sobre, talvez, a maior banda de todos os tempos. Os Beatles nunca saem de moda e é por esse consumismo que a sociedade tem com eles que o filme apenas funciona como saudosa marca dos músicos no cinema atual.

A maior parte das músicas executadas não se alia diretamente à história, parecendo apenas momentos encaixados por conveniência para executar alguma canção “que não poderia faltar”. Essa falta de harmonia entre a trama dramática da paixão entre os protagonistas e a parte musical prejudica e muito o longa, que exagera principalmente nos desnecessários 131 minutos de duração. Vale lembrar que muitas das músicas aparecem como forma aleatória de pontuar aspectos importantes da trama. Entretanto, muitos números ficam deslocados pela falta de apuro cinematográfico, mais parecendo um clipe musical qualquer. O que ainda salva essa má caracterização das performances é o fato de que a revitalização das músicas para o filme ajuda relativamente a criar interesse ao que está sendo exibido.

Muitos personagens que cantam aparecem sem motivos aparentes em cena, o que provoca um estranhamento sobre a função deles na trama. Além disso, não cria uma relação de cumplicidade com o público, que não compactua com o momento e fica apenas como observador. Esses momentos quebram o carisma da história de amor, principalmente quando a trama se desloca para o lado mais político na segunda parte do filme. As performances psicodélicas e o estouro de cores muitas vezes aparecem exageradas ou convenientes, mas dá espaço a pequenas esquetes simbólicas de idéias que os roteiristas não souberam como encaixar com mais lógica na história. O resultado é um filme sem consistência, que agrada pelo visual e a paixão central, mas não traz nada que o consolide como uma obra musical imperdível hollywoodiana.

Quando Baz Luhrmann trouxe a beleza técnica e dramatúrgica de “Moulin Rouge” a um público que já não se interessava em musicais, o gênero voltou a ganhar atenção e vários musicais surgiram desde então. Luhrmann estourou suas cores, trouxe um romance impecável e músicas contemporâneas com uma roupagem inesquecível. E funcionou. O que percebe-se em “Across The Universe” é a tentativa de criar novos conceitos, mas que acabam seguindo os já conhecidos. A capacidade criativa de Julie Taymor está além do que o longa poderia suportar, por isso resulta em um filme suspeito. Mesmo com a direção de arte e fotografia muitas vezes impecáveis, a produção ganha um ar de soberania ao que está exibindo e não agrada pela pretensão.

Em uma obra tão duvidosa, Evan Rachel Wood e Jim Sturgess ficaram com a responsabilidade de serem carismáticos, e felizmente conseguem. Wood é talentosa ao extremo e uma das maiores surpresas foi a voz doce que tem ao cantar músicas como “If I Fell”. Já Sturgess tem a pinta de galante e uma voz agradável, apesar da dificuldade em expressar as emoções e mudá-las de acordo com o andamento da trama. Joe Anderson ficou com o personagem que precisa ser engraçado e vadio para dar certo, e dá. Ele participa de seqüências realmente interessantes, apesar de seu valor para a trama em si ser basicamente uma desculpa esfarrapada.

Já Dana Fuchs faz de Sadie a representação da vontade de ser uma rockstar e sua voz potente combina com arranjos explosivos dos Beatles. T.V. Carpio é Prudence, personagem mal aproveitada e que apenas protagoniza “I Want To Hold Your Hand” em um teor que se liga diretamente à afloração do desejo homossexual da época, criando uma dubiedade interessante na performance, junto à voz delicada da atriz. Bono Voz, da banda U2, aparece em uma cena praticamente dispensável.

Nada mais do que um registro em homenagem aos Beatles, “Across The Universe” agrada pelas músicas, que já foram consumidas mundialmente e não têm como serem reprováveis. Como cinema em si, peca no pouco tato de conciliar o drama com o musical, procurando justificativas ínfimas para executar suas músicas, o que é uma pena. Se a intenção é criar algo definitivo para os Beatles, que um apuro narrativo fosse desenvolvido com mais competência. Pelo menos nos ficam as canções…

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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