Contrariando o que o slogan da franquia afirma, "Transformers" não é "mais do que os olhos vêem", mas quando estes enxergam o filme de ação mais divertido do ano, fica difícil reclamar!
Como bom filho da década de 1980 que sou, eu assistia à versão animada de “Transformers” na minha primeira infância. Claro que eu era muito jovem para ver qualquer coisa além do conceito de “robôs que viram carros” e só me divertia com as aventuras de Líder Optimus e seus comandados. Já hoje, tenho maturidade suficiente (espero eu) para compreender produções mais complexas, mas não vi muito a mais nessa adaptação para o cinema do que nos desenhos que assistia em meus tenros anos. E quer saber? Ainda bem! Além de manter o espírito da série clássica, com várias referências a esta espelhadas pela projeção, o filme é um prato cheio para aqueles que estavam cansados de blockbusters com enredos excessivamente rebuscados, resgatando um sentimento de diversão de qualidade e descompromissada que não se via em uma superprodução faz tempo. E, o mais importante, respeita a inteligência do espectador com um roteiro coeso e ainda nos presenteia com vários personagens que, apesar de não serem muito mais que estereótipos, são incrivelmente carismáticos. Somando-se a isso, temos a pirotecnia habitual de Micheal Bay, desta vez sob as rédeas do mestre Steven Spielberg, comandando o melhor pipocão do ano.
A fita abre com um prólogo, muito parecido com o de “Armageddon”, que nos conta rapidamente a origem dos Transformers, o motivo da guerra entre eles e da queda de sua civilização. Tudo tem origem no Cubo, um objeto extremamente poderoso, cujo poder pode ser usado tanto para gerar vidas, quanto para fins bélicos. Perdido no meio do conflito, esse precioso objeto escolhe, de todos os planetas da galáxia, cair justamente na Terra. Milhares de anos depois, nos dias de hoje, um grupo de militares americanos se prepara para voltar para casa depois de um longo tempo servindo no Oriente Médio. Porém sua base é abordada por um helicóptero que se transforma em um gigante humanóide metálico que destrói o complexo inteiro e mata quase todos os presentes na tentativa de invadir os arquivos virtuais do exército americano, deixando o Secretário de Defesa americano John Keller (Jon Voight) e todo o seu aparato em alerta máximo, prestes a retaliar contra “os suspeitos de sempre” e a beira de começar a Terceira Guerra Mundial. Enquanto isso, somos apresentados ao jovem Sam Witwicky (Shia LaBeouf), que está prestes a ganhar o seu primeiro carro. Tentando levantar fundos para convidar a garota de seus sonhos, Mikaela (Megan Fox), para um encontro, ele coloca à venda objetos pertencentes ao seu tataravô, um dos primeiros homens a explorar o circo polar ártico. Na loja do vendedor falastrão Bobby Bolívia (Bernie Mac, em uma curta e memorável aparição), ele acaba sendo levado a comprar um velho Chevrolet Camaro. O que o jovem não sabe é que seu carro é, na verdade, o transformer Bumblebee, que recebeu do chefe de seu clã, Optimus Prime, a missão de proteger o jovem e uma relíquia que ele possui. Assim, Sam cai de pára-quedas no meio da guerra entre as duas facções dessa raça de alienígenas cibernéticos: os malignos Decepticons e os heróicos Autobots. O jovem e seus amigos metálicos ainda vão contar com a ajuda de Mikaela, que entra meio de gaiata nessa confusão toda, que ainda conta com um agente (John Turturro) um tanto quanto excêntrico de uma agência governamental secreta.
