Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 29 de março de 2008

Atos Que Desafiam a Morte

A tentativa de transpor nas telas fatos da vida do mágico Harry Houdini resulta em uma trama fracassada que não gera interesse no espectador. O maior mágico de todos os tempos é resumido dentro de sua própria história, tirando o brilho daquilo que poderia ser transformado em um filme decente e curioso.

Harry Houdini, nome profissional de Ehrich Weiss, foi certamente o mágico mais famoso de todos os tempos. Suas fugas impossíveis, imersões aquáticas e sofrimento corporal marcaram a virada do século 19 para o 20. O ilusionista encantava multidões por onde passava e certamente tem uma história possível de ser levada às telonas. Entretanto, não é “Atos Que Desafiam a Morte” o responsável por captar todo esse brilho do Houdini. Se contentando em mostrar uma trama rala com um romance sem sal, o longa se arrasta durante os 97 minutos e causa desinteresse por aquilo que está sendo exibido.

Na trama, Houdini (Guy Pearce) quer provar cientificamente a existência (ou não) da vida após a morte. Para isso, oferece um prêmio de dez mil dólares para alguém, que possua poderes sobrenaturais, revelar o que sua mãe sussurrou para ele no leito da morte. Houdini desmascara diversos charlatões sem poderes até encontrar a falsa médium Mary McGarvie (Catherine Zeta-Jones), que ganha a vida com números desqualificados de mediunidade que divide com sua filha Benji (Saoirse Ronan). A vida dos três começa a ter outro rumo, além do que era esperado acerca do prêmio de dez mil dólares. Enquanto Houdini e Mary vivem uma possível paixão, Benji dá sua visão narrada em off sobre o que aconteceu sob seus olhos.

A narração inicial de Benji entrega praticamente o desfecho da trama, causando mais desinteresse no seu ato final. A fraqueza principal do longa está em tentar manter a relevância da história pelo ponto de vista de uma criança usada como catalisador. A talentosíssima Saoirse Ronan recebe nas mãos um roteiro sem qualidade que precisa salvá-lo com seu carisma e competência. Pelos olhos da atriz também passou o fenomenal "Desejo e Reparação", mas a diferença primordial é que neste filme, os roteiristas se preocuparam em dar importância para a construção geral da narrativa. Em “Atos Que Desafiam a Morte”, há oscilações de momentos bons e ruins, predominando os negativos que deslocam o próprio Houdini ou faz de Mary uma personagem rasa.

Depois de anos roteirizando este longa, Tony Grisoni e Brian Ward constroem um filme desagradável. O argumento posto para Houdini defender no longa desloca para segundo plano suas habilidades como ilusionista. É tanto que, nas poucas cenas em que realiza algum número mágico, as soluções para as apresentações são muito fáceis. Por mais que Houdini tenha revelado boa parte dos seus segredos antes de morrer, não há coerência em fazer um personagem fraco, já que ele precisa sustentar o argumento principal da trama. O Houdini do filme é completamente o oposto do que ele significou na realidade, sendo arrogante aos olhos dos espectadores e, acima de tudo, bobo. A atuação de Guy Pearce soa tão forçada que não cria empatia em momento algum, nem quando precisa revelar um grande segredo no fim do filme.

O mesmo acontece com a repudiável Mary. Como charlatã, o máximo que o roteiro pede é que ela seja um estereótipo fajuto de quem realiza atos mediúnicos, com direito a caras e bocas que melhor se encaixam em um filme de comédia. Catherine Zeta-Jones nunca esteve tão inexpressiva e ineficiente em um filme. Sem a mínima afinidade com o personagem, a atriz deprime com seus showzinhos particulares. A única personagem agradável de ser acompanhada é a de Benji, pela simplicidade com que Saoirse Ronan investe nela, mesmo sendo mal aproveitada na trama. Vale destacar também a atuação de Timothy Spall como o empresário de Houdini, sempre ambicioso e com diálogos ricos, mesmo que depois de um tempo o roteiro também o resuma a nada.

Além da incapacidade em criar um filme bom sobre um dos maiores nomes mundiais, os roteiristas jogam nas mãos da diretora Gillian Armstrong a responsabilidade de transpor em imagens um universo tão medíocre. O resultado é mais medíocre ainda. Armstrong até começa bem, utilizando-se de um tratamento diegético interessante para a película. Entretanto, aquilo que deveria ter sido mantido é resumido a cenários desagradáveis e figurinos que mais pareciam ter sido tirados de um guarda-roupa de fantasias de Carnaval. A falta de cuidado com a estética visual faz qualquer filme decair. A diretora não cria planos bem elaborados e segue um padrão visual chulo.

A trilha sonora se resume a instrumentais básicos de filmes dramáticos cujo suspense reina em poucos momentos. A fotografia é prejudicada pela falta de criatividade, caindo em clichês desgostosos. O fato é que “Atos Que Desafiam a Morte” não traz elementos que façam valer a pena ser assistido. Nem o próprio Houdini é um deles, muito menos os atores que se envolveram em um projeto tão medíocre. Acredito que Houdini ainda terá um filme que seja tão enigmático quanto merece, à altura do nome que construiu e dos truques que até hoje são copiados por mágicos de todo o mundo.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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