Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Cães de Aluguel

"Cães de Aluguel", assim como os demais filmes de Quentin Tarantino, é um longa anti-hollywoodiano e anti-clichê, e que não se prende hora alguma a estereótipos. Apesar de tantas qualidades, o grande trunfo do filme é o roteiro.

Normalmente, admiro de forma incondicional aqueles indivíduos que dirigem e roteirizam um mesmo projeto. Em muitas das vezes, os produtos derivados dessa adição de talentos são os melhores possíveis. Frank Darabont, Paul Thomas Anderson, Lars Von Trier, Orson Welles e Stanley Kubrick são grandes exemplos disso.

Dentre nomes tão poderosos no cinema, figura-se no primeiro lugar um ex-funcionário de uma pequena locadora do fim do mundo que meteu o pé na porta dos estúdios após ter uma brilhante estréia nos cinemas em 1992, com “Cães de Aluguel”. Dois anos depois, Tarantino trouxe à vida um dos maiores ícones do cinema mundial chamado “Pulp Fiction”, que foi aclamado pela crítica e público, mostrando que ainventividade e o talento como cineasta não tinham limites.

Dos poucos filmes que Tarantino já fez, acredito que nenhum possa ser completamente definido; os filmes dele não seguem um determinado estilo, inovam-se em relação ao anterior e mostram que ele é extremamente eclético. Tarantino sabe munir um filme com os melhores elementos que esse possa ter, desde a violência exacerbada, às famosas e irônicas teses Tarantinescas. O diretor alcança a perfeição sem muitas dificuldades e consegue poetizar até os mais grotescos momentos; e esse seu primeiro trabalho é uma grande amostra disso.

Joe Cabot (Lawrence Tierney), um experiente criminoso, reuniu seis bandidos para um grande roubo de diamantes, mas estes seis homens não sabem nada um sobre os outros e cada um utiliza uma cor como codinome. Porém durante o assalto algo ao saiu errado, pois diversos policiais esperavam no local. Mr. White (Harvey Keitel) levou Mr. Orange (Tim Roth), que na fuga levou um tiro na barriga e morrerá se não tiver logo atendimento médico, para o armazém onde tinha sido combinado que todos se encontrassem. Logo depois chegou Mr. Pink (Steve Buscemi), que está certo que um deles é um policial disfarçado e eles precisam descobrir quem os traiu. Em um clima de acusações mútuas, a situação fica cada vez mais insustentável.

Como já é marca registrada de Tarantino, a ordem não-cronológica dos fatos se desenvolve de forma deliciosa e enriquece o filme de maneira espetacular. Aliás, esse fator foi uma das peças-chave para o ótimo resultado de "Pulp Fiction". O melhor de tudo é que ele não se perde hora alguma em sua jornada narrativa, aguçando todos os sentidos do espectador, para que ele não se perca em meio a um universo tão rico como o que é ali apresentado. Apesar de fazer grandes viagens e intercalar entre passado/presente, a genialidade imposta pelo diretor é tamanha que viajamos junto, sem sequer notar essa suposta “irregularidade”.

Apesar de tantas qualidades, o grande trunfo do filme é o roteiro. De uma qualidade inquestionável além de inovador, ele descreve seus personagens, as respectivas situações vividas por eles e cada detalhe com uma imensa clareza, o que torna tudo aquilo visto na tela o mais verossímil possível. Os diálogos são simplesmente maravilhosos e mostram que cada um deles tem sua devida importância para que o produto final seja alcançado com êxito.

O roteiro e a direção são responsáveis por criar cenas maravilhosas, onde a tensão está presente o tempo todo e realmente não podemos esperar o que possa acontecer. O longa é ágil, direto, não prolongando nenhuma situação desnecessária, e consegue manter sob controle todos os seus aspectos, transpondo perfeitamente esse equilíbrio. O filme inteiro se passa basicamente em um galpão e a paixão com qual foi tratado cada minuto do filme não o deixa ser hora alguma monótono ou repetitivo. O “jovem” diretor enfoca muito na parte psicológica dos personagens, capta as cenas das melhores formas possíveis e aplica no filme uma dose de diálogos violentos e diversas tomadas sangrentas e angustiantes.

As atuações estão extremamente corajosas e todos os atores e seus respectivos personagens correspondem a um devido espaço na trama. A “aquarela” do filme, pois todos eles têm nomes de cores, consegue um tom perfeito e segue a risca todas aquelas mirabolantes idéias que o roteiro de Tarantino criou. Cada um consegue assumir identidade própria e mostra o quanto são diversas as características de nossos vilões/heróis.

Sobre a direção de Quentin, por ser autor de todas as suas obras, tem um poder de controle imenso sobre elas e ainda comete aqueles abusos que só alguém tão capacitado poderia fazer. A parte técnica em geral está ótima, desde a edição de Sally Menke, que acompanhou o diretor em todos os seus trabalhos, até a fotografia um tanto morta dirigida por Andrzej Sekula. Tudo funciona bem e, como é de costume de Tarantino, o trabalho tem uma qualidade plástica decente, apesar do baixo orçamento.

A revista Empire elegeu “Cães de Aluguel” como o melhor filme independente já produzido, e mesmo que não chegue a esse ponto, ele realmente é de uma qualidade quase irrepreensível. Se não existisse na filmografia de Tarantino as obras-primas "Kill Bill" e "Pulp Fiction", esse seria o melhor, mas com uma concorrência de meio-irmãos como essa, é até injustiça compará-lo com os demais.

Aliás, algumas pessoas defendem uma certa relação entre “Cães de Aluguel” e “Pulp Fiction”, devido as coincidências entre Vic Vega (Michael Madsen) e Vincent Vega (Jonh Travolta), e da pasta de diamantes. Mesmo não sendo o melhor filme de Tarantino, "Cães de Aluguel" tem um conteúdo competente e um diretor que muitos filmes queriam ter. De qualquer forma, Tarantino começou com o pé direito na sua vida cinematográfica e hoje tem uma brilhante carreira.

Amenar Neto
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