Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 20 de abril de 2008

Reis da Rua, Os

Nada mais do que se espera de uma história policial, “Os Reis da Rua” não mostra apuro técnico visualmente, muito menos conflitos realmente envolventes. As reviravoltas não funcionam e nem os atores conseguem fazer seus personagens serem atraentes.

Policiais, bandidos, corrupção, chefões, mocinhos, iludidos, certo e errado. Essas são algumas palavras-chaves que definem a abordagem do roteiro de “Os Reis da Rua”, escrito por três roteiristas: James Ellroy (“Dália Negra") e Kurt Wimmer ("Ultravioleta") e o novato Jamie Moss. Na trama, Tom Ludlow (Keanu Reeves) é um policial que vive sob a asa do Capitão Jack Wander (Forest Whitaker), que sempre limpa todas as imprudências que o protegido causa. Conhecido por sua eficiência como vingador, Tom acaba se envolvendo com o assassinato de seu antigo parceiro Terrence Washington (Terry Crews) e, por mais que sua participação seja abafada, ele decide descobrir o esquema que causou a morte do policial. Na investigação, Tom recebe o apoio do detetive Diskant (Chris Evans), e eles descobrirão coisas que jamais imaginariam sobre o mundo de mocinhos e bandidos da cidade.

O problema de produções como “Os Reis da Rua” não é nem a falta de criatividade em criar novas abordagens. Em qualquer gênero que seja, os temas são sempre revisitados. Nem todos têm êxito, isso é fato comprovado por tantos filmes descartáveis, remakes e continuações que os estúdios continuam fazendo. Entretanto, é necessário que um cineasta saiba escolher narrar sua história e fazer uma nova leitura na tentativa de criar um universo no mínimo interessante. O diretor David Ayer (roteirista de “Velozes e Furiosos”) não teve esse cuidado. Além de se revelar um péssimo diretor de atores, Ayer não consegue dar ao filme a vitalidade para uma história onde a ação é necessária tanto quanto o drama. Não há harmonia ou manutenção do suspense da trama, com os conflitos sendo resolvidos praticamente sem naturalidade ou adrenalina.

Aliás, a falta de tato de Ayer com a trama alia-se diretamente ao roteiro inconsistente do trio responsável. Pode-se usar a desculpa que um filme de ação é feito para ação e não para aproximar seus personagens de quem assiste. Claro que quem vai ao cinema assistir a um filme do gênero quer ver tiroteio, sangue, briga e gritos na telona. Porém, se não se cria simpatia pelos personagens, pouco importa o desfecho deles. Tom Ludlow é praticamente inexpressivo. Talvez pela incapacidade de Keanu Reeves de variar as nuances do personagem tenha ajudado nesta conclusão, mas quando pega-se o vencedor do Oscar Forest Whitaker em uma atuação medíocre e o também premiado Hugh Laurie em uma ponta deprimente, conclui-se que o roteiro não tem ciência do que quer em termos de dramaturgia.

A história vaga entre romances, passados conflitantes, futuros incertos e traição. Cadáveres (dispensáveis) aparecem, mocinhos viram vilões e vice-versa, e a posição da polícia para com a sociedade é esquecida na abordagem. Quando Tom é designado para ouvir ocorrências de populares e anotar as queixas, a idéia que temos das pessoas que vão à polícia são apenas os pobres e negros que falam gírias. Aliás, o submundo mostrado no filme é assim, mais um clichê desagradável de ver em cena. O que poderia render ainda em relação a isso seria o provável contraste com o protagonista, mas não há relevância para a trama. No universo tão inverossímil de um policial vingador que possui bom coração e fica chocado quando descobre as falcatruas dos poderosos, só faltou mesmo uma forte cena de sexo ou um flashback familiar para cair em todos os clichês possíveis.

Nisso, a história corre em uma lentidão incrível. Diálogos desinteressantes como quando Tom conversa com o médico após a autópsia do amigo ou até mesmo quando Tom entrega a uma personagem as imagens do assassinato são completamente irrelevantes. O conjunto de tantos poucos detalhes se junta em um final que, quando busca surpreender, causa apenas aquele pensamento irônico de “nossa, sério que foi isso?!”. A tensão não se instaura e o desfecho não causa nada mais do que a sensação de passar tantos minutos vendo algo descartável. Nem mesmo o elenco, composto por nomes de peso e atores que transitam entre atuações medianas e ótimas, são capazes de livrar o filme da desgraça. A trilha sonora, elemento fundamental para um filme de ação, aparece como aqueles ruídos que já ouvimos em alguma outra produção, não servindo de acompanhamento narrativo.

Como o filme não é de todo ruim, algumas tomadas das cenas de ação são bem designadas, enquanto outras causam confusão do que se está vendo em tela. A secura com que o cineasta registra o momento do assassinato de Terrence Washington também dá um ponto positivo, entretanto nos faz questionar: “depois de tudo isso, ele ainda está vivo para receber o diálogo melodramático do protagonista de ‘agüenta firme’?”.

Sem a mínima dissociação do que seria dramático, piegas e piedoso, Ayer se mostra incapaz de pensar na obra como todo e o que quer com ela. Ao invés disso, pensa em fragmentos que… se fragmentam! E não causa nenhuma reação de totalidade que faça o espectador sair do filme com a sensação de ter visto um bom filme de ação. Para aqueles que se contentarem em ver uma produção rasa em sua proposta, talvez até goste de "Os Reis da Rua". Para quem não tolera mais as mesmas coisas trabalhadas sem cuidado, passe longe.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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