Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 01 de agosto de 2007

Ela é a Poderosa

Com assuntos abordados de uma maneira superficial, "Ela é a Poderosa" chega aos cinemas marcado por apenas um quesito completamente favorável: as atuações.

Reunindo gerações de atrizes bastante famosas nos cinemas mundiais, "Ela é a Poderosa” acompanha os problemas de três mulheres – avó, mãe e filha – e como elas lidam com tais conflitos. Lindsay Lohan vive Rachel, uma adolescente rebelde que já foi adepta de drogas e bebidas e sabe infernizar a vida de qualquer pessoa, inclusive a de Lilly (Felicity Huffman), sua mãe. Tentando achar um jeito para "endireitar" a garota, Lilly toma a decisão extrema de levar a filha ao único lugar em que foi, alguma vez, controlada: a casa de Georgia (Jane Fonda), sua mãe e, conseqüentemente, avó de Rachel. Todavia, o local comandado pela matriarca não é tão sereno assim. Lá, há um conjunto de regras que visa moral, bons costumes e trabalho duro a ser seguido, fato o qual não agrada nem um pouco a rebelde Rachel. Em meio a diversas situações, um segredo jamais esperado é revelado, colocando em prova todo o amor e confiança das três mulheres.

Aparentemente visto como um projeto raso, "Ela é a Poderosa" até que possui um potencial exemplar, uma vez que a sua história trata de assuntos importantes e, de certa forma, polêmicos. Muitos, ao lerem a sinopse do parágrafo anterior, provavelmente não deduzem a gama de temas que poderia ser abordada. Todavia, optando por mostrar tudo com superficialidade, o roteirista Marks Andrus (do simpático "Melhor é Impossível") prefere escrever sobre lições batidas. No projeto, são dadas oportunidades, as quais não são aproveitadas, para que situações envolvendo uso de drogas, alcoolismo, abandono familiar e até abuso sexual sejam trabalhadas, temas estes capazes de gerar controvérsia e fazer com que o espectador se envolva cada vez mais com a trama. Obviamente, o intuito do longa-metragem não era trazer polêmica para as telonas, e sim marcar por ser um projeto descontraído. Porém deve ser ressaltado que descontração não está necessariamente aliada a abordagens superficiais.

As personagens principais mostram, em grande parte dos momentos, que passam por problemas, sejam eles comuns à maioria das pessoas ou não, no entanto, certas vezes, principalmente em relação à Lilly, não é desenvolvido muito bem o porquê. A personagem vivida por Huffman demonstra nutrir uma certa raiva de sua mãe, sabe-se lá o motivo. Afinal, um conjunto de regras é capaz de fazer com que uma pessoa odeie veementemente outra? Este fato, inclusive, é responsável por fazer com que Lilly recorra ao alcoolismo como "solução" para seus problemas? Sinceramente, até agora, não sei. Georgia parece ser a mais incompreendida da história, sinto dizer.

A culpa dessa abordagem superficial e despreocupada, no entanto, não é somente do roteirista. Outro que também pecou neste aspecto foi o diretor Gary Marshall (da franquia "O Diário da Princesa"). Preferindo que sua lente capte todos os clichês e sem fazer o mínimo esforço para que seu trabalho ganhe um notório destaque, o cineasta apenas pareceu que esteve assistindo ao seu próprio filme. Parte dos diretores fica orgulhosa por deixar uma marca, por menor que seja, nos longas-metragens dirigidos, enquanto Marshall, aparentemente, preferiu seguir todos os moldes comuns e não arriscar em nada. Não que seja absolutamente necessário que cineastas deixem características pessoais em cada projeto cinematográfico, mas, de certa forma, isto engrandece o filme a ser visto.

