Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 18 de setembro de 2007

Vigarista do Ano, O

Baseado em fatos reais, acompanhamos um homem que mente patologicamente: esse é o trunfo central da trama de “O Vigarista do Ano”. Protagonizado por Richard Gere e Alfred Molina, o longa-metragem escorrega no começo, parece finalmente tomar corpo na metade e acaba se perdendo no final.

Logo que começamos o filme, acompanhamos a história de Clifford Irving (papel de Gere), um escritor que não consegue emplacar o livro no qual vem trabalhando por alguns meses. Quando descobre que nenhuma editora publicará seu trabalho, ele entra em tal onda de desespero que acaba por inventar uma mentira extremamente perigosa. Segundo diz, Howard Hughes, o bilionário excêntrico, lhe autorizou a escrever sua autobiografia, a qual promete que virá a ser o maior livro do século. Por ser Hughes uma figura avessa à mídia e de difícil contato, Irving imagina que sua invenção não será descoberta e coloca no meio da trapaça seu melhor amigo e confidente, Dick Susskind (Molina). Acontece que, aquilo que começa através de uma mentira impensada acaba se transformando num perigoso carretel de invenções que parece não ter mais fim. Até mesmo a esposa de Cliff é envolvida na enrolada.

O problema do longa já começa a partir da escalação do elenco. Richard Gere, acostumado a encarar o papel do galã não consegue convencer, apesar de todos os truques utilizados pela direção para melhorar seu desempenho. Mesmo tendo o competente Alfred Molina e a desconhecida (porém igualmente capaz) Marcia Gay Harden, torna-se difícil segurar um filme onde o ator principal não consegue corresponder ao que lhe é minimamente necessário. Apático, Gere interpreta o papel de sempre, só que dessa vez, por se tratar de um trabalho completamente diferente do habitual, não funciona. Assim como foi estranho colocar atores do porte de Julie Delpy e Eli Wallach em papéis praticamente figurativos na trama.

O roteiro do inexperiente William Wheler (de “Nas Linhas do Crime”), que é trabalhado com idas e vindas, não consegue segurar uma boa linha de acontecimentos. A narrativa às vezes parece simplesmente perdida, sem saber qual o próximo passo a ser dado, e acaba preenchendo seus buracos com cenas beirando o desnecessário. Existe uma tentativa paralela de mesclar a narrativa com o período histórico pelo qual os Estados Unidos passavam na época, sob o governo do presidente Nixon, que também fica quase perdido. Falta dosagem nos fatos apresentados. O drama de um homem que passa por uma verdadeira viagem interna e externa parece solto no meio de tantos acontecimentos mirabolantes, fazendo com que se perca o centro principal da trama. A impressão que se tem é que falta um foco, uma linha coerente de raciocínio. Em alguns pontos, faz lembrar o drama vivido por John Nash em “Uma Mente Brilhante”, com a diferença de que a história não consegue acompanhar o que poderia ser seu maior trunfo.

Dirigido por Lasse Hallström, realizador de filmes reconhecidos como cinema de autoria, tais como “Chocolate” e “Regras da Vida”; não traz o melhor de si dessa vez. Apesar de inovar em seu estilo fazendo uso de cortes e planos mais ágeis, ele não consegue salvar uma história que já começa complicada. Mais uma vez entramos no problema do roteiro, que ao que tudo indica não promove nenhum incentivo à criatividade de Hallström, que infelizmente conforma-se com isso. Até perto da metade, me pareceu ter sido um filme feito para a televisão – não desmerecendo esse veículo, mas no sentido de que é uma outra linguagem. Mas o cineasta merece créditos por conseguir levar às telas as passagens em que Irving começa a perder-se dentro da própria mentira, passando a não mais distinguir o que é verdade dentro de todo aquele contexto. Assim como há de se admitir o bom aproveitamento que ele consegue tirar das próprias falhas de Gere, fazendo uso de seus tiques nervosos para dar a Cliff um ar de mentiroso que sabe que pode ser descoberto a qualquer segundo como um farsante.

Acontece que a confusão inicial espalha-se por outros setores do longa-metragem, que traz um figurino alguns momentos anos sessenta, outros anos setenta e partes que parecem pertencer aos dias de hoje. A trilha sonora, que tenta acompanhar o período da época, prende-se a uma única música basicamente, sendo repetida pelo menos três ou quatro vezes. E os cenários quase não fazem questão de representar o ano em questão.

Apesar de tudo, “O Vigarista do Ano” não é de todo falho. As boas cenas com o ético e certinho personagem de Molina fazem um importante balanço com a falta de moral que surge em meio a toda ambição do escritor que ruma para o fracasso. Mesmo sem ter tanto espaço quanto deveria, esse equilíbrio torna-se interessante em um momento em que o público está prestes a torcer para que a fraude seja bem-sucedida esquecendo assim como o personagem de Gere a noção do que seria certo ou errado. Esse questionamento parece óbvio, mas recebe um tratamento peculiar dentro da trama.

Beatriz Diogo
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