Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 08 de novembro de 2007

Amor Além da Vida

“Amor Além da Vida” será lembrado pelos efeitos visuais que transformaram este filme em uma pintura viva por meio de suas cores, texturas e movimentos, mas ele vai além e consegue extrair beleza e suavidade de uma história recheada de elementos conhecidos do público e que ameaçam o resultado final com o rótulo de “filme clichê”.

Chris Nielsen (Robin Williams) e Annie Collins (Annabella Sciorra) formam uma família feliz até que um acidente de carro tira a vida de seus filhos Marie (Jessica Brooks Grant) e Ian (Josh Paddock). Quatro anos depois, quando a vida do casal parecia ter voltado a fazer sentido, um outro acidente acaba por deixar Annie viúva. Inconsolada com o destino, ela chega ao ponto de suicidar-se.

Ao descobrir sobre o ato de desespero da esposa, Chris, que se encontra no próprio paraíso, vê aí a possibilidade de reunião com sua alma gêmea. No entanto, Albert (Cuba Gooding Jr.), uma espécie de guia para as almas recém-chegadas ao céu, o informa que esse reencontro será impossível, já que Annie é uma suicida e vive no que seria seu inferno particular. Provando que o amor transpassa barreiras físicas, o devotado Chris parte para resgatar a esposa e no caminho terá que enfrentar sentimentos mal resolvidos do tempo em que ainda estava vivo.

A temática do filme de 1998 não é novidade no cinema. Na mesma década, mais cedo, o amor que transcende do mundo material até o espiritual já havido sido tratado em “Ghost – Do Outro Lado da Vida”. Desta vez, porém, nada de crimes que envolvem inveja e dinheiro. Os problemas enfrentados pelos protagonistas são mais comuns e vão do sentimento de rejeição de um filho à auto-culpa da mãe pela morte dos filhos. Pelo mais real e mais palpável, apesar do espiritual, a produção não precisa de grandes arroubos e explosões na tela. Isso não quer dizer que a emoção do espectador fique comprometida. Aqui, tudo é mais sutil e a emoção vem de dentro para fora, o que permite uma maior identificação e compaixão para com os personagens.

Essa regularidade, acompanhada pela trilha sonora e que permeia toda a película, só é quebrada ao final quando Chris chega ao local onde a alma de Annie agora “descansa”. Isso pode ser um problema para aqueles que não estão acostumados a filmes sem adrenalina, o que acaba dando à fita os rótulos de “chato”, “tedioso” e “onde nada acontece”. Os que enfrentarem a morosidade aparente, com certeza, não se arrependerão. Tratar de assuntos como almas gêmeas e reencarnação sem parecer piegas é difícil e com “Amor Além da Vida” não é diferente. Entretanto, as surpresas narrativas guardadas na trama e o paralelo traçado entre a vida terrena e a nova existência do protagonista quando este precisa resolver as pendências deixadas no passado compensam.

Afora a história de amor criada pelo roteirista Ronald Bass, o que mais chama a atenção do longa-metragem é, sem dúvidas, o tratamento visual dado à película. Apreciador de obras de arte, o casal Nielsen mantém uma linda coleção de peças que acaba se transformando no paraíso criado por Chris. As formas das árvores, lago, flores e animais ganham os contornos de tinta. Efeitos visuais de encher os olhos deram ao filme o Oscar nessa área. O cuidado da direção de arte não se restringe apenas aos cenários virtuais. Todas as cenas demonstram o talento da equipe formada por Tomas Voth e Christian Winterr em parceria com o fotógrafo Eduardo Serra. O resultado é uma obra de arte em movimento, pintura viva do começo ao fim. Reparem também na quase constante presença em cena de um objeto vermelho, seja uma echarpe, uma vela de barco, uma rosa ou o uniforme do coral da igreja, provavelmente representando o amor que move o personagem central na história.

Sem atuações marcantes, “Amor Além da Vida” vale pelo apuro visual e pela história de amor dessas de fazer inveja a qualquer um. Mesmo caindo no previsível algumas vezes, o resultado é positivo.

Igor Vieira
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