Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de setembro de 2007

Ligeiramente Grávidos

Após o sucesso inesperado de bilheteria em solo americano, “Ligeiramente Grávidos” estréia no Brasil como uma mistura de comédia, conflitos amorosos e uma pitada de drama. O novo projeto de Judd Apatow consegue um resultado positivo, mesmo com suas eventuais falhas.

Na trama, Ben Stone (Seth Rogen) é o típico largadão que mora com os amigos, não tem renda financeira e adora curtição. Meio a drogas, atrapalhadas e um projeto falido de um site quase pornográfico, Ben não possui responsabilidades e muito menos quer tê-las. Em uma das noites de festa com seus amigos em um clube local, o rapaz conhece Alison Scott (Katherine Heigl), uma atraente jornalista que está comemorando sua promoção com a irmã Debbie (Leslie Mann). Seria meio a muita bebida e dança que Ben e Alison acabariam na cama. A tensão sexual foi tanta que Ben acabou “esquecendo” a camisinha. Oito semanas depois, Alison liga para o rapaz e dá a notícia de que está grávida. Agora os dois precisam aprender a lidar com o bebê que está para chegar, se conhecendo melhor e tentando fazer com que uma relação amorosa entre eles realmente aconteça. Despreparados, os dois passam por situações básicas de um casal gestante.

Custando cerca de 30 milhões de dólares e arrecadando mais do quádruplo deste número somente nas semanas em que imperou no TOP 10 dos Estados Unidos, a comédia de Judd Apatow vem com a idéia que fosse algo bobo, porém agradável, assim como aconteceu em “O Virgem de 40 Anos”. Mesmo tendo passado por apuros ao ser acusado de ter plagiado o roteiro de “Ligeiramente Grávidos”, o cineasta tem se destacado em como fazer comédias com um teor sexual, que cai no clichê, mas acaba conquistando o público com seu carisma. Isto não necessariamente aconteceu com “O Virgem de 40 Anos”, que dividiu opiniões, mas talvez aconteça com maior intensidade com “Ligeiramente Grávidos”. O principal acerto da história de Apatow é conseguir fazer com que os protagonistas sejam acessíveis o bastante, apesar dos momentos surreais. Eles são mais palpáveis do que os personagens secundários, que muitas vezes aparecem gratuitamente nas cenas. De qualquer forma, Ben e Alison conseguem segurar a trama de uma forma interessante, gerando algumas risadas e momentos dramáticos bem colocados. Mesmo assim, o roteiro acaba se demonstrando instável, apelando para situações desnecessárias à trama principal, e deixando o filme mais longo e cansativo na segunda parte.

Na construção da história, a primeira observação correta de Apatow é contrapor os personagens principais. Por mais que não seja novidade que algum deles seja pobre e o outro mais economicamente estável, o destaque vai para a questão da beleza. Alison é extremamente linda e atraente, o que não pode ser dito para Ben. Além do seu estilo de vida “estou nem aí”, ele não se encaixa nos padrões de beleza regidos pela indústria cinematográfica aos galãs, o que acaba gerando um estranhamento na relação inicial do casal. Colocando a culpa na bebida, os dois têm uma noite de amor baseada em loucuras. O dia seguinte é sempre dramático quando não se sabe direito o que foi feito após tanta bebedeira. Depois disso, os dois levam a vida normalmente, até precisarem se encontrar para encarar a gravidez inesperada. Outro acerto é fazer com que os dois não passem por muitos momentos de conhecer um ao outro que acabe gerando uma paixão forçada. Alison e Ben vão se afinando pela convivência, além de compartilhar das mesmas angústias. Isso fica subentendido e não precisa de tanta cena de redenção e juras de amor para convencer o público que eles estão se apaixonando.

Mesmo assim, o erro do roteiro começa com a ingenuidade de Ben. É difícil acreditar que o rapaz não tenha nenhuma reação contra o que Alison diz. Ele não suspeita que o filho pode ser de outro, muito menos levanta questões óbvias de exames genéticos. Além disso, qual a obrigação que os dois tinham em manter um relacionamento? Hoje em dia ter filhos não é mais condição para que um casal se prenda a um relacionamento “pensando na criança”. Por mais jovens que eles sejam, raramente encontra-se a vontade do casamento. Até porque os dois se conheceram casualmente e a gravidez foi um “acidente” gerado pela irresponsabilidade do rapaz. A priori, deve-se dar todo o apoio e compartilhar os momentos da gravidez sim, porém não é uma obrigação ter que se apaixonar. Claro que isso acontece naturalmente com os dois, mas é levantado por Alison logo no começo, quando ela pede apoio a Ben para que eles possam fazer as coisas certas, como casal, em prol da criança.

Outra questão de roteiro que acabou desestabilizando a trama principal foi a questão dos personagens secundários criarem tramas paralelas ineficazes. Debbie (Leslie Mann) e Pete (Paul Rudd) estão ali claramente para servir como base de um relacionamento a dois, e isso assusta os protagonistas. Debbie e Pete estão sempre brigando, desconfiando do amor um do outro e dando um estereótipo da vida de um casal. O que não necessariamente viria a acontecer com Alison e Ben. De qualquer forma, acaba influenciando nas inseguranças de Alison na segunda metade do filme, mas a relação de Debbie e Pete encontra-se fora do fio narrativo principal, mesmo estes sendo personagens carismáticos. Já os amigos de Ben conseguem um resultado bem melhor para a trama. Não diretamente, mas em termos de momentos de comédia e construção escatológica da realidade de jovens despreocupados com o futuro. São momentos que duram até o ato final, quando Alison tem o bebê, e cada risada é sempre bem vinda. A interação de Ben no grupo também é positiva e sempre fica com um gostinho de quero mais.

Na direção, Apatow fez o básico de uma comédia romântica, que muitas vezes deixa os quesitos de câmera e edição em segundo plano. Na realidade, Apatow chega a incomodar com a falta de apuração para resolver as elipses estabelecidas em diversos momentos da história, mas sabe fazer os personagens transitarem da comédia para o drama sem forçar a barra. É com os atores que Apatow faz seu melhor estudo. O cineasta consegue retirar de Katherine Heigl uma atuação diferente do que pode ser visto no excelente seriado "Grey’s Anatomy", pelo qual a atriz ficou conhecida. Sem deixar dúvidas sobre o seu talento, Heigl certamente é uma das grandes apostas para a nova geração do cinema. Em “Ligeiramente Grávidos”, a atriz dosa bem a comédia e o drama em seu personagem, além de proporcionar cenas impagáveis como a do parto. Já Seth Rogen passa pelo bobalhão carismático e sem escrúpulos. Ao final, vemos que seu personagem cresceu com naturalidade, apesar da artificialidade de algumas situações em que é posto, como quando Ben defende que tem o direito de assistir ao parto, e não a irmã de Alison.

A direção de arte foi bastante feliz com a barriga que Heigl teve que usar durante a gravidez. São raros os momentos em que parece artificial e logo temos a impressão de que a atriz está mesmo grávida. Além das mais de duas horas de duração, a falta de uma trilha sonora mais eficiente é sentida, até para aliviar os momentos em que a história se arrasta. De qualquer forma, “Ligeiramente Grávidos” agrada pela abordagem dos temas que faz, deslizando desde a gravidez indesejada, a sinceridade (ou a falta dela) em relacionamentos e preconceitos. Uma história simples que, mesmo com os erros, acaba sendo simpática o bastante para conquistar o público. Não me admiro se alguém sair do filme com a vontade de ser pai ou mãe. Ou não.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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