Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 24 de março de 2008

Ponto de Vista

Apesar de ter uma premissa ligeiramente interessante, "Ponto de Vista" acaba se perdendo por não saber explorar seu potencial completo. Isso se deve à inexperiência de seus realizadores com a linguagem cinematográfica, que resulta em um longa cuja narrativa parece mais propícia às séries de TV.

A primeira coisa que chama a atenção em "Ponto de Vista" é o elenco da fita. Contando com nomes consagrados como Dennis Quaid, Sigourney Weaver e Forest Whitaker, além do ascendente ator de "Lost", Matthew Fox, muitos espectadores irão aos cinemas basicamente atraídos pelos atores envolvidos na película. No entanto, o cast da película acaba desperdiçado em meio a um roteiro que ignora sua premissa inicial e se apaixona por sua narrativa cruzada, colocando de lado coisas básicas como motivação e desenvolvimento de seus personagens.

A trama mostra um atentado terrorista no meio de uma conferência mundial entre líderes ocidentais e do mundo árabe, que acontece na cidade de Salamanca, Espanha. No ataque, um tiro é disparado contra o polêmico presidente Ashton, assim como duas explosões ocorrem logo depois. Nesse ínterim, a história vai sendo desenvolvida a partir do ponto de vista de várias figuras, como a diretora de notícias Rex Brooks, o atormentado agente do Serviço Secreto Thomas Barnes, do turista americano Howard Lewis e do policial espanhol Enrique.

Para que um filme seja interessante, o mínimo que sua trama deve possuir são figuras intrigantes com que o espectador venha a se importar (ou odiar) durante a projeção. Logo no início, temos a impressão que o roteiro do escritor estreante Barry Levy conseguirá isso, com uma interessante seqüência de cenas ocorrendo no interior da sala de edição de uma importante rede televisiva de notícias.

No entanto, logo após estas seqüências, tal impressão vai pelo ralo, com o aparecimento de figuras esquemáticas. Apesar delas protagonizarem algumas situações de ação interessante, simplesmente não conseguimos nos importar com elas, já que o roteiro não se preocupa em mostrar os “comos” e “porquês” dos personagens agirem assim ou assado, ou mesmo os objetivos da organização terrorista responsável pelos ataques que ocorrem durante o filme.

Aliás, nas citadas cenas da sala de notícias são onde temos algumas das únicas atuações realmente relevantes da fita. A veterana Sigourney Weaver e a bela Zoë Saldana protagonizam algumas discussões sobre ética jornalística que realmente chamam a atenção. Sem falar no sempre competente Forest Whitaker, que consegue dar alguma profundidade a seu Howard, mesmo com as situações absurdas a qual ele passa.

Infelizmente, chega em cena Dennis Quaid como um sofrido agente americano que parece ter saído de um livro de estereótipos: competente, traumatizado e buscando provar o seu valor. O ator, o protagonista da fita, está simplesmente nulo, não conseguindo fazer com que nos interessemos por ele de modo algum – não que o texto ajude, já que a única coisa que sabemos sobre seu personagem é que ele fora baleado na linha do dever.

Ainda temos um Matthew Fox mais nulo que um zero à esquerda, com seu personagem sofrendo uma reviravolta mais do que forçada no último ato da película. Edgar Ramirez vive um soldado chantageado pelos terroristas – nada mais clichê do que isso. Ah, sim, existe um chavão maior: o policial seduzido pela vilã, papel desempenhado pelo ator espanhol Eduardo Noriega.

Falando em vilões, os da fita, vividos por Saïd Taghmaoui e Ayelet Zurer, não possuem nenhum objetivo claro. Não sabemos por que eles prepararam todos os intrincados acontecimentos mostrados em cena e não temos a mínima idéia do motivo de envolvimento de vários dos personagens na conspiração. Já o Presidente Ashton de William Hurt parece uma versão semi-bizarra de Bush II, e ainda é peça de uma pegadinha digna de Sérgio Mallandro no meio do filme.

Nos aspectos técnicos, o filme se sai bem melhor, embora isso não seja exatamente um elogio. Nunca tendo trabalhado no cinema antes, Pete Travis comete alguns erros bobos de decupagem e de continuidade, que chamam a atenção exatamente por poderem ter sido resolvidos facilmente. Eles acabam distraindo o público em algumas partes das cenas de perseguição que, no geral, são bem realizadas – se você ignorar os carros que se reparam como se fosse mágica em algumas tomadas.

Além disso, o trabalho de edição feito pelo geralmente competente Stuart Baird ("Superman – O Filme") em conjunto com Sigvaldi J. Kárason e Valdís Óskarsdóttir acaba por atrapalhar ainda mais a experiência de assistir à esta película. Isso porque a montagem divide o filme em diversos segmentos, cada um estrelado por um personagem, tornando-a extremamente episódica – inclusive contando com uma abertura padrão. Como vários dos personagens são absolutamente desinteressantes e somente no final de cada parte a trama principal avança, acabamos por rezar a todos os santos que a enrolação acabe e a história possa continuar.

A trilha sonora de Atli Örvarsson não passa do lugar-comum, tentando ainda se utilizar de temas pseudo-espanhóis em suas composições, mas acaba soando como músicas genéricas de filmes de ação. Já a fotografia do filme, feita por Amir M. Mokri, é bonita, se utilizando de tonalidades diferentes para diversas situações temporais.

Levando-se em conta que se trata da primeira produção cinematográfica de Travis, existe espaço para que, com o devido tempo, ele se torne um bom diretor de longas deste gênero. Caso o roteiro da produção fosse melhor desenvolvido, seu formato seria melhor aplicado em uma curta série de TV. Como filme, este medíocre "Ponto de Vista" serve como um bom cartão de visitas para o cineasta e só.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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