Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de abril de 2008

Polaróides Urbanas

O multifacetado Miguel Falabella estréia como diretor e roteirista de cinema em uma carreira marcada por boas contribuições. Com seu humor sempre afiado, o cineasta projeta em “Polaróides Urbanas” uma série de esquetes que procuram manter contato com a realidade de pessoas comuns.

Baseado na peça “Como Encher um Biquíni Selvagem”, “Polaróides Urbanas” entrelaça a vida de vários personagens com o único objetivo de peneirar o que neles se assemelham e igualar os problemas presentes e as aspirações futuras. Falabella cria personagens carentes e que precisam de ajuda de alguma forma. As irmãs gêmeas Magda e Magali (Marília Pêra) vivem vidas opostas. Enquanto uma vive em casa com o marido mesquinho, a outra viaja pelo mundo e esbanja irreverência. Já Lise Delamare (Arlete Sales) é uma atriz em decadência que se consulta com a analista Dra. Paula (Natália do Vale), que vive uma relação complicada com sua filha Melanie (Roberta Gualda). Ainda têm destaque maridos, namorados e amantes, que montam o perfil de vidas comuns.

Partindo de uma linguagem teatral e utilizando-a também como referência na obra cinematográfica, Falabella exprime a vontade em dar grandeza aos personagens que têm em mãos, e consegue. Por mais que em diversos momentos as histórias paralelas sofram com desvios temporais ou necessidade de aparecer para ter direcionamento no longa, Falabella dirige personagens (e atores) interessantes aos olhos do público, que dá abertura para que eles possam atingir nossas vidas. É impossível que entre tantos estilos de vida ou de índole não consigamos identificar um parente ou até a si mesmo em algum personagem. Essa relação de curiosidade e cumplicidade que Falabella transporta no longa é essencial para o desenrolar da trama.

Iniciando-se basicamente com atos comediantes ao estilo de “Sai de Baixo” ou “Toma Lá Dá Cá”, ambas com participação de roteiro e/ou atuação de Falabella, “Polaróides Urbanas” mostra para o que veio a partir do momento que as vidas desses personagens tomam rumos inesperados. Parece que tudo foge do controle e cabe a eles encontrarem uma forma de resolver os problemas. O que no início era só risada dá espaço para o melodrama convencional. De certa forma, essa mudança causa a sensação de falta inicialmente conquistada pelo humor do elenco, mas quando o roteiro decide falar sério, consegue. E é aí que as principais lições ofertadas pelo autor vêm a tona.

A principal virtude do longa se encontra no elenco. Marília Pêra é fantástica com Magda e Magali. Por mais que sejam caricatas, elas são mulheres que conhecemos por aí. Arlete Sales tem pouco tempo em cena e banca a estrela problemática perseguida por admiradores. Ainda em questão aparecem Natália do Vale, Roberta Gualda e Neuza Borges com uma questão familiar que nunca sai de moda. Juliana Baroni vive a oportunista Vanessa, enquanto a maravilhosa Stela Miranda interpreta Dulce, a doce atendente de uma linha telefônica destinada a suicidas anônimos.

Com tantos perfis femininos, fica impossível não comparar a investida de Falabella com os constantes trabalhos de Pedro Almodóvar e suas mulheres. Aliás, a forma que Falabella capta cada uma e as preocupações com figurino e maquiagem aproximam as intenções do cineasta de Almodóvar, e considerem isso como um elogio extremo. Além dessas atrizes, ainda destacam-se Otávio Augusto como Edmundo e seu carro inútil, Alexandre Slaviero e seu Arnaldo faminto por aventuras, e Nicolas Trevijano como Mike, garoto de programa apaixonado.

O problema em trabalhar com muitos personagens é ter que escolher alguns para estarem mais presentes em cena. Isso faz com que a história penda para um lado que, não necessariamente, seja do maior interesse de quem assiste. Esse distanciamento atrapalha no produto em geral, que se fragmenta em esquetes que nem sempre se refletem bem no cinema. Isso ao contrário do número final do longa, onde o teatro é o palco para que um texto belíssimo seja recitado, fazendo com que o público saia da sala com algo mais a ser pensado. Afinal, a vida de um bom espectador mede-se pelo número de conhecimento e raciocínio que foi gerado após uma boa história. É daí que eu tiro a conclusão de que “Polaróides Urbanas” não se mistura às comédias inúteis nacionais como “Se Eu Fosse Você” e “Sexo com Amor?”.

O cinema brasileiro precisa de realizadores com maior tato como Falabella. Seja em dramas, comédias ou dramédias, é preciso registrar que no Brasil somos bons contadores de histórias e que nem sempre precisamos lembrar-nos de favela, traficante e polícia para escrever um filme competente. “Polaróides Urbanas” não nasceu para ser um filme perfeito, até porque trata das imperfeições de pessoas como eu ou você, caro leitor. Porém, marca uma experiência mais que deliciosa em ver um elenco único vivendo tragédias tão próximas de nós.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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