Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Amor nos Tempos do Cólera, O

Apesar de emocionar em algumas passagens, "O Amor nos Tempos do Cólera" é tecnicamente pobre e não consegue passar a riqueza do mundo pintado por Gabriel García Márquez.

Filho de um homem que afirmou em leito de morte que lamentava somente não ter morrido de amor, Florentino Ariza afirma que vive e sente com intensidade. Quando vê pela primeira vez Fermina Daza, ele acredita ter encontrado seu destino em vida: amá-la. Os jovens passam a trocar cartas apaixonadas, que culminam em um romântico e desajeitado pedido de casamento. Porém, o pai da moça, um comerciante ignorante que conseguiu fazer algum dinheiro, criou a filha para ser uma dama e casar com alguém importante na sociedade – o que não era o caso de Florentino, um simples telegrafista. Percebendo que não conseguirá separar os jovens, Lorenzo Daza leva a filha embora, praticamente arrastada.

Ao retornar alguns anos depois, Fermina diz perceber que o romance entre ela e o rapaz não passou de uma ilusão, e em seguida casa-se com o respeitado Dr. Juvenal Urbino, aprovado por seu pai. Mas Florentino não desiste e decide esperar quantos anos forem necessários para ter a mulher que ama, nem que precise esperar que Urbino morra.

Gabriel García Márquez relutou em deixar sua obra ser levada às telas. Por quase vinte anos recusou pedidos de produtores que queriam comprar os direitos de adaptação de “O Amor nos Tempos do Cólera”. García Márquez sabia do que estava falando: seus livros são tão ricos e cheios de detalhes e histórias paralelas que torna-se impossível conseguir transmitir todo aquele mundo em algumas horas de projeção.

Acredito que o erro inicial dos produtores foi escalar o diretor inglês Mike Newell para comandar o longa. Apesar de talentoso, Newell não tem familiaridade com o universo latino e isso fica claro durante toda a exibição. Ora, seria esse o mesmo erro de escalar um americano para dirigir um clássico britânico. Não há lógica nisso. Mesmo com experiência de sobra, ele não conseguiu dar conta, o que gerou um vazio em algumas cenas em que faltava um pouco mais de tato, de sutileza. Newell não soube como lidar com algumas passagens do roteiro, ora tratando-os melodramaticamente em excesso, ora matando a carga emocional que poderia ter explorado. Parece ter esquecido que seus personagens precisavam de mais peso para a história ser palpável.

O mais interessante é que o autor do livro pessoalmente avisou ao cineasta que ele não tinha a menor chance de conseguir dar conta daquele projeto, e não escondeu de ninguém sua opinião. Pelo menos a escolha do elenco foi acertada. Mike Newell foi inteligente ao ter escolhido uma atriz desconhecida do público para dar vida à Fermina, protagonista da história. A italiana Giovanna Mezzogiorno conseguiu de alguma maneira destacar-se em meio a tantos problemas.

Outro grave problema da película está em seu roteiro, fracamente adaptado. Algumas seqüências que poderiam ter passado sem são levadas à tela sabe-se lá porque, enquanto a profundidade que deveria ser colocada nos personagens simplesmente desaparece. Na metade do filme, você consegue sentir da cadeira o desespero com as passagens do tempo. Cortes bruscos, a tela escurecendo. E quando temos certeza de que dará intervalo, uma cena totalmente desconectada da anterior aparece. Falta uma conexão entre as passagens.

Mas a trilha é belíssima. Se tem algo no filme inteiro que consegue captar um clima latino (além dos atores – apesar de falarem inglês), são as músicas compostas pela colombiana Shakira. Impregnante, simples e muito bonitas.

Fato é que, infelizmente, o filme “O Amor nos Tempos do Cólera” não consegue transmitir a riqueza do mundo fabuloso de Gabriel García Márquez. Desde que foi anunciada sua adaptação, todos já sabiam o quão difícil seria essa tarefa, sendo o livro que é. Mas é preciso que eu admita que o longa emociona. Tecnicamente, deixa muito a desejar. Talvez tenha sido a sensação de reler o livro em algumas poucas horas, uma pequena retrospectiva. Consegui me desligar e simplesmente relembrar. Precisei assistir uma segunda vez para saber exatamente o que tinha acontecido.

Certamente, o filme deve ter sido uma experiência mais rica se você leu o livro antes de assisti-lo. Para quem entende as histórias paralelas e os detalhes que são apenas mostrados, muita gente parece não ter entendido seu sentido. Ou quem sabe você saiu profundamente irritado de ver um livro tão querido ser levado às telas, quando poderia perfeitamente ter ficado apenas no seu inconsciente.

Beatriz Diogo
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