Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 20 de abril de 2008

Uma Chamada Perdida

Deprimente. Mais um remake de terror oriental, "Uma Chamada Perdida" enche o público com 87 minutos de bobagens, situações sem sentidos e uma homenagem ao Chucky, mas com um telefone nas mãos. Mais uma vez: deprimente.

“Chakushin Ari” é o nome do filme original do japonês Takashi Miike que serviu de base para a produção hollywoodiana deste longa. Depois de "O Olho do Mal" e "Imagens do Além", mais recentes versões americanas para terror oriental, “Uma Chamada Perdida” consegue ser um filme absurdamente patético. Na trama, uma onda de ligações telefônicas ronda os celulares dos amigos de Beth (Shannyn Sossamon). Nas ligações não atendidas ouvem-se os gritos de futuras vítimas de algo macabro que culminará em morte. Pedidos de socorro, alucinações e gritos são o conteúdo das mensagens de voz. Depois de perder dois amigos próximos, Beth passa a investigar a origem das ligações para proteger uma amiga que seria a próxima vítima.

Durante a investigação, Beth recebe mais uma ligação. Desta vez, é ela que está com o dia e a hora marcados para morrer. Com a ajuda do policial Jack Andrews (Ed Burns), eles agora precisam investigar os por quês dos telefonemas e descobrir como parar, para que, claro, Beth sobreviva e o clima de romance entre os dois dê expectativas de felicidade para os protagonistas. Entretanto, a busca pela verdade e mais fatos sobrenaturais acontecendo perturbam Beth e parecem quase insolucionáveis. Como trama paralela inútil, diga-se de passagem, Beth ainda precisa enfrentar seus medos contra o olho mágico da porta de sua casa, que a remetem a momentos sofredores de sua infância.

Não entendeu muito bem a ligação entre os fatos? Pois é, não há uma lógica muito interessante na trama de “Uma Chamada Perdida”. Ao fim do filme, quando a história se soluciona, vários questionamentos vêm à tona. Como o objetivo desta crítica não é contar spoilers do filme, comentarei somente aqueles menos reveladores. Depois da "deliciosa" cena inicial em que uma mão condena uma personagem e seu gato de estimação (!), algo movimenta os números da agenda do telefone da vítima, para que a maldição continue se proliferando. É assim que as vítimas seguintes são escolhidas. Quem é morto, tem seu telefone vasculhado para procurar uma nova vítima. Se a idéia é tão simples, ao invés de tirar bateria do telefone ou quebrá-lo, porque não apagar os registros da agenda e pronto? No momento em que esboça-se essa idéia de apagar os números, a heroína impede. Talvez com medo de que o filme terminasse ali, não se sabe…

No conjunto de idéias mal resolvidas também estão as subtramas ineficazes que o roteirista Andrew Klavan implanta para criar conflitos desinteressantes. Durante uma festa, um garoto terminou o namoro há pouco tempo, mas já está de olho em uma bela morena. Esta, por sua vez, acredita de cara nos eventos sobrenaturais nos celulares e trava uma conversa que irrita o garoto apaixonado. Ainda, a protagonista em momento algum mostra-se interessada pelo policial, mas quando tudo parece se resolver (eu disse ‘parece’), ela se joga nos braços dele clamando por uma ligação no dia seguinte. Ah, quase esquecia do passado da protagonista, quando ela sofreu traumas de infância que a inibem de olhar por um olho mágico, preferindo correr o risco de abrir a porta para um fantasma ou um ladrão do que ver antes quem está atrás da porta. É, depois de tanta inteligência em uma história que usa os telefones como meio de assassinar jovens bem de vida, não se tem muito o que comentar sobre isso.

A direção do iniciante Jack Valette em momento algum mostra-se preocupada com a forma em que o filme será narrado. O cineasta apóia-se no recurso de áudio para causar sustos ou em câmeras que não ajudam a criar tensão nos momentos certos. Destaco a seqüência em que Beth vai sozinha a um local escuro, em busca de soluções para as ligações. Em um momento em que o público poderia mais manter o suspense no que viria acontecer, o cineasta falha. Ainda: Valette cria elementos como um morto-vivo triste e um boneco dentro de um berço que está com o telefone nas mãos e mexe a cabeça com uma expressão maligna no rosto (!). A relação de Valette com os atores chega a ser indecente, moldando-os para atuarem em um filme enlatado que precisa ter isso ou aquilo, inclusive meninas bonitas que morrem de formas grotescas ou transeuntes desfigurados. Para não dizer que Valette não tem futuro no cinema hollywoodiano, pelo menos ele soube surpreender uma ou duas vezes com sustos imediatos que não dá tempo de pensar que ali reside um pulo da cadeira.

O talento da belíssima Shannyn Sossamon se encontra perdido em uma trama que ela mesma parece nem acreditar. É arrasador saber que sua capacidade cênica foi simplesmente elogiável no excelente “Regras da Atração”, e que neste “Uma Chamada Perdida” se resume a um conjunto de expressões forçadas e diálogos toscos. Sem falar que ela ainda precisa dividir a cena com imagens fantasmagóricas que em momento algum causam susto ou medo em si, mal desenvolvidos pela equipe de efeitos visuais, sendo motivos de risadinhas contidas de quem assiste. Como se não bastasse uma trama que se arrasta e não sai do lugar, ainda há reviravoltas, dando o parecer de que as situações não foram solucionadas inicialmente. Daí mais justificativas aparecem para ridicularizar a história que já causava tédio.

A realidade é que os filmes de terror estão em extinção. O terror mesmo tem sido substituído pela ambição de rodar qualquer coisa que tenha fantasma ou personagens desfigurados e que, com o apoio do áudio, cause sustos. E mais: não irão parar de fazer filmes assim, já que o público paga para assistir e as empresas lucram. Porém, pagar para ver não é sinônimo de gostar. E certamente ‘gostar’ não será o verbo mais conjugado ao final da sessão de “Uma Chamada Perdida”.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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