Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Chicago

Quando “Moulin Rouge” chegou aos cinemas, parecia que os musicais ganhariam uma nova era de ouro. Com “Chicago”, as suspeitas se confirmaram. Entretanto, ainda hoje, ainda há de ser feito um musical como este. Canções contagiantes, humor afiado e elenco talentoso são os pontos fortes desta produção.

Desde “Moulin Rouge”, os musicais ameaçaram um retorno aos seus tempos áureos. Após as suas oito indicações ao Oscar e apenas dois prêmios em categorias técnicas, ficou a sensação de quase lá. “Chicago” chegou conquistando público e crítica e faturando seis estatuetas, incluindo melhor filme. Baseado em uma montagem homônima da Broadway, o projeto deu a Rob Marshall o desafio de trabalhar com atores como Renée Zellweger e Richard Gere, nomes sem nenhuma experiência no canto e na dança.

Roxie Hart (Zellweger) é ex-corista e aspirante à vedete que sonha com a fama. Vivendo em um casamento infeliz, ela procura nos homens um meio de satisfazer seus desejos. Quando o amante resolve deixá-la após promessas vãs de fazê-la uma grande artista, Roxie acaba perdendo a cabeça e disparando dois tiros contra ele. Na prisão, ela conhece a famosa Velma Kelly (Catherine Zeta-Jones), que serve como fonte de inspiração para a criminosa e está presa há um mês pelo assassinato da irmã e do marido. As duas são clientes de um advogado famoso por não perder nenhum caso, especialmente quando seus clientes pertencem ao sexo feminino. Gere dá vida ao cínico, porém experiente Billy Fynn, capaz de conquistar a opinião pública e o júri ao seu favor.

Brigando pela atenção de Billy e, por conseqüência, por sua inocência, Velma e Roxie vão mostrar-se capazes de qualquer coisa para manter a fama e o sucesso em um meio onde ter talento é o que menos importa. É com essa história que “Chicago” funciona como uma crítica à justiça e à sociedade como um todo, onde a celebridade das estrelas é falsa e elas só permanecem no topo até que se ache alguém mais novo e interessante. Basta fazer de tudo um grande show ou espetáculo para triunfar, até mesmo contra a lei e principalmente com a ajuda da mídia, ávida por brilho e glamour. Quem não possui essas qualidades está fadado ao fracasso. Tome como exemplo a húngara que, mesmo inocente, se torna a primeira mulher a ser condenada à forca no presídio da cidade.

O filme começa com um close no olho de Renée Zellweger, insinuando que veremos a partir daí um mundo sob a ótica de Roxie Hart, onde tudo é música e passível de ser encenado em um palco. Aqui já encontramos uma forma de desarmar aqueles que não são muito fãs do gênero e reclamam do fato de que um simples bom dia vira uma tola e débil canção. “Chicago” justifica os números musicais como devaneios da protagonista que observa sua própria vida tal qual uma apresentação no vaudeville. Para reforçar isso, os diálogos sem música são intercalados com as coreografias do próprio Marshall, que já trabalhava na TV e assumiu este como seu primeiro longa-metragem para o cinema.

Esse pingue-pongue entre diálogo e som não seria possível sem um grande trabalho de montagem, realizado aqui por Martin Walsh de “V de Vingança” e “O Diário de Bridget Jones”. Outra diferença para produções do tipo é que as canções servem com fio condutor da trama. Ao invés de funcionar como válvula de escape para a tensão ou simples forma de entretenimento, é nelas que a ação principal ocorre. Trunfos do roteiro de Bill Condon, responsável por levar mais tarde aos cinemas outra peça da Broadway, “Dreamgirls”. Walsh e Condon trabalharam juntos e resolveram bem as elipses de tempo acontecendo sempre após o fim de um canto.

A maior vantagem do roteiro é, no entanto, tratar o público da maneira que ele merece. Pressupondo de sua inteligência, “Chicago” economiza tempo explicando em palavras detalhes que são percebidos juntando elementos em cena e menções anteriores. O resultado são 114 minutos sem embromação, indo direto ao ponto. Sem mencionar a genialidade das falas carregadas de ironias e sarcasmo. Impossível não rir em cenas como o tango das assassinas e o reggae da coletiva de imprensa.

Para a grandiosidade do projeto, o diretor contou com o talento e a experiência de Catherine Zeta-Jones, Queen Latifah (como a carcereira Mama Morton) e do elenco de apoio formado por cantoras, atrizes e bailarinas. Além disso, Marshall obteve o esforço de Renée Zellweger para cantar e dançar. Mesmo com tamanha força feminina, o elenco masculino não fica atrás. Richard Gere e John C. Reilly (interpretando o marido de Roxie, Amor Hart) também garantem o cinismo e a passividade respectivamente necessárias à construção de seus personagens. Além do prêmio de melhor elenco concebido pelo SAG (o sindicato dos atores), todos, com exceção de Gere, receberam uma indicação ao Oscar pelos seus desempenhos. Zeta-Jones teve mais sorte e competência para levar o homenzinho dourado pra casa. Também pudera. A força de sua atuação pode ser sentida nos números que protagoniza.

Sem descuidar dos mínimos detalhes (repare no lenço branco da húngara no tango das assassinas como metáfora à sua inocência e no teatro vazio quando da apresentação de Reilly como Mr. Celofane.), Rob Marshall faz de seu “Chicago” um espetáculo contagiante. Impossível não deixar a sala de projeção ou desligar a TV sem ensaiar uns passinhos de dança.

Igor Vieira
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