Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Possuídos

Contendo alguns dos diálogos mais embaraçosos que já vi em um filme, "Possuídos" mostra que William Friedkin ainda é vítima da maldição de sua obra mais conhecida, "O Exorcista", entregando mais uma produção abaixo da crítica.

“Eu sou a mãe super inseto!!”. Foi no momento em que a atriz Ashley Judd, estrela deste “Possuídos”, proferiu a frase acima que eu, pela primeira vez, senti vergonha por estar assistindo a um filme. É claro que já ouvi diálogos mais fantasiosos ou estranhos em diversas fitas, mas nunca de uma maneira tão esdrúxula, em um momento tão inapropriado ou mesmo em uma fita tão irreparavelmente equivocada quanto esta, dirigido por William Friedkin. O veterano cineasta conduz da pior maneira possível esta adaptação da peça homônima de Tracy Letts (que também assina o roteiro do filme). A falha de ritmo e de direção é tamanha que os momentos mais dramáticos do filme acabam ganhando contornos involuntariamente cômicos, devastando uma experiência que deveria ser assustadoramente real.

O filme nos apresenta à sofrida Agnes (Ashley Judd). Dona de um passado triste, onde se incluem um marido violento e a perda de seu filho, ela vive uma existência solitária em um quarto de motel chinfrim no sul dos Estados Unidos. Seu único conforto vem das drogas e de sua amiga R.C. (Lynn Collins), sua companheira de trabalho num bar de lésbicas. Atormentada por misteriosos telefonemas no meio da noite e perturbada pelo fato de seu ex-cônjuge, Jerry Goss (o cantor country Harry Connick Jr.), ter saído em condicional da cadeia, ela conhece, por intermédio de R.C., um retraído veterano da primeira Guerra do Golfo chamado Peter (Michael Shannon). Como ambos são solitários, calha de um confortar o outro. Porém, Peter começa a manifestar alguns sintomas e acredita que está infectado por insetos que caminham por dentro do seu corpo, que apenas ele e Agnes podem enxergar. Se auto-enclausurando na pocilga que chamam de quarto, os dois vão se afastando cada vez mais do mundo exterior, enquanto helicópteros e representantes do exército começam a aparecer.

A trama parece interessante, não? O grande problema é que nada no filme fora bem desenvolvido, justamente pela falha de seus realizadores em perceber que se trata de uma obra para cinema, não de uma peça de teatro. Apesar de ambas as mídias envolverem interpretação, são linguagens completamente diferentes já que lidam com o público de modos distintos. Interpretações teatrais são, por natureza, mais intensas que a cinematográfica, já que a ação se desenrola naquele momento e frente ao público, além de não contar com as diversas ferramentas que filmagens comportam, como edição e ângulos de filmagens alternados, ou dar aos atores o luxo de repetir uma cena que não ficou tão boa. Já cinema exige uma maior sutileza, um certo minimalismo que deve existir até nas cenas mais esdrúxulas, algo que fora esquecido por William Friedkin, transformando “Possuídos” em um ridículo exercício de exagero em todos os aspectos. Seus atores, por exemplo, trabalham de forma excessivamente performática, se jogando freneticamente em frente à câmera e proferindo diálogos absurdos que acabam por levar o público às gargalhadas.

No tocante às atuações, Ashley Judd, que aparece em quase todas as cenas da fita, é o grande destaque negativo do filme. Sendo o nome mais conhecido da trupe, a atriz até que tenta em alguns momentos dar uma postura mais reflexiva a sua Agnes, mas seu esforço vai por água abaixo no que seria o clímax da produção, onde profere a pérola que abre este texto. O companheiro de cena de Judd, Michael Shannon, é o maior expoente da falta de diferenciação da produção entre teatro e cinema, já que interpretou o mesmo Peter na peça que deu origem ao filme, trabalhando seu personagem na película de maneira teatral, o que leva a sua atuação como o soldado desertor a beirar o ridículo de tão exagerada. Os demais personagens têm pouco tempo de cena, o que lhes salva de um vexame maior. Harry Connick Jr. como Jerry Goss, o ex-marido violento de Agnes, se limita a tentar bancar o machão em todas as cenas que aparece, enquanto a atriz Lynn Collins pouco tem a fazer como a “melhor amiga da protagonista” além de apresentar o casal principal. Já Brian F. O’Byrne vive o Dr. Sweet que irá entrar para a história como o pior psiquiatra que o cinema já viu, além de um dos nomes mais ridículos já criados (“Dr. Doce”? Parece marca de pirulito, pelo amor de Deus!).

A direção de William Friedkin nem parece ser daquele grande cineasta ganhador do Oscar por “Operação França”. Usando e abusando de inapropriados – e esteticamente feios – zooms, o diretor ainda consegue piorar o desempenho de seus atores, colocando-os em posições bizarras para encobrir suas… partes íntimas, apelando até mesmo para o recurso de colocar objetos de cena na frente dos intérpretes, algo digno da série “Austin Powers”, sendo que o riso aqui não era o alvo, mas acaba por ser a conseqüência. O trabalho de edição, feito por Darrin Navarro, consegue tornar a experiência de assistir ao filme ainda mais excruciante, já que não dá um pingo de ritmo à produção e transforma alguns diálogos tão interessantes quanto ver tinta secando. Para não dizer que não se salva nada, gostei da direção de fotografia feita por Michael Grady (“Crimes em Wonderland”), que conseguiu lidar com a desconstrução do quarto de Agnes – onde se passa 95% do longa – e transferiu a claustrofobia do lugar para as cores da produção.

A fita está sendo vendida de maneira absolutamente equivocada pela sua distribuidora, a Califórina Filmes, que a está colocando no mercado como se fosse um filme de terror (gênero que consagro Friedkin com “O Exorcísta”) quando, na verdade, se trata de uma película experimental. A rotulação incorreta do longa é comprovada pela alteração de seu título – o original, “Bug”, traduz-se “Inseto”, bem mais condizente com a trama. Isso, no entanto, em nada afetou o mérito da “obra”, já que esta falha até mesmo em seu caráter alternativo, se tratando de uma produção sem ritmo, nexo narrativo e com atuações bizarras, no pior sentido da palavra. “Possuídos”, no entanto, logrou êxito em algo: ser o pior filme que já vi em toda a minha vida.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe

Saiba mais sobre