Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 26 de julho de 2007

Camisa de Força

Controlado por um forte teor de morbidez e melancolia, “Camisa de Força” é mais um ótimo filme com a já comum temática da “viagem no tempo”, por assim dizer. Interessante, o longa segue de perto antecessores como “Efeito Borboleta” (o primeiro filme, é claro) e “De Volta Para o Futuro” utilizando um gênero diferente, porém com propósitos semelhantes.

Explorando ao máximo a dramaticidade, “Camisa de Força” é estrelado pelo excelente Adrien Brody, o narigudo conhecido por atuações em “O Pianista” e “King Kong”, e a bela Keira Knightley, conhecida principalmente por suas questionáveis aparições na franquia “Piratas do Caribe”. A história traz a lamentável situação que se encontra Jack Starks (Brody), um veterano de guerra que retorna a sua cidade natal após ter levado um tiro na cabeça durante a Guerra do Golfo. O espectador é apresentado a uma inusitada trama, onde Jack sofre de amnésia devido ao incidente e precisa lidar com uma acusação de assassinato de um policial. Considerado inocente por demência, o rapaz é mandado para um hospital psiquiátrico e é sujeito a um agoniante tratamento no qual drogas são injetadas em seu corpo, utilizando-o como “cobaia” para experimentos e testes monitorados pelo Dr. Thomas Becker (interpretado pelo veterano Kris Kristofferson, de “Planeta dos Macacos”). Além das injeções, Starks ainda é preso em uma camisa de força e trancafiado por horas em uma gaveta de corpos no necrotério do hospital. Lá dentro, ele descobre a incrível capacidade de se projetar ao futuro e, com a ajuda de Jackie (Knightley), desvendar mistérios que o ajudam a entender tudo o que aconteceu em sua vida e ainda consertar alguns pontos da história.

A iniciar pelo roteiro, minha análise é baseada em uma idéia que constantemente acho oportuno citar quando a temática é a chamada “viagem no tempo”. O caro leitor com certeza deve se familiarizar com a expressão “achar sarda para se coçar”. Dessa maneira, a tal frase pode se encaixar muito bem para os filmes que apresentam esta interessante e polêmica temática. Afinal, como não deixar furos ou pequenos erros que podem simplesmente comprometer a história toda contada no filme? É um alto preço a se pagar por essas idéias. De qualquer forma, a capacidade de desenvolver uma idéia de maneira criativa por mais que esta possa ser, em alguns momentos, contraditória, é algo realmente admirável. Massy Tadjedin desenvolve uma interessante história de fatos inusitados e impactantes, fazendo com que o espectador mantenha sempre sua atenção na cena seguinte e não se desinteresse pela trama. Para os mais rigorosos, o “furo” fica por conta da idéia de que, se Jack Starks consegue consertar a sua realidade em 1992 e formar uma nova no final do filme em 2007, como ele seria capaz de se projetar para a antiga realidade de 2007 descrita no decorrer da trama se ela, teoricamente, não existe? Um tanto quanto confuso e estranho, mas nada que 102 minutos de mistério e inteligência não solucionem a questão ou ao menos deixem-na em segundo plano perante a qualidade do roteiro. Um excelente trabalho de Tadjedin, que mescla ótimos elementos de suspense, diálogos consistentes entre o casal protagonista e ainda uma série de reviravoltas mirabolantes.

A direção de John Maybury é realmente admirável. O cineasta utiliza um ótimo jogo de planos que conduz a narrativa de maneira limpa e ressaltando cada ação dos atores. O ambiente mórbido e melancólico descrito como proposta do filme é realmente um dos pontos altos de sua direção. Afinal, o que se esperar de uma trama onde um homem é dopado e jogado em uma gaveta de necrotério? Um ambiente alegre e cheio de vida que não poderia ser, certo? Pois é totalmente o oposto que o diretor consegue trazer ao longa. O controle perante ao elenco também é um aspecto digno de elogios e observações respeitosas, mas jamais podemos deixar de considerar que o rapaz tinha em mãos nada menos do que Adrien Brody como protagonista e ainda Daniel Craig como coadjuvante. No entanto, a opinião quanto as atuações ficam para depois. Finalizando o comentário, digo novamente que a direção de Maybury é realmente destacável, chamando a atenção em diversos detalhes. Por exemplo, repare como o cineasta utiliza os planos para reforçar suas intenções e as atuações dos atores, como na cena em que Jack Starks reencontra seu antigo doutor em 2007. Um excelente trabalho respeitável e merecedor de destaque.

Agora sim vamos nos concentrar no elenco. Deixo aqui registrado que sou um grande admirador das atuações de Adrien Brody. Um excelente ator que sabe perfeitamente como incorporar suas personagens. Ele mergulha em um mar de melancolia, agonia e sofrimento que dificilmente é possível imaginar outro ator em tal personagem. Suas expressões e trejeitos adotados para transmitir ao espectador os sentimentos de Jack Starks são impressionantes. Sua companheira Keira Knightley é uma verdadeira incógnita. Sinceramente, não é de hoje que não sou fã das atuações da atriz. Acho sim que ela pode vir a ser boa no futuro, mas não consigo hoje ver com bons olhos suas interpretações. No entanto, neste filme, talvez Keira estivesse um tanto quanto inspirada ou bem por dentro de sua personagem, pois surpreendentemente, sua atuação me agradou. Sabendo como transmitir a personalidade revoltada e transtornada de sua personagem Jackie, a atriz consegue se sair bem e pega embalo na qualidade do filme, fazendo com que seu trabalho ganhasse um certo destaque e chamasse a atenção. Nada que se compare a atuação de Brody, mas com certeza, muito melhor que suas outras interpretações. Quem sabe este não seja um de muitos outros bons trabalhos que ainda estão por vir? Além de Brody, não poderia deixar de citar outra atuação de destaque: o novo James Bond Daniel Craig, que dispensa comentários no papel de Mackenzie, amigo de Jack Starks no hospital psiquiátrico. O ator mostra mais uma vez o motivo para tantos elogios feitos recentemente e a razão para tamanho reconhecimento de seu trabalho. O elenco traz Jennifer Jason Leigh e Kris Kristofferson, que desempenham bem seus papéis e servem como suporte para a personagem central da trama.

Em geral, “Camisa de Força” agrada pelo inteligente e surpreendente desenvolvimento da história. Definitivamente, o filme trata de uma maneira criativa e inovadora a idéia de que um simples ato, por mais irrelevante que possa parecer, é capaz de alterar diversas vidas. É meio que inevitável dizer que o filme pode não agradar a todos, até mesmo porque é o tipo de produção que requer um pouco de atenção do espectador e talvez não chame tanto a atenção para os mais impacientes. No entanto, é recomendável pelo simples fato de mexer com a mente do público mais interessado e também pela sua qualidade incontestável na parte técnica.

Ícaro Ripari
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