Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 02 de agosto de 2007

Soldado Anônimo

“Soldado Anônimo” não é um filme de guerra. Ele se atualiza no gênero. Dessa vez não se trata do que o combatente irá fazer, mas suas angústias momentâneas.

Baseado na obra autobiográfica de Anthony Swofford (aqui interpretado por Jake Gyllenhaal, de “Donnie Darko”), “Soldado Anônimo” conta como ele foi parar na guerra do Golfo Pérsico (contra as forças de Saddam Hussein) como fuzileiro naval e o que nela fez. Ao contrário do que possa parecer, a narrativa de Swoff não mostra o que estamos acostumados a ver em histórias de guerra: mega explosões, missões estratégicas, tiroteio, muitas mortes, carnificina e etc. As histórias dessa vez são baseadas nos pensamentos do combatente mediante ao tédio de não fazer o que pensava que iria, pois estava no grupo seleto dos batedores (aqueles que vão à frente reconhecendo terreno) e atiradores de elite.

Hoje as guerras são mais de botões do que de artilheiros humanos. Enquanto antes as estratégias eram feitas a partir de tropas a pés, agora basta apertar um quadrado de plástico para a bomba ir de encontro a seu alvo, seja essa saída de bases fixas ou de aviões. Os soldados hiper-treinados entram depois somente para fazer a varredura ou manter ocupadas as regiões conquistadas. Até com o pelotão que geralmente vai à frente de todos – no caso o de Swoff – foi assim. Todos desse grupo queria ter o prazer de colocar suas armas em prática, no entanto, quando chegavam no suposto local de ação, os inimigos já estavam carbonizados por conta do rápido e eficaz ataque aéreo.

Triste pode ficar aquele apaixonado pelos moldes tradicionais do gênero, mas “Soldado Anônimo” aborda muito mais do que a simples ação fatal dos marinas. A película se apega ao dia-a-dia dos soldados na fronteira com o inimigo (que não aparece vivo, diga-se de passagem), a angústia por estarem longe das famílias, namoradas, esposas e o tédio da inatividade.

Uma proposta do filme é fazer o espectador criar o mesmo tédio que estão os soldados. A lentidão com que é levado deixa-nos meio apáticos. Os menos acostumados não gostarão, é fato. Mas é como se nós, tal como os soldados, estivéssemos querendo ver ação (no caso deles, ter). Até a clara iluminação nos tenta dar sensação de calor, como se estivéssemos compartilhando o deserto com aqueles fuzileiros (os combates dessa guerra foram travados, alguns, no deserto do Kuwait).

Observem que o roteiro de William Broyles só fornece uma cena de tensão muito tempo depois do filme ter começado – muito tempo mesmo, em vez das tradicionais viradas de história. Não há ação. Há sempre a tensão da eminência de Swofford e seu companheiro Troy (Peter Sarsgaard, de “Meninos Não Choram”) agirem – ou outros de seus companheiros, em pouquíssimos momentos. Em um dado momento no qual eles (Swoff e Troy) iam colocar em prática seus ensinamentos, o personagem de Dennis Haysbert (David Palmer, do seriado “24 Horas”) impede a dupla de finalmente fazê-lo, ordenando um novo ataque aéreo. O descontrole de Troy perante o seu superior enriquece a trama, nos dando margens para uma análise psicológica dos atiradores.

Um assunto interessante que a fita aborda é sobre a liberdade de expressão. Os americanos sempre colocaram Saddam como aquele que tirou todos os direitos do cidadão iraquiano de expor seus pensamentos. Em uma cena, com o pelotão agrupado, o personagem de Jamie Foxx (ator responsável por ótimos momentos no filme), o Sgt. Siek, diz como esses devem se portar diante das perguntas de uma jornalista que estava na área. Um dos soldados o rebate. Para ele, as ordens de Siek ferem a liberdade de expressão tão defendida pelos americanos. Furiosamente, o Sargento afirma não ser ali um local para expressão – antes, esse mesmo Sargento havia negado o “não matarás” da Bíblia e zombado da literatura que Swoff gostava.

“Soldado Anônimo” é um diferencial do gênero. O projeto de Sam Mendes (diretor de “Beleza Americana”), baseado no argumento de Anthony Swofford (uma autobiografia, como já foi dito), é muito mais um drama do que antes ser um genuíno filme de guerra.

Raphael PH Santos
@phsantos

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