Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de julho de 2007

Harry Potter e a Ordem da Fênix (2007): David Yates entendeu a franquia

O filme mais esperado do ano chega aos cinemas com três grandes responsabilidades: superar o aclamado “Harry Potter e o Cálice de Fogo”, dar início à trilogia final que marca o destino do jovem bruxo e adaptar um dos livros mais cultuados pelos fãs devido à sua importância para a história. Para o alívio dos corações aflitos, David Yates cumpriu muito bem todas as expectativas.

Após os últimos acontecimentos no quarto ano letivo da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Harry Potter (Daniel Radcliffe) está de volta ao mundo dos trouxas em mais um verão ao lado dos tios no subúrbio inglês. O retorno do Lorde das Trevas, no entanto, ameaça até a pacata Rua dos Alfeneiros. Sofrendo com as memórias da recente morte do amigo Cedrico Diggory e atormentado pelo primo Duda Dursley (Harry Melling) e seus amigos valentões, Harry é atacado por dois dementadores. Obrigado a usar o feitiço do patrono para defender-se, é expulso de Hogwarts pelo Ministério da Magia por usar indevidamente seus poderes diante de trouxas.

Resgatado pela Ordem da Fênix, organização criada pelo Professor Alvo Dumbledore (Michael Gambon) nos tempos em que Voldemort aterrorizava os bruxos, Potter é levado à sede da organização, onde toma conhecimento que ganhou o direito a um julgamento antes da expulsão. Livre de todas as acusações, ele retorna à escola junto de seus amigos inseparáveis Rony (Rupert Grint) e Hermione Granger (Emma Watson) e descobre um ambiente hostil, no qual poucos acreditam em seus relatos sobre o encontro com Lorde Voldemort e acusações de complô entre o garoto e Dumbledore para tomar o poder são constantemente publicadas no jornal Profeta Diário.

Para exercer total controle sobre Hogwarts e manter-se mais perto do diretor, o Ministro Cornélio Fudge (Robert Hardy) nomeia a subsecretária Dolores Umbridge (Imelda Staunton) como professora de Defesa Contra as Artes das Trevas e alta-inquisidora do Ministério. Infernizando a vida dos alunos, Umbridge os proíbe de preparar-se para a guerra iminente, forçando Harry, Rony e Hermione a criar um grupo intitulado Armada de Dumbledore, que teria reuniões secretas nas quais o primeiro faz às vezes de professor e ensina aos outros feitiços defensivos.

Anunciado como o mais sombrio dos cinco filmes da franquia, “Harry Potter e a Ordem da Fênix” começa mantendo o ritmo de melancolia e medo deixado ao final de “Harry Potter e o Cálice de Fogo”. Com o desenrolar da história, as situações que envolvem humor, romance e o clima de magia sempre presente na série equilibram a tensão. Aliás, ainda não entendi o porquê do rótulo de “mais sombrio”. É evidente o suspense e o terror criado nas cenas em que Voldemort aparece para Harry em sonhos e visões e na batalha final, mas o humor é muito bem utilizado para amenizar o clima, inclusive em uma das personagens mais tiranas, a alta-inquisidora Umbridge, o que justifica a classificação livre para a produção, diferentemente de “O Cálice de Fogo”, restrito a maiores de 10 anos.

Pela primeira vez nas mãos de David Yates, “A Ordem da Fênix” foi responsável por introduzir personagens novos e muito importantes para o desfecho da saga do bruxinho. O diretor, com a ajuda das intérpretes, criou três personagens femininos melhor do que os fãs poderiam imaginar. São elas Luna Lovegood, Belatrix Lestrange e Dolores Umbridge. A jovem Evanna Lynch, pottermaníaca, venceu milhares de jovens em testes e conferiu doçura à avoada Luna. Helena Bonham Carter parece ter saído direto de um filme de Tim Burton (seu marido) e, apesar do pouco tempo em cena, faz de Belatrix uma louca odiável. Essa referência ao universo de Burton desperta mais uma vez a questão de como seria um Harry Potter conduzido pelo diretor de “A Noiva Cadáver” e “Os Fantasmas Se Divertem”. A melhor das três é, sem dúvidas, Imelda Staunton. Confesso que após assistir a “O Segredo de Vera Drake” não pude imaginar como a gentil intérprete de Vera Drake daria vida à severa Professora Umbridge, mas Staunton não decepcionou. Ela criou uma afetada e cínica Dolores que irrita até os mais indiferentes à projeção. Não seria exagero conferir à atriz uma indicação aos maiores prêmios da indústria cinematográfica.

Outros personagens que fazem sucesso com os fãs e foram introduzidos na película, porém sem muito tempo para seu desenvolvimento, foram a auror Nynphadora Tonks e o elfo-doméstico Monstro. Os nomes já conhecidos e as atuações já celebradas de Alan Rickman (Severo Snape), Maggie Smith (Minerva McGonagall), Emma Thompson (Sibila Trelawney), Gary Oldman (Sirius Black em sua melhor forma) e Michael Gambon (Alvo Dumbledore na melhor interpretação de Gambon para o papel) também estão presentes. Do trio principal, o roteiro não exigiu muito de Grint e Watson, que mantém entre seus personagens um clima de brincadeiras que oscila entre romance e amizade. Radcliffe, por sua vez, evoluiu muito de seu último e insatisfatório desempenho em “O Cálice de Fogo” e segurou as pontas das confusões hormonais enfrentadas por Harry.

“A Ordem da Fênix” enche os olhos do espectador com os belíssimos efeitos visuais que vão dos mais simples e tradicionais que servem para incorporar a atmosfera de magia ao cotidiano da escola e aos arrasadores feitiços lançados na batalha final do Ministério. Bonito de ver ainda são as seqüências que se passam no ar. Quando resgatado pela Ordem, Harry e os outros sobrevoam uma Londres noturna toda iluminada. As criaturas mágicas criadas por computação gráfica continuam a não decepcionar. Centauros, dementadores e elfos-domésticos ganharam a companhia de um meio-gigante e trestálios.

Suspense na medida certa compondo com a trilha sonora marcante, Yates construiu um filme que garante ao espectador emoções variadas, utilizando o humor como saída em grande parte da projeção, o que lembra muito o trabalho de J.K. Rowling nos livros. Se tivesse saído como anunciado pelo trailer e pela crítica, talvez não tivesse agradado aos fãs mais ardorosos, que reclamaram de “O Cálice de Fogo” ter focado somente no torneio tribruxo e ter esquecido outras tramas. Seria outro trabalho se centrado somente no horror da retomada de Voldemort, sem as emoções mais delicadas presentes nas cenas mais leves e recordações em formas de flashback. O resultado do filme de Yates, apesar das mudanças em relação ao livro devido ao tempo, é das cinco fitas levadas às telonas aquela que mais se aproxima da mensagem de amor e amizade como principais armas contra o mal presentes no texto de Rowling. Piegas? Definitivamente. Mas qual clichê que bem construído não é perdoado?

Em tempo, alguns comentaram da importância da obra de Rowling para a literatura inglesa. Além das mudanças operadas nos personagens com o passar do tempo, ela soube incorporar elementos sérios como uma ditadura reacionária que domina a imprensa, interfere na educação e censura qualquer manifestação contrária. O diretor aproveitou o conteúdo presente no texto e fez referências claras ao clássico “Cidadão Kane” de Orson Welles.

Igor Vieira
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