Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 01 de fevereiro de 2008

Onde os Fracos Não Têm Vez

"Onde os Fracos Não Têm Vez" realiza uma interessante metáfora sobre a caça. Os papéis de caça e caçador são invertidos e compartilhados entre três atores talentosos, Josh Brolin, Javier Bardem e Tommy Lee Jones. São eles que sustentam a trama extremamente sutil escrita por Joel e Ethan Coen.

A tradução do título de “No Country For Old Men” não poderia ser mais pertinente. “Onde os Fracos Não Têm Vez” é um das raras exceções em que a versão brasileira de um título cinematográfico é correta e perfeitamente cabível. “Onde os Fracos Não Têm Vez” é uma metáfora consistente da lei da selva, na qual é sempre o mais forte quem sobrevive.

Josh Brolin é um caçador. Seu primeiro momento em cena é altamente explicativo. Calmamente, o personagem Llewelyn Moss espera o melhor momento para atirar e abater um veado que não desconfia de seu destino enquanto pasta com seu bando. O tiro a distância não é fatal, mas Moss procura pelo rastro de sangue, esperando encontrar o corpo.

O que ele encontra, entretanto, é um grupo de corpos humanos por todo lado, uma chacina. Usando suas habilidades de caçador, Moss segue as pistas para encontrar o único sobrevivente do homicídio. Nos braços de um homem morto está uma maleta repleta de dinheiro, objeto que o protagonista pega, sem hesitar, como uma recompensa por sua caça impecável.

Moss comete o erro de retornar ao local do crime, arrependido de não ter ajudado um homem moribundo. É nesse momento que o caçador se torna presa e um homem muito mais cruel e determinado entra em cena.

Anton Chigurh, brilhantemente interpretado por Javier Bardem, mata sem piedade. Diferente de Moss, não hesita em eliminar qualquer obstáculo que possa surgir em seu caminho e seu principal objetivo é recuperar o dinheiro que deveria estar em sua posse desde o assassinato múltiplo no deserto.

Enquanto Moss foge da ameaça de Chigurh, o xerife Bell, interpretado por Tommy Lee Jones, também conduz sua própria caçada, em uma tentativa desesperada de impedir mais mortes do que já foram causadas.

Como muitas obras modernas, “Onde os Fracos Não Têm Vez” é um conto de perseguição, mas se destaca por construir com facilidade diferentes personalidades que compõem o cenário da selva humana, onde os fracos não têm vez. O trabalho realizado por Josh Brolin, Javier Bradem e Tommy Lee Jones é brilhante e, devido aos três atores, a longa jornada de caçadores e presas, constantemente trocando de papel, se torna suportável, agradável e interessante.

O filme tem o defeito de se arrastar por longos diálogos e seqüências aparentemente sem sentido. Joel e Ethan Coen apostam muito no diálogo e reduzem as cenas de ação a momentos de extrema violência com um realismo gráfico impressionante. A solução torna grande parte das duas horas de projeção bastante exaustiva.

A elaboração de todos os personagens que são impressos na tela grande é realista e, portanto, identificável. Protagonista e coadjuvantes são maus em sua natureza e, como demonstra o título do filme, lutam por sua sobrevivência na crueldade de seus atos. É Javier Bardem, entretanto, quem carrega a pior das personalidades e exprime em seu olhar uma maldade profunda, de razões delinqüentes, inexplicáveis.

Chigurh é a figura forte que determina a fraqueza de outros homens corajosos que cruzam seu caminho. É ele quem dita as regras de violência perpetuadas durante as duas horas da produção. Moss reconhece em seu adversário um desafio intransponível e, como um animal acuado, se recusa a enfrentar de frente seu caçador.

O longa-metragem dos irmãos Coen tem poucas falhas e se sustenta por uma história intrigante e um elenco competente. O que muitos criticaram foi a inexistência de um final palpável, mas, acredite, a conclusão está lá, na maestria das entrelinhas e na fantástica sutileza de atuações.

Fica evidente que o grande mérito de “Onde os Fracos Não Têm Vez” é um grupo de personagens muito bem elaborados e o desempenho impressionante de seus intérpretes. Para entender não só o final do longa-metragem, mas também todas as coisas não ditas pelos fracos e fortes, é preciso aprender a olhar nos olhos raivosos de Javier Bardem, na piedade cansada de Tommy Lee Jones e no medo de Josh Brolin.

Lais Cattassini
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