Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 09 de outubro de 2007

Tropa de Elite

Tanto se reclamou de haver só uma visão do mundo dos traficantes dos morros cariocas. Não há mais motivo para isso. Agora com “Tropa de Elite”, novas reflexões sobre o assunto podem ser levantadas, pois a história contada pelo outro lado soa até melhor.

“Cidade de Deus”: sucesso mundial. “Carandiru”: sucesso mediano. “Cidade dos Homens”: ótimo filme. A questão é que a trinca demonstra uma visão. Essa visão parte do morro (favela) para a sociedade e seus órgãos reguladores. Inclusive, até coloca em xeque tais organizações do estado que, em vez de “vigiar e punir” (título do livro de 1977 do filósofo francês Foucault) baseando-se na ética, estariam facilitando, ou melhor, se beneficiando da rede do tráfico nas favelas. Agora é a vez da outra visão: “Tropa de Elite”.

O filme com direção, roteiro e também produção de José Padilha (diretor de “Ônibus 174”) é uma adaptação do livro “Elite da Tropa”. De autoria de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, a obra acompanha narrativas fictícias apresentadas por um policial líder do esquadrão Bope (Batalhão de Operações Especiais), mostrando o lado bom da polícia contrastando com os podres da mesma e do tráfico nos morros cariocas. Roteirizado também por Bráulio Mantovani (“Cidade de Deus”) e Rodrigo Pimentel, “Tropa de Elite” traça o mesmo caminho do livro inspirador.

Apesar de a história ser uma ficção, os autores do livro podem falar com propriedade sobre o assunto. O antropólogo Luiz Eduardo Soares atuou na gestão da segurança pública como coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do governo do Rio de Janeiro entre 1999 e 2000, e como secretário nacional de Segurança Pública em 2003. André Batista e Rodrigo Pimentel durante os anos 90 integraram o Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Bope).

Na trama do longa-metragem somos apresentados ao Capitão Nascimento (Wagner Moura, de “Cidade Baixa” e da mini-série “JK”) como um dos personagens centrais e narrador; bem como a dupla de "aspirantes a policiais honestos": Neto (Caio Junqueira, de “Central do Brasil”) e André Matias (André Ramiro). A narração do Capitão acompanha os fatos da vida enfrentados por Neto e Matias até chegarem ao treinamento do Bope, bem como a busca por um substituto – segundo o Sgt, um dos dois o substituirá. Amigos de infância, os dois dividem um apartamento no Rio de Janeiro, entraram juntos na Polícia Militar e se desiludiram juntos com a rede de corrupção que atinge algumas partes dessa corporação. Corrupção essa bastante visível nos jornais diários. Visível e, diga-se de passagem, entristecedora depois de uma pesquisa mais aprofundada no assunto.

Não li o livro todo, somente trechos quando de passagem demorada por livrarias. Logo, não posso acompanhar e delatar o processo de adaptação. È fato, todavia, que o roteiro da película me funcionou muito bem se analisado simplesmente como roteiro. É tão bom quanto o roteiro de “Cidade de Deus” – nesse caso, a comparação é cabível, pois o universo é o mesmo, apesar da visão ser diferente. Segue uma narrativa não-linear que, aos poucos, vai unindo muito bem os personagens. Nós não ficamos no suspense, afinal, sabemos em que final aquilo vai dar, não poderia ser outro diante do que a narração vinha antevendo, mas é a forma como isso acontece que realmente prende. Não lembro de ter piscado o olho, coçado o ouvido ou olhado para os lados em algum momento do filme, pois cada palavra soava com novas e boas informações para o entendimento da trama. Sinto dizer que para as cabeças acostumadas com narrativas simples, onde o mocinho se beija com a mocinha no final, essa não é, e nem deveria ser, uma boa pedida.

Tecnicamente falando, “Tropa de Elite” não se molda, em partes, a padrões brasileiros. O projeto tem um objetivo: seguir os passos de “Cidade de Deus” e seu diretor Fernando Meirelles (hoje em Hollywood) para alcançar fama internacional. Se conseguiu o tento ou não, isso é outra história, mas cabe dizer que ele funciona muito para os padrões americanos e, em partes, europeus. Afora o estilo de narrativa já citado, devemos também ficar atentos ao modo como a ação é utilizada no filme. Não há tiroteio sempre, mas nas horas certas. O enfoque principal é na construção do caráter dos personagens para depois entrarmos no clima tenso. Todavia, para o agrado de outros olhares que não os nossos brasucas, o prólogo é vibrante, até ensurdecedor. A internacionalização do longa é tão óbvia que até quando há uma mudança de ato, a tela preta com apresentações em inglês é utilizada – isso no caso de algumas cópias, já que o longa original foi passando por diversas edições. Não acho isso ruim. O filme quer um objetivo e deve fazer o que puder para isso.

Wagner Moura é o destaque do elenco. Nunca vi esse ator tão imponente quanto em “Tropa de Elite”. Não há nem como desconfiar da competência dele, já que nos primeiros dez minutos sabemos que cunho terá seu personagem: um policial linha dura detentor de todos os trejeitos de líder. A tomada mais marcante é quando ele vai subir um morro. Nascimento grita palavras de ordem para um grupo de policias militares e entra na favela com o seu esquadrão do Bope, é quando a câmera dá um close-up em seu rosto mostrando a tremenda cara de mal do ator ao empunhar uma metralhadora. Senti-me um subalterno.

Caio Junqueira, como Neto, tirou o estigma de ator global e André Ramiro, como Matias, segurou muito bem as pontas, sobretudo quando seu personagem precisou vir à tona na trama – para além da metade, principalmente. O exemplo disso é em uma cena em que ele enfrenta uma passeata em favor da paz. Como é uma cena-chave e para além da metade da trama, não vale a pena ser destrinchada, mas observem como um ator que estava dando vida a um personagem simpático, transforma-o em um dos mais raivosos da trama.

A trilha sonora é notável logo após o prólogo. Quando vi o título do filme pela primeira vez, lembrei da música Tropa de Elite da banda Tihuana por motivos óbvios. Surpreso fiquei quando me deparei com a mesma no filme e, diga-se de passagem, fazendo todo o sentido com a trama. Ela é usada em dois momentos. Um deles logo após a ação inicial a fim de nos colocar no clima e, mais tarde, em uma frenética investida do Bope. Como a letra da música tem versos descartáveis, só o refrão ("[…] tropa de elite osso duro de roer, pega um, pega geral, também vai pegar você!") fora utilizado. Funcionou tão bem quanto a edição de som. Mais uma vez o molde americano fora observado. Deu até para diferenciar em um tiroteio qual tiro partia de uma pistola e qual tiro partia de uma metralhadora AR .15.

Só sinto falta de um final melhor trabalhado. A maioria até gosta da forma como certos filmes nacionais terminam e esse aspecto foi realmente ao nosso estilo. Senti falta de ver mais em “Tropa de Elite”. Foi o mesmo sentimento que tive para com o final do ótimo “O Invasor” (direção de Beto Brant). Por outro lado, o sentimento de “pena que acabou” denota o quão prazeroso estava assistir a esse longa-metragem.

Raphael PH Santos
@phsantos

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