Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 02 de agosto de 2007

Duro De Matar

"Duro de Matar" não só possui cenas de ação de tirar o fôlego como dosa bem o humor e o suspense. Com um personagem principal de perfil interessante, o filme fez uma verdadeira revolução no gênero "filmes catástrofes". Adrenalina proporcionada poucas vezes de maneira semelhante pelo cinema.

Anos 80. Durante essa década, muitos atores despontavam nos cinemas fazendo filmes de ação, bem ao estilo “exércitos de um homem só”. Foi assim com Arnold Schwarzenegger, Van Damme, dentre outros. Mas, quem apostaria que um ator do seriado de comédia “A Gata e o Rato” emplacaria como um ícone do gênero? “Duro de Matar” foi o estopim para o sucesso de Bruce Willis, que se tornou um astro daí em diante. E bem mais do que isso, o filme deu início a uma série de outros do gênero, mostrando que nem sempre roteiro complexo com reviravoltas ou lições de moral são essenciais para se fazer um filme arrasa quarteirão divertido. Essa é a grande moral de “Duro de Matar”: conseguir criar situações tão eletrizantes, em um único ambiente, sem necessitar de maiores voltas na trama.

Vamos ao que interessa: John McClane (Bruce Willis) é um detetive de Nova York que está indo a Los Angeles para se encontrar com sua esposa (Bonnie Bedelia), que trabalha em uma empresa japonesa. Porém, ao chegar no prédio onde ela trabalha, percebe que o edifício está sendo assaltado por um bando de terroristas, liderado pelo impetuoso Hans Gruber (Alan Rickman) e decide atrapalhar seus planos para resgatar sua mulher.

Vemos que a história não tem nada de original, sendo apenas um pano de fundo para as cenas de ação que o mocinho viria a protagonizar. Essa é a intenção do filme desde o início. Mas este não é um filme policial (apesar de o personagem principal ser um tira, isso não é levado em conta a fundo pelo roteiro), e sim, um filme de ação ao pé da letra, com o intuito de entreter o espectador com cenas espetaculares, tirando-lhes o fôlego. Hoje, vemos esses tipos de filmes aos montes, mas foi “Duro de Matar” quem deu o pontapé, pois ação descerebrada com diversão em primeiro plano, antes era privilégio dos orientais (e olhem lá, pois eles sempre gostam de brincar com suas filosofias, folclores nas cenas de ação). Scwarzenegger na época já divertia com suas peripécias em “Comando Para Matar”, “O Exterminador do Futuro”, Stallone com "Rambo", entre outros, mas claramente eram filmes irreais, com personagens que só o cinema pode criar. Em 1988, “Duro de Matar” chocou, impressionou, revolucionou. Por méritos, pois é de fato um dos thrillers mais explosivos da história do cinema, trazendo personagens comuns e situações do cotidiano.

Qual o primeiro ingrediente para se fazer um filme de ação? Um herói. E “Duro de Matar” segue esse manual ao pé da letra. Do começo ao fim, a trama gira em torno do policial “de férias” John McClane e ele é o típico personagem durão, capaz de destruir um exército inteiro. Entretanto, por incrível que pareça, o personagem de Willis prima por fugir dos clichês e soar o mais humano possível, de modo que qualquer um de nós poderia conhecer um McClane. Começando pelo perfil de Willis: ele não é musculoso como os tradicionais atores do estilo e até sua calvície dá um tom especial ao personagem. Logo no início, o vemos com medo de voar. Qual herói de ação tem medo de estar em um avião? Ele, estando sozinho no meio da ação no prédio, não pára um segundo de resmungar consigo mesmo em tom de desespero, mas, na hora de enfrentar o perigo, ele mostra um humor irônico ímpar, além de um ar de superioridade invejável, juntamente com uma inteligência aguçada em termos de noção de combate. Reparem dois momentos especiais: quando ele se enrola em uma mangueira para saltar do prédio e fala “Oh meu Deus, por favor, não me deixe morrer”, e quando ele se encontra pela primeira vez, cara a cara, com o vilão Hans Gruber, mostrando extrema frieza. São situações díspares que mostram a complexidade do personagem. Willis consegue moldá-lo de maneira admirável, pois ele mantém a garra em situações de extremo perigo, alternando com o humor e a insegurança.

As cenas de ação são realmente impressionantes, de modo que o diretor John McTiernan mantém a adrenalina a mil, mantendo o espectador ligado até o último segundo. É difícil imaginar um filme de ação se desenrolar em um único ambiente – um prédio -, principalmente pelo fato de o protagonista agir o tempo todo escondido de todos os mafiosos. Mas o diretor se sobressai, utilizando todas as possibilidades existentes no prédio para se fazer ação: todos os 40 andares, a cobertura, os cabos dos elevadores, os encanamentos, etc. Acompanhamos cada passo de McClane, acreditando mesmo ser capaz de se esconder e, sozinho, salvar os reféns e derrotar os mafiosos. Tudo bem, ainda é inaceitável que um prédio de tamanha estrutura e armazenando tanta grana não tenha um segurança armado, mas muitas são as cenas de ação bem dirigidas, principalmente o já citado pulo do prédio enrolado na mangueira, e sua briga com o capanga braço direito do chefão da quadrilha. Sem falar que a comunicação a distância entre McClane e os bandidos (que sequer sabem do rosto do tal homem que ameaça o sucesso de sua missão) deixa o clima tenso sempre pairando no ar. São tantos tiros, explosões, que por incrível que pareça, os 127 minutos passam rapidamente e não soam cansativos, pois, apesar de a ação ser contínua, nunca chega a ser repetitiva.

Como disse o personagem de Samuel L. Jackson anos depois em “Corpo Fechado” (coincidentemente, também estrelado por Willis): “Não existe um grande herói se por trás dele não existe um grande vilão”. E essa lei se aplica muito bem em “Duro de Matar”. O terrorista alemão Hans Gruber, vivido pelo então iniciante Alan Rickman (desde já víamos o quão talentoso ele era), é um personagem muito bem escrito e vivido de maneira, propositalmente, fria e calculista por Rickman. Diferente da maioria dos vilões ficcionais, ele não pára para negociar, metendo logo a bala na cabeça do primeiro que quiser bloquear seu plano (mesmo que a vítima seja o próprio dono do prédio e o único a saber o código do cofre onde está contido o dinheiro desejado). Gruber é quase um Coringa do mundo real, simbolizando bem o que um homem inteligente, mal intencionado, é capaz de fazer quando está no poder. Sua comunicação com McClane é dinâmica, mantendo um verdadeiro duelo de egos e inteligência, que tende a explodir no clímax. O primeiro encontro entre eles é um duelo e tanto de interpretação, pois exige ao máximo a versatilidade de ambos os personagens.

Impressionante como se passaram quase vinte anos que o filme fora feito, mas visto hoje, ainda transmite a mesma adrenalina, parecendo ser novo. Não é à toa que revolucionou o cinema de ação, criando uma diversão descerebrada, porém, completamente enraizada no mundo real. Se não fosse “Duro de Matar”, provavelmente não veríamos filmes atuais como a franquia “Missão Impossível” ou a série de TV “24 Horas”. Difícil misturar tanta catástrofe, com humor e suspense, sem necessitar de maiores complexidades de roteiro. Exatamente por isso “Duro de Matar” é um dos melhores filmes de ação despretensioso já feito até hoje.

Thiago Sampaio
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