Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 01 de julho de 2007

Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado

Após um fraquíssimo primeiro filme, o supergrupo mais familiar dos quadrinhos finalmente se redime – graças a uma grande ajuda do Surfista Prateado. Contendo ação e humor na dose certa, “Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado” tem seus vários defeitos, mas consegue divertir seu público.

Cerca de dois anos atrás, o Quarteto Fantástico ganhou sua segunda versão para o cinema, que tentaria resgatar a equipe da enrascada que foi a fita, produzida por Roger Corman, protagonizada pelo grupo no início dos anos 90. Contando com um elenco quase todo composto de atores inexpressivos, sem química e uma história fraca, o filme imediatamente desagradou boa parte da legião de fãs dos personagens criado por Stan Lee e Jack Kirby. Porém, a película fez sucesso e gerou esta continuação muito superior, apesar de possuir seus problemas. O roteiro de Don Payne e Mark Frost teve como base tanto a versão clássica do Quarteto, quanto a versão no Universo Ultimate (reinvenções dos heróis clássicos para os tempos atuais) e explora uma saga daquelas que deixam qualquer leitor de HQs arrepiado – a vinda do Surfista Prateado e de Galactus (deste último, não falarei muito para não estragar surpresas). Assim, o filme possui um caráter de maior responsabilidade, pois de seu sucesso junto ao público depende o futuro nos cinemas não só do Quarteto, mas também daquele que é uma das figuras mais icônicas do Universo Marvel, o Surfista Prateado.

A história começa alguns meses após o final do primeiro filme. O Quarteto Fantástico está consolidado como o maior grupo de heróis do mundo, o que transforma seus membros em grandes celebridades. O líder da equipe, Dr. Reed Richards, e sua companheira de equipe Susan Storm vão, finalmente, se casar, com a cerimônia sendo de grande interesse da mídia. A vida também não vai mal para seus outros dois colegas, com Johnny curtindo sua fama e Ben aproveitando para passar algum tempo com sua namorada, Alicia. Tudo parecia correr bem, até que um misterioso ser prateado chega à Terra e começa a causar tumultos climáticos e criar crateras ao redor do mundo. Chamados para resolver a situação, o time se alia (relutantemente) ao Exército americano, liderado por um antigo desafeto de Reed, o General Hager. Por falar em desafetos do Dr. Richards, quem retorna para este novo filme é Victor Von Doom, popularmente conhecido como Dr. Destino, extremamente curioso em relação ao alien platinado e louco para se vingar do Quarteto.

Existem muitas virtudes no filme. Personagens bem caracterizados (com direito a frases saídas diretamente das HQs), piadinhas bacanas (em sua maioria) e o trágico Surfista Prateado com sua história de dor e sacrifício. Como nem tudo são flores, o longa ainda tem seus – vários – problemas. Alguns exemplos são certas atuações desastrosas, uma seqüência de batalha fotografada de maneira terrível e a ínfima participação de Galactus. Porém, ao contrário do longa anterior, não há nada aqui que embarace os fãs de quadrinhos ou o público em geral mas, para quem já conhece a saga dos quadrinhos, vai ficar aquele gostinho de que ficou faltando algo, já que a curtíssima fita, de 91 minutos, sofreu grandes e perceptíveis cortes (que provavelmente estarão na versão estendida da produção, tal como no filme anterior).

Em seus aspectos técnicos, o filme está muito bem. Tim Story, diretor do primeiro filme, desta vez soube contar uma estória dirigindo-a de maneira mais coesa. Ele fez o bom e velho arroz-com-feijão, mas só isto é mais que apropriado para uma aventura de matine, que é justamente a proposta da produção. O diretor de fotografia Larry Blanford realiza um trabalho competente na maior parte da película, mas escorrega feio numa luta que ocorre nos céus da eurásia, dando um tom excessivamente escuro a esta, dificultando o entendimento do que está acontecendo e diminuindo o impacto dos efeitos especiais (que, a exceção dos poderes elásticos do Sr. Fantástico, estão ótimos). Falando nestes, palmas para a companhia WETA em sua concepção perfeita do Surfista Prateado. Já a edição da fita, feita pelo trio Peter S. Elliot, William Hoy e Michael McCusker, tem o nível certo de ritmo, considerando o fato de que os produtores devem-lhes ter colocada a faca no pescoço para fazer o filme o mais curto possível. Apesar da trilha sonora estar OK, algo neste departamento fez falta na produção – um tema a ser facilmente associável aos personagens, algo que ocorreu no filme anterior da série e que persistiu neste segundo filme, mesmo com a entrada do compositor John Ottman, já experiente em adaptações de HQs para o cinema.

Já em relação às interpretações, a coisa muda um pouco de figura. Ioan Gruffudd ainda não conseguiu fazer que Reed aparente ser o sujeito mais inteligente do mundo, mas se sai relativamente bem como líder de campo do Quarteto. Quanto à Jéssica Alba, sua Susan Storm tem um papel de destaque e é muito bem executado. Porém, ainda parece que a atriz só está no filme pelo seu estonteante corpo (não que eu esteja reclamando disso). Chris Evans dá a seu Johnny Storm vitalidade, expressão, bom humor e muita ânsia por mulheres lindas, todos os elementos necessário no Tocha Humana. Micheal Chiklis, como o alaranjado Ben Grimm, lidou muito bem com seu personagem, dando maior profundidade ao Coisa. Sua química com Chris Evans é (com o perdão do trocadilho) fantástica, resultando em ótimas cenas entre seus personagens. O Surfista Prateado, grande destaque do filme, está simplesmente irretocável. Interpretado fisicamente por Doug Jones (“O Labirinto do Fauno”) através da mesma tecnologia que criou Gollum na trilogia “O Senhor dos Anéis”, o Surfista ganha uma movimentação calma e perfeitamente condizente com o seu nível quase divino de poder. Este ganha ainda mais respeito graças a voz calma e melancólica voz de Laurence Fishburne, totalmente coerente com a triste origem do andarilho espacial. Já os outros atores do elenco não se seam nada bem em seus papeis. Kerry Washington não convence como Alicia Masters. O fato dela ser afro-americana (ao contrário de sua versão no Universo Marvel) em nada interfere com esta constatação. O fato é que ela simplesmente não convence como cega, conseguindo se sair muito pior que Ben Affleck em “Demolidor – O Homem Sem Medo”. Enquanto o roteiro tratou de tirar Von Doom daquele escritório e da posição de presidente de uma empresa (no melhor estilo Lex Luthor), aqui temos o verdadeiro Dr. Destino, um homem que inveja seu maior inimigo e se acha mais esperto que todos. Porém, o que não ajudou o personagem foi a interpretação pra lá de exagerada de Julian McMahon, que apesar de seu ótimo trabalho na série “Nip/Tuck”, não vem repetindo esse desempenho no cinema. Já o restante do elenco tem participações muito pequenas. Andre Braugher, como o General Hager, só aparece para irritar os protagonistas, enquanto a Beau Garret, interpretando a personagem Frankie Raye, não faz muita coisa além de servir de um potencial interesse romântico para Johnny.

Leve e divertido, “Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado” consegue, finalmente, presentear a “Primeira-Família” do Universo Marvel com um filme digno de nota e já deixa engatilhado o lançamento de uma franquia que, se devidamente aproveitada, tem tudo para ser um marco nas adaptações de HQs e no mundo da ficção científica.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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