Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Morte Pede Carona, A

O terceiro filme lançado pela Platinum Dunes, do cineasta Michael Bay (“Transformers”), que objetivava lançar uma série de remakes de filmes de terror em baixo orçamento, propõe uma releitura de “A Morte Pede Carona”. O clássico de 1986 fez despontar alguns nomes para a indústria cinematográfica da época, como o de Rutger Hauer, que viveu o vilão do filme. Desta vez, a refilmagem ganha um caráter contemporâneo e anda por linhas tortas, mas causa alguns bons momentos.

Depois dos remakes de “Horror em Amityville” e “O Massacre da Serra Elétrica”, Michael Bay atrelou sua produtora a um dos melhores representantes do gênero de terror da década de 80. O filme original contava a história de Jim Halsey (C. Thomas Howell), um jovem que estava em uma viagem através do continente rumo à Califórnia, onde deveria entregar o carro que estava utilizando. No meio da estrada, acaba se deparando com o esquisito John Ryder (Rutger Hauer) e acaba dando-lhe carona, para que tenha uma companhia e evitar que durma ao volante. O que o jovem não sabia era que John estava procurando diversão, o que acontece quando este mata suas vítimas. Conseguindo se livrar do psicopata na primeira fração de tempo no original, John acaba perseguindo o jovem durante toda a sua viagem, colocando sua vida em perigo, juntamente da bela Nash (Jennifer Jason Leigh), que conhece na estrada.

Algumas são as diferenças entre a refilmagem e o filme anterior dirigido por Robert Harmon (“Velozes e Mortais”). Desta vez comandado pelo diretor de videoclipes Dave Meyers, a trama começa com um casal de namorados (que representaria Howell e Leigh no anterior) que saíram de viagem para encontrar alguns amigos. No caminho, meio a uma forte chuva, eles quase atropelam um sujeito que parecia estar com o carro quebrado e precisando de carona. Amedrontados, os dois fogem do local. O que não esperavam era que, mais tarde, encontrariam novamente o homem em um posto de gasolina. Lá, este pediria carona mais uma vez, fazendo com que Jim (desta vez vivido por Zachary Knighton) não tivesse chances de recusar, deixando sua namorada Grace (Sophia Bush) desconfiada. John Ryder (Sean Bean) acaba revelando no meio da viagem que é um aventureiro de estrada e que gosta de fazer vítimas com sua crueldade. Apavorados, Jim e Grace dão um jeito de se livrar do vilão, que passa a persegui-los durante toda a viagem e causa muita confusão na vida da dupla.

O que pode soar estranho para os admiradores do filme de 86 é esta incursão da personagem feminina desde o início do longa, fato que só acontece fielmente na segunda metade do filme original. Desta vez universitários e exemplos de beleza (o que também foi representado por Howell e Leigh na versão anterior), a interação entre a dupla ajuda a montar uma história com um toque maior de cumplicidade. No original, o medo sentido por Jim acabava ficando internalizado em diversas cenas, o que causava um estranhamento quando este estourava seus sentimentos. Desta vez compartilhando a maioria das cenas com Grace, Jim ganha uma força não só por estar fazendo parte do casalzinho apaixonado em perigo, mas por conseguir nivelar com Grace a força que impulsiona o filme. Além disso, era de se esperar que alguns conflitos fossem trazidos para a época contemporânea, já que a motivação de Jim no filme original (de entregar o carro em outra cidade) não funcionaria tão bem atualmente na indústria cinematográfica. Esse novo investimento de personagens acaba fazendo um bom proveito logo no início de cenas que apareceram aleatoriamente no filme original. A primeira metade do longa se passa quase toda dentro do carro de Jim, fato que precisava ser quebrado no anterior, já que na ocasião Jim não tinha com quem conversar sobre o perigo. Neste caso, o que mais irrita é a falta de credibilidade que Jim passa ao conseguir dirigir em alta estrada e olhar para o lado para papear com Grace. Típico.

