Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 17 de abril de 2008

Outubro

Um dos trabalhos mais famosos do revolucionário cineasta soviético Sergei Eisenstein, "Outubro" envelheceu mal, mas vale a pena ser conferido por seus interessantes recursos de montagem e bela fotografia.

Possivelmente o maior nome do cinema soviético, Sergei Eisenstein foi um dos maiores revolucionários da sétima arte. No entanto, se viu preso em um regime que controlava com rédeas curtas a produção cultural em sua nação, o que veio a reprimir seus talentos, colocando-o para servir como mera propaganda, algo que este “Outubro” vem a confirmar.

Um dos dois filmes encomendados pelo comitê cultural da União Soviética para comemorar os dez anos da Revolução de Outubro de 1917 (com o outro sendo “O Fim de São Petersburgo”, de Vsevold Pudokin), o filme – co-dirigido por Grigori Aleksandrov – tinha como objetivo servir de propaganda do regime soviético.

O longa começa com a revolução de fevereiro de 1917, a derrocada da Rússia Imperial graças à união da burguesia menchevique com a classe operária do partido bolchevique. Temos a ascensão dos mencheviques no Governo Provisório, resultando na opressão dos pobres e o sofrimento de boa parte do povo – retratada de forma bastante gráfica por Eisenstein na fita.

Paralelamente a crescente revolta popular, a narrativa no mostra os delírios de poder do Governo Provisório, com direito a referências diretas à Napoleão Bonaparte, inevitavelmente culminando em violentas batalhas, sejam políticas ou bélicas, nas quais nomes como Lênin e Stalin seriam glorificados pelas câmeras do cineasta.

O filme mostra o conflito de classes como o resultado inevitável da imposição no poder de qualquer sistema de governo se não o socialista – vide a queda do Império Russo e os meses nos quais o governo provisório esteve no comando, caindo com a revolução bolchevique de outubro, evento que dá título à produção.

No entanto, para contar esta trajetória, Eisenstein se utilizou o que chamou de “montagem intelectual”. Seria uma edição caracterizada por simbolismos, onde aquilo mostrado em cena não tem significado literal, mas metafórico, fazendo com que o público interaja com a projeção, buscando o entendimento do que esta vendo. Infelizmente, considerando a proposta do longa, esta não fora a melhor saída para contar a história da revolução socialista.

Sendo um filme que conta um evento histórico – do ponto de vista dos vencedores bolcheviques – e que busca a idealização dos ideais comunistas, o ideal seria que a fita tivesse uma linguagem mais direta e uma narrativa linear. No entanto, o que se vê em cena não poderia ser mais diferente.

Não foi a toa que vários espectadores soviéticos saíram da projeção achando o filme absolutamente ininteligível – resultando em uma reprimenda séria do Comitê Cultural vigente a Eisenstein. O cineasta investiu demasiadamente na simbologia, esquecendo de conduzir sua narrativa e se atendo a realizar meros exercícios de linguagem visual, impróprios para os objetivos da fita.

Em contrapartida, a inovação nas técnicas de edição presentes na película são dignas de aplausos, bem como sua belíssima fotografia em preto-e-branco, tornando o longa visualmente muito bonito de se ver, principalmente as lindas cenas envolvendo a estátua do czar – que encontram eco com a recente derrubada da estátua de Saddam Hussein na segunda guerra dos EUA contra o Iraque.

Além disso, o trabalho do cineasta em trabalhar com a verdadeira multidão de extras em cenas complexas é exemplar. A cena da revolta bolchevique contra a opulência burguesa é tecnicamente irrepreensível. Na referida cena também é interessante notar a conotação negativa que as terminologias “bolchevique” e “menchevique” ganham, dependendo do personagem que as pronunciam.

No entanto, o primor técnico de “Outubro” não redime a inabilidade do longa em causar reações de qualquer tipo em suas audiências, transformando o filme em apenas um interessante exercício experimental de estética cinematográfica, valendo apenas por seu valor histórico e pela bela estética do longa.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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