Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Rosa Púrpura do Cairo, A

Woody Allen é uma incógnita. Um gênio. Um conto bizarro. Um sonhador. É tudo aquilo que sabemos, porém não falamos. É o olhar cômico da vida. É uma visão inteligente das situações. E felizmente, ele consegue passar esse poder expressivo para seus filmes, sendo daqueles que se assiste para nunca mais se poder esquecer ou querer esquecer. Eles falam da beleza da vida, dos sentimentos. “A Rosa Púrpura do Cairo” é um caso mais particular ainda.

Acredito que esse seja o melhor trabalho de Allen. O mais complexo. É a tradução daquilo que todo cinéfilo sente. De uma forma bem sutil, ele demonstra como não existem barreiras entre aquilo que se vê nas telas e o que se passa fora dela. Exemplifica a relação que existe entre o personagem e o expectador. Allen constrói minuciosamente cada personagem da trama e dá espaço aos atores para interpretar cada idéia proposta por ele. Utilizando-se da metalinguagem, podemos ter um exemplo de homenagem ao cinema que somente um apaixonado pelo mesmo poderia fazer.

Durante os anos da Grande Depressão nos Estados Unidos, Cecília (Mia Farrow) é uma garçonete que, depois de despedida do emprego, passa a se distrair vendo sucessivamente o filme "A Rosa Púrpura do Cairo". Até o momento em que presencia o dia que seu ator principal literalmente sai da tela do cinema para viver a vida real. Os executivos de Hollywood ficam loucos com o personagem Tom Baxter (Jeff Daniels), querendo impedir que ele continue saindo de outras salas de projeção, enquanto ele passa a ter um caso com Cecília.

A primeira grande sacada do diretor foi conseguir levar essa história para a época da depressão. É notória a forma como ele lida com esse fato, estabelecendo um equilíbrio da situação e aproveitando-se principalmente do olhar inocente e doce de Cecília. Por sinal, essa inocência foi maravilhosamente representada por Mia Farrow. Os olhos dela brilham a todo instante. A sua doce voz funciona como um acalanto. Diretamente proporcional à inexperiência de vida real (!) de Tom Baxter, também magistralmente vivido por Jeff Daniels, que inclusive consegue lidar maravilhosamente bem com as adversidades de seus personagens.

A segunda grande sacada, foi brincar constantemente com o cinema. Seja com os clichês ou os artifícios de cena, compartilhamos do mais apurado humor vindo de Allen. É deliciosamente surpreendente a forma com que ele trata do mundo das estrelas. E por basear-se constantemente em sátiras, tudo é permitido. Desde o romance quase convencional, o que não é comum vindo do diretor, à idéia impregnada de mocinha e mocinho da história. Inclusive a relação de fuga e cumplicidade entre o espectador e o cinema nunca foi tão bem mostrada. Talvez por esse motivo, me identifiquei tanto com o filme.

E se a questão for coragem? Aqui tem de sobra! Originalidade em primeiro lugar, afinal! Contudo, admito que demorei a aceitar no desfecho da história. Não é o final mais feliz de todos. É literalmente como se seu sonho sucumbisse juntamente com o da protagonista. Você sente, vive e sonha por ela. Também sofre por ela, talvez mais do que a própria sofreu. Porém, a lição valeu a pena. Mostra o valor que o cinema tem que nem todos enxergam, nem todos compreendem, mas existe. Se alguém está lendo esse texto sabe disso; é completamente ciente do valor que a sétima arte tem.

Muitas vezes imitado, porém nunca igualado. Essa observação é referente tanto para o diretor, quanto para o filme. Melhor que “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” e melhor do que “Manhattam”. Precisa dizer mais algo? É simplesmente um dos diretores mais carismáticos do cinema em sua melhor forma. Desde o roteiro até a trilha sonora. Ele canta, encanta e faz despertar aquele grande sonhador que existe dentro de nós. Depois de assisti-lo, refleti muito e cheguei a seguinte conclusão: “Como amo o cinema!”. Acredito plenamente que não fui e nem serei o único a concluí-lo.

Amenar Neto
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