Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 12 de março de 2009

À Prova de Morte

O que seria do cinema se não fosse por um cidadão chamado Quentin Jerome Tarantino? O que seria de nós, pobres espectadores, se não fosse o dom de ousar deste ex-funcionário de locadora de um fim de mundo? Com extremo bom gosto, ele consegue se superar como diretor a cada trabalho, inovando e brincando com a mágica de fazer cinema; tudo isso com uma competência sem igual e com um talento e inventividade sem limites.

Na geração passada, tivemos personalidades realmente competentes fazendo cinema; nomes como Stanley Kubrick, Martin Scorcese, Steven Spielberg, Woody Allen, Francis Ford Coppolla, Akira Kurossawa e Clint Eastwood constituíram anos de ouro para o cinema. Então, considerando o quadro atual, figura-se um pólo completamente oposto. São poucos os nomes que ganham destaque; contudo, é necessário salientar que o nome de Tarantino figura-se em primeiro lugar.

A geração é dele. Ele chegou do nada e causou uma tremenda revolução. O cinema não é mais o mesmo desde que o mesmo botou as caras em 1992. E talvez continue assim por muito tempo. Como se não bastasse as pérolas anteriormente confeccionadas por ele, seu mais novo filme foi a sensação em Cannes, que revive o cinema dos anos 70 e traz uma cultura até então desconhecida; o lotado de referências e como consequência, extremamente rico, “À Prova de Morte”. Nesse novo filme, podemos ver um pouco de tudo: mulheres maravilhosas, closes nos pés, nas bundas, nos rostos, além de perseguições de alto nível, ótimas atuações, um tanto de pancadaria e, é claro, um diretor fabuloso.

Tarantino teoricamente põe na tela tudo aquilo que repudio. Músicas da época do ronca, muitos exageros e, digamos assim, algumas coisas um tanto mal-feitas. E é justamente por isso que eu o adoro: por fazer disso um tipo de arte tão preciosa e bela que só ele consegue mostrar. Podemos dizer que o seu novo longa denominado "Death Proof" ou "À Prova de Morte" ou "Thunder Bolt" (para entender, favor assistir ao filme) captura todas essas características e eleva-as ao cubo. Até porque o projeto inicial, o "Grindhouse" – sua parceria com o diretor Robert Rodriguez, diretor de "Planeta Terror" – pretendia reviver aquelas sessões duplas de cinemas podres, com trailers entre os filmes, falhas na imagem, perda de rolos, etc. O projeto não foi bem sucedido na bilheteria norte americana, e por isso os longas foram separados, re-editados, e lançados aos poucos no resto do mundo.

A metade da laranja assinada por Tarantino conta a história de Stuntman Mike, que tem como sua diversão vitimar mulheres com o seu carro à prova de morte. E seu próximo alvo é um grupo de garotas constituído por Jungle Julia (Sydney Poitier), Shanna (Jordan Ladd) e Butterfly (Vanessa Ferlito), que estão chamando a atenção do público masculino nas diversas boates por onde passam, onde bebem, dançam e conversam sobre tudo. Após a resolução da situação entre Mike e as garotas, somos apresentados as suas novas vítimas, que são Albernaty (Rosario Dawdson), Kim (Tracie Toms), e Lee (Mary Elisabeth) que estão esperando Zöe Bell (Zöe Bell) chegar de viajem. Pensando em se dar bem novamente perante a situação, Stuntman Mike faz de tudo para acabar com o espírito desse reencontro, felizmente não sabendo ele da “força” dessas garotas.

As atuações são ótimas e capturam todo o clima proposto, sendo muito descontraídas. O time feminino, que é um colírio para os olhos, foi escolhido a dedo, e talvez ele seja um dos melhores já reunidos para a proposta do filme. Digamos que é uma versão obscura de “As Panteras”. Sydney Poitier, bem como Vanessa Ferlito, Rosario Dawdson, Zöe Bell, Mary Elisabeth Winsted e Tracie Thoms interagem em uma química milimetricamente dosada. A ovelha negra do Kurt Russel também consegue mostrar um bom personagem, aos moldes da figura que ele é. E até a versão Woody Allen da nova geração, o Tarantino, dá as caras por aqui, como um típico dono de bar de ponta de estrada.

Tarantino mais uma vez dirige com paixão e isso é explícito em todo momento. Desde aos defeitos na imagem e da divertida fotografia, aos diálogos interessantíssimos, às grandes perseguições, a porradaria e a trilha sonora. Tarantino é malvado. Ele nos deixa com uma profunda sede de vingança e carnificina, e é claro, nos sacia isso com classe. Mesmo esse filme sendo o seu projeto mais descompromissado, é genial em tudo que faz. O diretor mostra um domínio enorme da câmera, utilizando-se do recurso steady cam para perseguir o corpo de suas garotas, e de ótimos closes para mostrar a beleza das mesmas. Ele cria ótimas sequências para todos os gostos, desde as grandes batidas às cenas musicais. Em especial, a dança de colo que Vanessa Ferlito proporciona a Kurt Russel, definitivamente, essa cena está equivalente a de “Pulp Fiction”, envolvendo John Travolta e Uma Thurman.

Outro aspecto interessante é o roteiro. Os diálogos do filme teoricamente não o acrescentam em nada, entretanto são inteligentes, fluentes, e capturam a essência da relação feminina. E um pequeno, mas curioso detalhe são as homenagens feitas a “Kill Bill” – para mim, sua obra prima máxima – desde o xerife vivido por Michael Parks, ao toque do celular de Rosario Dawdson. Também existem referências a “Cães de Aluguel”, “Pulp Fiction”, e “Planeta Terror”, seu meio-irmão.

Tarantino se mostra uma figura destacável e única. Seu novo filme é uma grande prova disso. Talvez a película não agrade a todos, pois certamente os longas feitos por ele não são para todo tipo de público. Entretanto, é maravilhoso desde o início aos créditos finais. Inclusive no começo desse longa, tem um aviso advertindo: O filme que segue é restrito: Limite de admissões. Simples assim, rápido, inteligente e necessário, bem como o cinema de Tarantino.

Amenar Neto
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