Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 24 de março de 2008

Não Estou Lá

"Não Estou Lá" é uma colagem de momentos, um resumo confuso de fases e a definição de um astro da música americana. Superficial no conteúdo, o filme chama a atenção pelo elenco afinado.

"O poeta é um fingidor". Todd Haynes parece ter feito um filme preciso para explicar a frase de Fernando Pessoa. "Não Estou Lá", uma confusa versão sobre a vida de Bob Dylan, explora as diversas facetas do músico, compositor e, mais importante, poeta.

São seis os atores que interpretam os lados memoráveis de Dylan. Christian Bale é sua versão músico de sucesso e, mais tarde, a história de sua conexão religiosa. Cate Blanchett é Jude, um Dylan disperso em seus movimentos artísticos e inovações. Marcus Carl Franklin é Woody, o precoce garoto de 11 anos com talento musical incrível e a personificação de Woody Guthrie, uma das maiores influências musicais do compositor. Richard Gere surge como um divertido ermitão e fugitivo, Billy the Kid. Ben Whishaw dá voz e corpo à inspiração de Bob Dylan, o poeta Arthur Rimbaud. Heath Ledger é a versão astro de Dylan.

"Não Estou Lá" é uma grande colagem de momentos. Não há nada além e, talvez por isso, não conquiste o público ou prenda a atenção do espectador. Bob Dylan tem sim uma vida interessante e uma trajetória profissional que vale a pena ser contada no cinema, mas não é um camaleão da música ou um deus da inovação. A própria trilha sonora do filme comprova isso. "Não Estou Lá" mantém o mesmo ritmo folk/country que tornou Dylan conhecido e, em nenhum momento, traz grandes reviravoltas nesse sentido.

O que faz do longa-metragem interessante são, de fato, as opções que Haynes faz quanto ao elenco. Cate Blanchett, indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo papel, não é a personagem que mais se destaca, mas é a que mais se distancia de sua essência. A única mulher a interpretar Bob Dylan, Blanchett retrata um homem comprometido pela arte e determinado a morrer por ela.

Heath Ledger atrairá os curiosos para conferir uma de suas últimas atuações. Como era de sua natureza, o personagem é charmoso e carismático. A história do astro e pai de família Robbie é a mais substancial e linear do longa-metragem. É, ironicamente, a porção comercial de "Não Estou Lá". Christian Bale representa a porção musical e, por incrível que pareça, destoante da história. Seu rosto, sempre baixo e escondido, desaparece na multidão de atores.

A grande surpresa fica por conta de Marcus Carl Franklin, uma descoberta deliciosa de talento e carisma. O garoto retrata um momento memorável da vida de Dylan. Aos 11 anos, o músico fugiu de casa, determinado a nunca mais voltar. Também é Woody quem melhor define as fases da música do compositor. Determinado a cantar canções de protesto, a criança aprende a viver cada coisa a seu tempo.

Todas as fases e todos os personagens vivem em conflito quanto a escrever músicas de protesto e se render ao apelo comercial. É essa a grande mensagem de "Não Estou Lá". Não é, afinal, uma grande mensagem. Não o suficiente para carregar, durante 135 minutos, uma trama fragmentada como a criada por Haynes. O longa-metragem tem sua qualidade artística mas, para descrevê-lo em uma única palavra: é prepotente.

Lais Cattassini
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