Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 29 de julho de 2007

Luzes do Além

Uma espécie de continuação de “Vozes do Além”, “Luzes do Além” demora a encontrar seu ritmo e apresenta uma quantidade considerável de clichês do gênero, em sua maioria mal empregados. Nem a beleza e o carisma de Katee Sackhoff salvam o filme.

Ao completar nove anos de casado, Abe Dale (Nathan Fillion) parece ter encontrado o verdadeiro significado da felicidade ao lado da esposa Rebecca (Kendall Cross) e do filho Danny (Joshua Ballard). Um incidente inesperado, no entanto, vai mudar a sua vida para sempre. Em um restaurante/lanchonete, um homem, aparentemente sem razões para isso, atira em Rebecca e Danny, tirando-lhes a vida. Abe, então, vai ter que lidar com a injustiça do destino. Três meses após o acontecimento, sem forças para continuar vivendo, decide cometer suicídio.

Infelizmente para ele, a tentativa não passa disso. Uma tentativa. Na sala de emergência de um hospital, ele passa por uma experiência de quase morte, comumente chamada de EQM. Isso acontece quando perdemos os sinais vitais e somos ressuscitados graças aos avanços da medicina. Muitas pessoas que passaram por essa experiência afirmam ter visto uma luz branca, em uma espécie de túnel. No final do túnel, Abe avista sua tão estimada família. De volta à vida, ele enfrentará situações mais difíceis do que antes.

Uma espécie de efeito colateral causado pela EQM o faz manter contato com o mundo dos mortos, sendo capaz de ouvir e ver coisas que só ele consegue através do Fenômeno da Voz Eletrônica (FVE), quando aparelhos de televisão e rádio parecem não-sintonizados. Enxergando uma espécie de aura branca em volta daqueles prestes a morrer, Abe Dale passará a tentar impedir a morte destas pessoas, enquanto terá que lidar com as conseqüências dos seus atos e a investigação sobre os reais motivos da perda de sua esposa e filho.

“Luzes do Além”, uma espécie de continuação de “Vozes do Além”, começa errando logo no início. A produção mais parece um drama sobre o fato de ter que lidar com a morte de pessoas próximas. O argumento, sem dúvidas, funcionaria muito bem como tal. Porém, o diretor Patrick Lussier (de “Drácula 2000” e com experiências na área de edição em filmes do gênero como a série “Pânico” e “Olhos Vermelhos”) teimou em criar um thriller de terror. Ao mesmo tempo, Lussier parece receoso em assustar a platéia. Afora uma profusão de imagens que surgem do nada na tela, inclusive e inexplicavelmente nos letreiros que abrem a projeção trazendo embasamento científico sobre a EQM, pouco é feito nesse sentido.

Aí, encontramos outro deslize da produção. A tentativa de oferecer justificativas à luz da ciência para os fenômenos sobrenaturais, quando o sobrenatural não exige qualquer comprovante racional. O inexplicável casa muito melhor com o religioso, o que Lussier conhece muito bem ou, ao contrário, não teria utilizado deste artifício na segunda metade do longa.

Essas falhas causam certa antipatia junto ao público. Entretanto, se o filme mostrasse a que veio rapidamente, elas seriam atenuadas. No cinema, existe uma regra a ser seguida na construção da estrutura dramática dos roteiros. Nela, o chamado plot point ou ponto de giro (aquele momento em que a pergunta-chave é lançada e, então, precisaremos assistir a película até o fim para respondê-la) deve situar-se no primeiro ato, por volta dos vinte minutos, em alguns casos trinta. O que não acontece com “Luzes do Além”. Só com o dobro disso a história começa a ficar interessante e despertar a curiosidade do espectador para saber o final. Pessoalmente, não sou a favor de regras, mas se vamos navegar em terreno desconhecido, que seja com segurança do que se está fazendo.

O filme não é de todo ruim. O protagonista Abe Dale e sua enfermeira Sherry Clarke (Katee Sackhoff) convencem juntos e formam um casal simpático, apesar de desconhecidos do grande público. O mesmo não se pode dizer de Kendall Cross e do menino Joshua Ballard como a esposa e o filho de Abe. Os dois apresentam rostos comuns, o que não funciona para reforçar a imagem da lembrança deles. Nem a incansável leva de flashbacks em vídeo gravados pela câmera da família ajuda nesse propósito.

A direção de Lussier também apresenta pontos positivos, com algumas tomadas que, apesar de não inovarem, resolvem a demanda do gênero. Sua experiência como editor também ajudou nessa área. A cena em que a imagem de Abe e a do carrasco de sua família se fundem é a melhor coisa do filme e quase compensa os efeitos especiais toscos como na cena do túnel de luz.

Quando parece ter ganhado o ritmo de suspense necessário, a fita volta a parecer um drama, lembrando em alguns momentos “Ghost” e “Titanic”, naquela cena em que a personagem de Kate Winslet depois de morta retorna ao navio. Para completar a falta de bom senso do diretor, após o desfecho e a conclusão da história, ele ainda utiliza uma pequena cena para garantir o fechamento já esperado em produções do gênero. Com muitas falhas, “Luzes do Além” pode até agradar aos apreciadores de alguns sustos causados por imagens jogadas na tela e àqueles que ainda se deixam ter medo de TVs fora de sintonia, popularizadas com “O Chamado”, mas dificilmente os que procuram assistir a um bom suspense sairão da sala de exibição satisfeitos.

Igor Vieira
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