Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Querô

Destaque em festivais nacionais, como em Brasília, Cuiabá e no Cine Ceará, "Querô" mostra a história da infância perdida de jovens do subúrbio de Santos. Violência, palavrões e sexualidade continuam sendo postas em prática. O diferencial é que "Querô" consegue ser mais humano do que outras películas nacionais conhecidas.

Adaptação da obra de Plínio Marcos “Querô – Reportagem Maldita”, o longa "Querô" tem direção e roteiro de Carlos Cortez e conta a história do jovem Querô, um menino de Santos órfão que foi criado pela severa dona do prostíbulo onde sua mãe trabalhava antes de morrer. Revoltado com seu destino e infelicidade, o menino começa a se entregar à criminalidade e acaba indo parar na Febem, onde enfrenta momentos de repressão que marcariam toda a sua vida.

Ainda é fato que existe um ar de preconceito quando o cinema nacional traz histórias urbanas que mostram com realismo a violência, o assassinato e outras temáticas anteriormente abordadas em filmes como “Carandiru” e “Cidade de Deus”. Em “Querô”, Carlos Cortez não se abstém de usar esses recursos violentos, cheios de palavrões e gírias suburbanas, mas acaba mostrando-se um pouco à frente por fazer uma leitura mais intimista do protagonista da história, encaixando-o em um ambiente estranho e inadequado de viver. A trajetória de Querô e seu destino marcado pela vida underground de Santos acaba fugindo de retratos comuns e apelativos para se preocupar mais em construir um elemento que não se contenta com o rumo que sua vida levou.

Optando por não usar nomes conhecidos no elenco, Cortez e seu intenso trabalho de escolha por jovens que já vivessem uma realidade semelhante a de seus personagens acabou descobrindo meninos de ouro para o mercado audiovisual nacional. O destaque maior do longa fica, sem dúvidas, ao protagonista Maxwell Nascimento, o Querô, que, assim como os demais atores, receberam aulas preparatórias para conseguir quebrar as barreiras da câmera e oferecer ao filme imagens fortes e bem estudadas. Maxwell já venceu prêmios merecidos na categoria de Melhor Ator nos Festivais de Cinema de Brasília, Cuiabá e no Cine Ceará.

A capacidade de aderir às variações que seu personagem ganha no decorrer da trama demonstra que de amador, Maxwell não tem nada. Por mais que o elenco seja colocado em situações banais, a forma com que Cortez conduziu a película acabou absorvendo o talento dos atores e promovendo um diferencial que excita o espectador a conferir a história até o final, sem esperar por desfechos amenos. Como se não bastasse, nomes como Maria Luísa Mendonça e Ângela Leal aparecem para abrilhantar a história.

Colaborado por uma direção de arte detalhista e uma edição bem trabalhada, Cortez constrói em “Querô” planos que estudam seus personagens, suas aspirações e medos, além de investir nas alternativas certas de captação de imagem, principalmente nas cenas internas da Febem, que combinem com cada cena filmada.

O que acaba incomodando é o fato repetitivo dos flashbacks em sonhos e pensamentos que o protagonista tem durante a trama, além de alguns investimentos em momentos mais dramáticos acabarem não mobilizando completamente. A chuva de palavrões poderia também ter sido contida, porém não chega a prejudicar tanto a história por ser esperada. A idéia de que esses problemas quase insignificantes passa é que, se fossem consertados, o filme seria impecável e poderia ter um clímax mais bem instaurado que fizesse o desfecho ser significativo de imediato.

Apesar disso, os recursos estéticos trabalhados em cena, juntamente com a direção de fotografia assinada por Hélcio Alemão Nagamine, acabam criando uma tragédia que dificilmente se apagará da memória do público. Mesmo sendo seu primeiro trabalho em longa-metragem de ficção, Cortez causa boa impressão e talvez seja uma promessa para se juntar aos diretores de melhor cotação do cenário nacional. Pela temática e tratamento da trama abordada, “Querô” pode ser um dos grandes filmes nacionais deste ano. Construindo uma história de uma criança que, por quaisquer motivos que sejam, desvirtuou sua juventude e acabou seguindo caminhos sem volta, a trama consegue impor os destinos dos personagens sem um heroísmo exacerbado que tanto invade mediocremente algumas produções nacionais do gênero.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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