As atuações do elenco estão na medida certa para uma produção deste porte. Mesmo que algumas quase beirem ao caricato, nunca ultrapassam esse limite. O grande destaque vai para Shia LaBeouf. O intérprete de Sam dá um show em suas interações com os personagens virtuais do longa, realmente nos fazendo crer na existência dos robôs, além de conseguir tornar seu personagem que, nas mãos de um ator menos espontâneo, seria apenas mais um adolescente nerd genérico, uma figura cheia de energia. Sua companheira de cena, Megan Fox, faz exatamente o que é pedido dela no filme, ou seja, justamente ser o objeto de desejo do protagonista. Fox torna sua Mikaela o “sonho de consumo” de qualquer garoto: linda, inteligente e corajosa (eu já mencionei “linda”?). Falando em beleza, outra que dá um banho nesse quesito é a australiana Rachael Taylor. Apesar de sua personagem não parecer muito com uma especialista em informática, a atriz foi feliz ao fazer com que a coragem de sua Maggie fosse a característica mais marcante dela em cena, fazendo-nos esquecer rapidamente do detalhe científico que a envolvia. Aliás, ela tem uma boa química com Anthony Anderson, que, por incrível que pareça, está realmente engraçado em seu papel de hacker bonzinho. John Turturro, entendendo a proposta do filme, brinca de atuar em cena como o amalucado agente Simmons, divertindo a audiência toda vez que surge na tela. Já Jon Voight interpreta o Secretário Keller meio que no piloto automático, não dando sua melhor interpretação, mas também não comprometendo. Enquanto isso, Josh Duhamel e Tyreese Gibson não têm muito que fazer em cena além de pegar em armas e bancarem os heróis de batalha padrão dos filmes de Michael Bay, o que, considerando o contexto da produção, não é ruim.
Agora, falando de quem realmente tem o filme nas mãos, os personagens-título. A fita utiliza ao máximo o potencial visual dos robôs que podem assumir a forma de outras máquinas, mas isso não adiantaria se não admirássemos os autobots ou se os decepticons não fossem ameaças convincentes. Pois graças ao trabalho em conjunto dos dubladores e de toda a equipe de produção, vemos os Transformers em tela em toda a sua glória. Desde o divertidíssimo Bumblebee (que vai virar o sonho de consumo de todo cidadão que assistir ao longa), passando pelo ameaçador e egocêntrico Megatron e chegando ao honrado Líder Optimus (que tem a voz de Peter Cullen, dublador do personagem no desenho original), nós realmente sentimos a presença desses “atores” na tela. Ouvir o líder dos autobots proferindo sua clássica fala “Liberdade é um direito de todos os seres conscientes” é de fazer qualquer fã vibrar! O único problema é que alguns dos transformers não tiveram muito tempo de cena, algo que prejudica principalmente os decepticons, mas que é compensado pela incrível luta entre as facções mecânicas opostas no último ato do filme. E, pra não dizer que não teve reclamação de fã aqui, cadê o canhão do Megatron?
Michael Bay tem pleno domínio de todas as seqüências de ação do filme, dando o senso de urgência perfeito a cada uma delas, mesmo tendo colocado os atores e dublês na “linha de fogo” para isso, já que é notório que ele não se dá muito bem com as famosas “telas azuis”. Além disso, o diretor dá certa liberdade a seu elenco, o que rende momentos engraçadíssimos os quais não diluem a tensão da fita. O filme consegue manter seu alucinante ritmo sem se perder graças ao ótimo trabalho de nada menos que três montadores, Tom Muldoon, Paul Rubell e Glen Scantlebury, todos antigos colaboradores de Bay e que conseguiram botar ordem nas insanas cenas pirotécnicas do diretor. A trilha, assinada por Steve Jablonsky (“A Ilha”), é tão épica quanto a escala da produção, mas realmente não chama muita atenção ao meio do espetáculo visual promovido pelos espetaculares efeitos produzidos pela ILM aliados ao ótimo design de produção feito por Jeff Mann (“O Exterminador do Futuro 3”) e a fotografia limpa de Mitchell Amundsen (“Carga Explosiva 2”).
Ao contrário do que dizia a antiga música de abertura do desenho, “Transformers” não é “mais do que os olhos vêem”, sendo exatamente o que aparenta: um filme grandioso, bem feito e extremamente divertido!
P.S.: Fiquem depois dos créditos para conferir o destino de alguns dos personagens e um provável gancho para um mais que provável próximo exemplar desta franquia!
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.