Conhecido por seu trabalho no universo dos longas de ficção científica, o cineasta Roland Emmerich escorregou feio com seu novo filme, o pré-histórico e desinteressante "10.000 A.C."
Antes de começar esta crítica, gostaria de dizer que não tenho nada contra o Sr. Roland Emmerich. Considero “Independence Day” um grande guilty pleasure, gostei de “O Dia Depois de Amanhã”, além de ser fã de “Stargate” e “Soldado Universal”. No entanto, o diretor escorregou e feio com “10.000 A.C.”, película que quis mostrar uma aventura pré-histórica, mas acabou realizando uma chatíssima colagem de clichês.
O roteiro do filme, escrito pelo próprio diretor em colaboração com o compositor Harald Kloser, nos mostra uma tribo semi-indígena cuja sobrevivência depende da caçada a mastodontes. Um dia, chega às terras do grupo uma menina de olhos azuis, cuja tribo havia sido massacrada por “demônios de quatro patas”. A anciã local, então, profetiza a invasão dos mesmos “demônios” ao povo dos caçadores, afirmando ainda que o maior de seus conterrâneos os salvará e desposará a menina, batizada de Evolet.
O melhor caçador local sai em uma jornada solitária para tentar salvar sua tribo, sem dizer nada a ninguém a não ser o seu amigo Tic’Tic, sendo taxado de covarde por todos. Quem sofre as conseqüências é seu filho, D’leh. O jovem é apaixonado por Evolet e tentará ser aquele profetizado pela anciã para poder tomar a garota como sua. Anos mais tarde, quando os tais “demônios” chegam, Evolet é levada, restando ao protagonista partir em uma busca para resgatá-la e aos demais membros da tribo que foram capturados. Durante essa história-base, nos deparamos com cerca de três profecias diferentes, um vilão apaixonado pela mocinha, um “escolhido”, poderes mágicos inexplicáveis, conselhos sábios de um mentor, afirmações que o herói é “apenas um menino”, dentre outros clichês. Em resumo: a lista de chavões da fita é simplesmente interminável.
No entanto, o que incomoda não é o excesso de situações conhecidas no longa, até porque originalidade é algo raro em películas de aventura. O que realmente transforma “10.000 A.C.” em uma experiência absolutamente irritante é a falta de carisma de seus personagens e as cenas de ação entediantes. Não há desenvolvimento de personagens, mas sim roteirismos. Cada figura apresentada em cena é absolutamente esquemática, indo do herói relutante, o sábio menor, o pajé, o capanga malvado e a mocinha em perigo.
A película começa a traçar o seu caminho para o absurdo com as aparições bizarras do tigre dentes de sabre, caindo por terra qualquer esperança do espectador em ver algo que faça sentido depois do início do terceiro ato. Neste último terço da película, a falta de imaginação do texto de Emmerich é tamanha que o cineasta chega a reciclar idéias de “Stargate”, com a apresentação da grande civilização responsável pelos ditos “demônios”, ainda dando uma menção à Atlântida totalmente descartável.
As cenas de ação da película são um capítulo a parte. Embora comecem bem, com a caçada aos mamutes, cuja feitura, junto da do tigre dentes de sabre, são os melhores efeitos da produção. No entanto, a artificialidade das seqüências mais agitadas começa a se mostrar na invasão à tribo, onde vemos uma cópia mal-feita da cena inicial de “Conan – O Bárbaro”. Posteriormente, chega a ser impossível conter o riso com o ataque das emas gigantes, que ficam quase empatadas com o poodle gigante de “Hulk” em matéria de ridículo. Durante as curtas cenas de batalha da fita, o público jamais é levado a qualquer nível de empolgação, com estas sendo algumas das mais apáticas cenas de luta já feitas.
Não ajuda em nada o fato de os atores estarem em estado semi-vegetativo em cena. O desconhecido Steven Strait encarna seu D’leh como uma versão mais pobre do já fraco personagem principal de ”Desbravadores” misturada com Luke Skywalker. O resultado é o protagonista mais fraco já visto em um épico (se é que dá pra chamar este filme assim) – vide seu ridículo discurso com tradução simultânea para unir as tribos oprimidas. A mocinha Evolet, interpretada pela semi-brasileira Camilla Belle, é linda e só, com suas ações na narrativa se limitando a ser capturada, suspirar pelo mocinho e escapar das investidas do vilão apaixonado – e idiota – vivido pelo inexpressivo Affif Ben Badra.
Cliff Curtis, cujo trabalho em ótimos longas como “Um Crime de Mestre”, “Sunshine – Alerta Solar” e no fabuloso “Fonte da Vida” já me deixaram admirado, caiu em meu conceito com usa participação neste projeto, onde tem uma atuação morta como o mentor do protagonista, Tic’Tic (que nome…). O restante do elenco não faz nada digno de nota. Porém, a produção teve um exemplo de casting decente, chamando o sumido Omar Shariff (“Lawrence da Arábia”) para ser o narrador. Ao menos podemos ouvir a poderosa voz deste respeitado ator, mesmo que o texto não chegue nem mesmo a ser “razoável”.
Voltando aos aspectos técnicos, a edição feita por Alexander Berner peca em não dar a fita um ritmo mais agitado, o que poderia ao menos disfarçar um pouco seus graves defeitos (mas, sejamos justos, ele não tinha muito com o que trabalhar). A fotografia do suíço Ueli Steiger é apenas comum em boa parte da projeção, caindo para abaixo da média em algumas cenas noturnas, como no diálogo entre Evolet e o vilão sem nome na cabana deste. E a trilha sonora feita pelo co-roteirista Harold Kloser em conjunto com Thomas Wanker tem a mesma característica-chave do roteiro, também deixando o espectador indagando se já a ouviu em algum lugar.
Chato e altamente descartável, “10.000 A.C.” é uma experiência altamente entediante. Caso você seja, como eu, fã dos trabalhos anteriores de Roland Emmerich, faça um favor a si mesmo e reveja “Independence Day” pela 159ª vez. Será um uso bem mais divertido do seu tempo.