As principais responsáveis por fazerem com que a produção funcione um pouco são as três atrizes principais. Jane Fonda optou por interpretar uma personagem bem diferente da do seu último filme, "A Sogra". Georgia é uma mulher forte, mas que também possui suas fraquezas e problemas de relacionamento. Aparentemente inquebrável, a personagem, em determinadas cenas, transparece certa fragilidade, a qual é muito bem captada por Fonda. Georgia tem a sua própria forma de amar, a qual não segue a maioria dos moldes implementados pelas pessoas. Através de suas regras, confessa que encobre todo o amor que sente pelos seus familiares, sem ter necessariamente que dizer que os ama. Como valoriza mais ações do que as palavras em si, a mulher acaba sendo incompreendida e vista pela sua filha como uma "vilã", quando, na verdade, tudo o que visa é o bem das pessoas amadas. Em certas cenas, Fonda repassa o desapontamento da personagem por ter feito sua filha se distanciar de uma forma indescritível, fazendo uso apenas de seu olhar. Sem medo de ressaltar as marcas da idade, Fonda aparece em "Ela é a Poderosa" como uma mulher simples e atingível. Despida de qualquer inibição, a atriz de 69 anos mostra que, à medida que o tempo passa, o seu talento aumenta.

Lindsay Lohan é outra que foi bem-sucedida neste projeto. Obviamente, um fato está a favor da atriz: a personagem é uma adolescente que se envolve em enrascadas parecidas com as protagonizadas pela própria Lohan, porém a sua boa atuação não deve ser atrelada apenas a este quesito. Compondo a sua personagem de uma maneira marcante, a atriz faz com que Rachel seja o tipo de pessoa que sabe se impor, ao mesmo tempo em que também consegue ousar. Sempre com uma resposta na ponta da língua, a garota aparentemente é uma rebelde mimada e sem causa, no entanto, apenas usa isto para encobrir o que realmente sente. No começo, o espectador cria uma certa antipatia por Rachel. Como certo personagem diz no decorrer do longa, a menina parece um "anticristo", todavia, à medida que o filme se desenvolve, é feita uma imagem mais favorável da personagem, inclusive levando as pessoas a entendê-la. Lohan também passa, através de ações e palavras de Rachel, a dúvida e o sofrimento vivenciado pela garota.

Explicando que todos podem sobreviver sem que este instinto de sobrevivência os deixem tristes, Rachel, em meio a situações delicadas vivenciadas na época em que era mais nova, usa de artifícios – como os apelos sexuais e a rebeldia – para se esconder, quando, na verdade, também sofre e ama como qualquer outra pessoa. Todas essas características da personagem são bem captadas por Lohan, a qual mostra, através deste trabalho, que possui, sim, talento para galgar uma carreira significativa em Hollywood. Embora também seja destaque da produção, Felicity Huffman é a que se encontra mais apagada das atrizes, mesmo que isso não signifique que não tenha desempenhado bem o seu papel. Huffman faz de Lilly uma mulher frágil, que não costuma encarar os seus problemas de frente, sempre recorrendo a outros fatos para se sentir melhor. Quando começaram as situações mais sérias envolvendo sua filha, preferiu mandar que a adolescente fosse morar com a avó. Já quando se deparou com um fato bastante delicado em relação ao seu marido e então padrasto de sua filha, usou a bebida como refúgio. Aliás, neste filme, todos os papéis principais se escondem por trás de algo: Georgia da sua suposta dureza, Rachel da rebeldia e Lilly da bebida.

Com o fato maçante de se aproximar lentamente do fim, utilizando um intenso jogo de mentiras e verdades contadas por alguns personagens, "Ela é a Poderosa" não pode ser considerado um filme completo. Em meio a aspectos desfavoráveis, a trilha sonora passa completamente despercebida, não ajudando a abordagem superficial do roteiro escrito por Mark Andrus. No entanto, embora não seja primoroso, o longa-metragem pode divertir os que procuram descontração e acaba sendo uma opção razoável para aqueles que desejam fugir dos blockbusters que habitam as salas de cinema nas férias.

Andreisa Caminha
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