Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Era Uma Vez no Oeste

Falar de “Era Uma Vez no Oeste” é difícil, pois trata-se de um projeto lendário do cinema. Dirigido por Sergio Leone, o filme traz uma relação muito íntima entre imagem e som.

A precisão de movimentos e os planos definidamente tradicionais de um cinema quase engessado – mas nem por isso menos artístico – faz de “Era Uma Vez no Oeste” um exemplo de construção clássica da linguagem.

Na trama, assistimos a um típico faroeste americano. Quando Brett McBain e seus filhos são sumariamente assassinados pelo pistoleiro do bando de Frank, a família McBain fica em maus lençóis, pois além de perder o parente querido, terá que arcar com as conseqüências das armações de Frank. Quando a ex-prostituta Jill, com quem Brett casara há pouco tempo, chega à cidade, passa a ser abordada pela gangue, que exige dela o dinheiro que será arrecadado com a propriedade do marido que querem obrigá-la a vender. Os planos de Frank só serão impedidos com a chegada do justiceiro Harmônica (interpretado por Charles Bronson), que virá no encalço do vilão e acabará ajudando a viúva.

Com captações marcantes e bem recortadas, Leone faz com os planos aquilo que Pudovkin descreve como a arte de usar elementos para desviar a atenção do expectador em direção ao momento exato em que o cineasta gostaria. O conceito é claramente mostrado já na cena de abertura, em que ele abusa dos planos clássicos. A importância dada para cada detalhe, para cada fragmento torna interessante o molde dado à história. Traz um reforço sonoro no momento de tensão gerado pela chegada de três intrusos ao estabelecimento em que trabalha um senhor claramente assustado, com cada movimento que os estranhos tencionam.

Os ápices fazem, mais uma vez, com que a atenção seja desviada para algo em especial. Nas cenas em que vemos aqueles típicos duelos de velho oeste, temos ressaltados detalhes além dos sons de pistolas, como por exemplo, o barulho dos sapatos em contato com a terra. Os pequenos momentos acabam virando grandes devido à captação do som. As boas visualizações do diretor em parceria com o profissional do som tornam possíveis estabelecer esse tipo de diálogo com o público. O detalhe do incômodo proporcionado pelas gotas que insistem em cair no chapéu, a mosca que atormenta o homem que quase pensa em dormir, a estranheza de não haver ninguém a vários quilômetros de distância daquele lugar; todas essas imagens são essenciais para a narrativa.

Até mesmo as armas se fazem presentes de maneira diferente. O som das armas disparadas difere muito do som que temos realmente. Não sei exatamente o motivo, mas é totalmente destoante. E convence. Assim como nós temos vários exemplos disso: da sugestão que ocorre através do áudio. Imagens que relacionadas ao som não encaixam na memória do espectador, e que, no entanto, não lhe causa estranheza. Ele percebe e aceita aquele novo áudio como algo passível de ser real porque se envolve. Existe um trabalho por trás de tratamento, de combinação e percepção.

O trabalho realizado com o afastamento de efeitos climáticos que poderiam atrapalhar a idéia inicial do filme é impressionante. A caracterização do som usa desses efeitos climáticos exatamente quando lhe é conveniente, separando quando se torna destrutivo, e trabalhado quando lhe é necessário.

É um filme interessante, com algumas atuações típicas do que se espera num filme de velho oeste, sim, porém o longa-metragem traz informações bem utilizadas, sendo o áudio seu ponto alto.

Beatriz Diogo
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