Após passar por esse primeiro (e maior) contato com John Ryder, as cenas posteriores que trariam os mesmos fatos do filme de 86, como a família em perigo nas mãos do vilão, acabam acontecendo sem forçar o roteiro original. Por mais que saibamos que o vilão não se aquietará e dará um jeito de aparecer na vida do casal, ainda há a sensação de que eles poderão sair correndo dali a qualquer momento. Porém, não é o que acontece. Jim e Grace acabam se complicando de uma forma que a polícia os incriminam por alguns delitos que aconteceram no meio do caminho. Neste âmbito, a trama resolve os problemas de elipse do original e se enquadra melhor ao convencer o espectador. A presença do vilão, por mais que acabe sendo literalmente fantástica, já que ele aparenta ser capaz de aparecer em qualquer lugar, além de conhecer toda a estrada e os possíveis esconderijos e seu complexo de invencibilidade, continuam dando a John Ryder um toque de impossibilidade. Aliás, é bastante presente na produção as seqüências surreais pelas quais os personagens passam, mas, para um filme de baixo orçamento, conseguir se livrar de dois carros e um helicóptero com apenas alguns tiros foi uma das melhores saídas para o clímax em termos de ação. Ainda neste momento, que também acontece no filme de 86, mas com menos intensidade, os elementos foram revistos e a cena ganhou um toque eletrizante ao ser embalada pela música “Closer”, da banda Nine Inch Nails, que consegue registrar bem o momento, mas, particularmente, tira a atenção do espectador por ser melhor do que a seqüência. A trilha sonora é outro aspecto que também ganha o ar contemporâneo, com temas de bandas teens que atraem o grande público e se encaixam bem na nova forma que Hollywood faz terror. No filme original, a trilha pecava por aparecer em momentos inadequados, pouco influenciando na trama.

O diretor Dave Meyers mostra sua clara influência do mundo dos videoclipes. Variando entre planos abertos para demonstrar a paisagem ampla, porém sem saída para os personagens, e planos fechados que demonstram, na maioria das vezes, a angústia dos mesmos, Meyers conta com uma direção de arte modesta para o orçamento do projeto, mas que consegue fazer explosões e capotagens se aproximarem a muitos blockbusters conhecidos. Contrapondo isso, alguns efeitos não convencem e o uso claro do famoso fundo verde para recorte e encaixe de cenário doem a vista dos mais detalhistas. Percebam a primeira cena quando um simpático coelhinho atravessa a estrada; neste caso a produção gráfica também foi infeliz. Nada mais desestimulante do que tal fato na primeira cena. De qualquer forma, o filme também ganha a ajuda de James Hawkinson dirigindo a parte fotográfica, um dos elementos de destaque do filme original. Construindo planos com bons contrastes, mas pecando algumas vezes na falta de profundidade de campo, Hawkinson segue as ordens de Meyers e também dá seu toque de videoclipe, o que não atrapalha o visual do filme. Pelo contrário, faz parecer ter tido tanta preocupação com a parte estética que disfarça o baixo investimento financeiro. O roteiro de Jake Wade Wall e Eric Brent dá uma ajuda para manter o ritmo do longa, mas deixam alguns quesitos em aberto em relação ao vilão e também com determinadas atitudes estúpidas dos personagens.

No elenco, Sophia Bush dá vida à encantadora Grace de uma forma que consegue crescer com o decorrer da projeção, passando, inclusive, por momentos insatisfatórios de interpretação. Porém, quando precisa carregar o filme nas costas, a mocinha resolve dar o gás para fechar de forma competente o filme (e mais uma vez o surreal vem à tona!). O galã Zachary Knighton apresentava uma segurança bem maior de seu Jim do que, na ocasião, Bush e até mesmo C. Thomas Howell do original. Ambos seguem o estereótipo de garoto perfeito, mas demonstram identidades um pouco diferentes, até porque, no desfecho, algumas coisas tomam novos rumos e exagerar como no primeiro filme seria desnecessário. O destaque da produção continua sendo de John Ryder, agora vivido por Sean Bean. Com bem mais classe, humor e capacidade de aterrorizar também os espectadores, Bean faz uma releitura perfeita do vilão e é muito bem aceito.

Apesar das mudanças de foco em alguns personagens, “A Morte Pede Carona” continua seguindo as mesmas perspectivas do original. Desta vez, a diferença é a introdução prematura do casal romântico que não cai no melodrama e é eficiente, modernizando também a questão do enredo, das técnicas visuais e de algumas tomadas, visto que em alguns momentos é reproduzida a tomada original, o que dá uma animada nos fãs. Sem muitas inovações, o filme faz o que é proposto dentro da nova forma de construir o terror, abusando dos efeitos sonoros para assustar e do intenso clima de suspense. Com suas eventuais falhas e irregularidades, mesmo assim acaba sendo uma boa adição ao portfólio da produtora de Michael Bay.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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