Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 27 de março de 2008

Última Festa de Solteiro, A

Segundo filme estrelado por Tom Hanks, “A Última Festa de Solteiro” é uma comédia jovem “gross-out” que não vai além dos clichês desse sub-gênero. Erotismo e nudez são os recursos apelativos de um filme mais infantil do que engraçado.

Poucos sub-gêneros do cinema são tão associados aos anos 80 quanto a comédia jovem “gross-out”. ”A Última Festa de Solteiro” é um dos mais famosos filmes desse sub-gênero, que tem como característica principal a de causar risos através de situações constrangedoras, deboche de temas tabus, uso do erotismo e até da escatologia. O filme ilustra bem essas características, mas sem ir além do filme que o criou: “O Clube dos Cafajestes” (1979).

Tom Hanks é Rick Gasko, um motorista de ônibus que decide se casar com a namorada, Debbie (Tawny Kitaen). Ele enfrenta a resistência do pai e do ex-namorado da noiva. Os amigos de Rick resolvem organizar uma despedida de solteiro, com direito a strippers. No entanto, o ex-namorado fica sabendo e resolve sabotar a noite, expondo Rick para a noiva. Isso resulta em várias confusões, clubes de mulheres, hotéis luxuosos e becos escuros. Tudo em torno de uma questão crucial: Rick irá trair a noiva em sua última festa de solteiro?

“A Última Festa de Solteiro” segue os passos de “O Clube dos Cafajestes” em um sem-número de características. Entre elas, o tema sonoro “épico” – claramente irônico em relação ao tom geral -, uma festa pra lá de doida, cenas escatológicas com comida, uma seqüência cheia de empurra-empurra no final, “alucinações” de conteúdo sexual, homens em bando berrando coisas sem nexo e por aí vai. Até personagens inspirados no de Jonh Beluschi em 1979 aparecem na forma de dois esquisitões sem senso que imitam o jeito de John 'Bluto' Blutarsky – através do qual Beluschi levou para a tela grande o tipo de humor que praticava no programa de TV “Saturday Night Live”.

Quando o modelo se afasta da matriz é para pior. O humor aqui é mais apelativo, com uso fácil de seios à mostra. As situações são mais infantis que engraçadas. O público-alvo do filme são os adolescentes, que nos anos 80 podiam assistir a filmes assim sem serem incomodados pelos pais. Era a chance de ver nu frontal com a desculpa de que “ei, é só uma comédia!”. O sub-gênero já estava se descaracterizando, transformando-se na maior parte dos anos 80 em comédias que super-utilizavam o apelo sexual (“O Último Americano Virgem” , “Porky´s”). Apelo que em “O Clube dos Cafajestes” é mínimo.

“A Última Festa de Solteiro” tem a curiosidade de trazer Tom Hanks em seu segundo papel no cinema (o primeiro foi no mesmo ano, em “Splash – Uma Sereia em Minha Vida”). Em um depoimento da época nos extras do DVD, Hanks compara o cinema com a TV (onde começou sua carreira no seriado “Bosom Buddies”). Segundo ele, o cinema permitia maior liberdade criativa, sem os prazos rígidos da televisão. Longe de imaginar o peso que teria no cinema americano a partir dos anos 90 (“Filadélfia”, “Forrest Gump”, “O Náufrago”), aqui Hanks mostra domínio sobre o ritmo e o tempo da comédia, numa época em que atores cômicos como Bruce Willis (isso mesmo), Eddie Murphy e Michael J. Fox também migravam da TV para o cinema.

O filme tem cenas que virariam símbolos da descontração dos anos 80. Durante a festa, uma mula consome várias drogas e morre de overdose. O personagem de Hanks tenta fritar bacon com um maçarico. No quarto com uma garota nua, Rick tem alucinações e se vê em meio a garotos com uniforme escolar, todos gritando para que ele transe com a moça. O filme traz ainda referências nem um pouco sutis à zoofilia.

A noite agitada de Rick Gasko em suas últimas horas de solteiro faz do filme um dos pioneiros de outro sub-gênero, que poderíamos chamar de “noite alucinante”. É quando tudo parece perfeito, mas as coisas começam a dar errado, uma atrás da outra, transformando a noite promissora em um inferno para o personagem (no caso, um inferno cômico). O lançamento “oficial” desse tipo de filme ocorreria no ano seguinte, com “Depois de Horas” (1985), de Martin Scorcese. Outro exemplo desse sub-gênero é “Encontro às Escuras” (1987), com Bruce Willis e Kim Basinger.

Apesar das cenas de nu explícito e de referências (verbais e de cena) ao polêmico clássico da sexploitation “No Vale das Bonecas” (1970), “A Última Festa de Solteiro” é um filme conservador. Como a atriz Tawny Kitaen reconhece em um dos extras, o filme mais legitima do que contesta a instituição do casamento.

O conservadorismo representa uma época em que (como vários críticos já apontaram) os valores de família e propriedade da era Reagan (1980 – 1989) se disseminaram nos produtos culturais. Na estética, é igualmente conservador, usando o modelo potencialmente subversivo da comédia “gross-out” como clichê para um filme adolescente cujo único mérito hoje é ter sido estrelado por Tom Hanks.

Douglas Lobo
@faq.php

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