"Piratas do Caribe: No Fim do Mundo" é decepcionante para os fãs da série, mas ainda consegue divertir e emocionar. Jack Sparrow retorna da morte com tudo e o casal Will Turner e Elizabeth Swann carregam de romance a terceira parte da trilogia pirata.
Existe uma certa magia em finais de saga. Todos se emocionaram com o final de “O Retorno do Rei” na trilogia “O Senhor dos Anéis” e torceram por Neo ao final de “Matrix”. Até a segunda trilogia de Star Wars levou fãs desesperados aos cinemas só para ouvir e sentir a primeira respirada de Anakin Skywalker como o vilão Darth Vader. O final é sempre mágico, mesmo que o caminho para se chegar até ali não tenha sido dos melhores.
“Piratas do Caribe: No fim do Mundo” é o terceiro filme de uma trilogia de sucessos. Em 2003 conhecemos Elizabeth Swann (Keira Knightley, de “Simplesmente Amor”), Jack Sparrow (Johnny Depp, de “Em Busca da Terra do Nunca”) e Will Turner (Orlando Bloom, de “Tróia”), o trio de personagens que nos trazem até “o fim do mundo”. Elizabeth, até então, era uma donzela em perigo, esperando para que seu amado a resgatasse. Will era um jovem determinado, mas sem muita certeza de seu papel na história. Jack era o pirata carismático, perigoso ao mesmo tempo em que demonstrava confiança.
Não foi difícil notar que, muito embora Jack Sparrow fosse o coadjuvante de “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”, o talento de Johnny Depp no papel do pirata ofuscou qualquer outro personagem que dividisse cena com ele. Ele sim se tornou a sensação do filme. Inclusive para o próprio Depp, que se empolgou tanto com o jeito afetado e atrapalhado que criou para Sparrow que está disposto a voltar para pelo menos mais três filmes em uma possível nova trilogia. A disposição de Depp, astro, o sucesso de “A Maldição do Pérola Negra” e a ambição dos estúdios Disney se uniram para criar não apenas uma seqüência para o filme baseado em uma famosa atração dos parques da Disney, mas duas de uma vez, a serem lançadas com um ano de diferença. Estavam criados “Piratas do Caribe: O Baú da Morte” e “Piratas do Caribe: No Fim do Mundo”.
Três anos separam o lançamento de “A Maldição do Pérola Negra” e de “O Baú da Morte”, e, muito embora os dois enredos não sejam muito distantes um do outro, muita coisa mudou. Will sabe bem que lado quer seguir e não hesita em suas ações. Elizabeth não chega nem perto de uma dama em perigo, e parte logo para a ação ao lado de Jack. Jack se tornou o merecedor protagonista. Agora são suas ações que movem o roteiro. Ele quer o coração de Davy Jones (Bill Nighy, de “Simplesmente Amor”), com quem fez um acordo e ainda não cumpriu. Para ser o capitão de seu amado Pérola Negra, Jack vendeu sua vida para servir 100 anos ao Holandês Voador, navio de Jones. O poder do coração de Jones garante o domínio sobre o navio e, conseqüentemente, sobre o oceano.
Em “O Baú da Morte” Jack consegue, com a ajuda de Will e de Elizabeth, recuperar não apenas o baú que guarda o coração de Davy Jones, mas também a chave que o tranca. Infelizmente James Norrington (Jack Davenport, de “O Libertino”), o comodoro noivo de Elizabeth em “A Maldição do Pérola Negra” entrega o coração ao inimigo de todos os piratas, Lorde Cutler Beckett (Tom Hollander, de “Orgulho e Preconceito”).
“Piratas do Caribe: No Fim do Mundo” retoma a história. Elizabeth deixou Jack para morrer e pagar sua dívida com Davy Jones, Will desconfia da paixão de Elizabeth por ele, e Barbossa (Geoffrey Rush, de “Munique”) aparece para ajudar o grupo a resgatar Jack de seu cruel destino. Com uma história tão sombria não é à toa que o início desse novo longa-metragem siga uma linha um tanto macabra. A música intensa sempre acompanhou “Piratas do Caribe” e é impossível não sentir o coração bater mais forte com o tema principal da saga de Jack, perfeito para um filme de piratas. O primeiro filme apresentou a divertida “Yo Ho (A Pirate’s Life for Me)”, esse apresenta uma música muito mais dramática.
Enquanto vários cidadãos de Port Royal sobem para serem executados por envolvimento com pirataria, uma criança está entre os criminosos. O menino precisa de um barril para alcançar a forca e canta, com o coro dos outros personagens, uma música pedindo ajuda. Os piratas de todos os cantos do mundo escutam o chamado, que compromete a pirataria de toda a terra. Barbossa, como um dos nove lordes piratas existentes, sabe que é preciso uma reunião de todos os nove para colocar um fim na perseguição de Davy Jones ao lado de Lorde Beckett. O resgate de Jack também não é apenas uma necessidade emocional dos tripulantes do Pérola e motivo de culpa de Elizabeth. É uma questão de logística, pois ele também é um membro do conselho.
Está montado o cenário para a nova aventura. Jack precisa ser salvo, a pirataria precisa ser salva e o relacionamento de Will e Elizabeth enfrenta graves problemas. É difícil direcionar o enredo para apenas uma solução e, pelo jeito, foi difícil também para os roteiristas, Ted Elliott e Terry Rossio, e provavelmente também não foi fácil para o diretor Gore Verbinski. Informação demais? Com certeza.
O dilema de vários finais de trilogia é cumprir o que foi prometido nas duas outras partes anteriores. Foi assim com “Matrix”, foi assim com “Star Wars” e foi assim com o recente “Homem-Aranha”, não seria diferente com “Piratas do Caribe”. O sucesso e a boa história tanto de primeiro quanto do segundo filme dessa trilogia não são nada fáceis de carregar. O que era tão bom em “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”? A história, para começar, era muito boa. Trazia todos os elementos que gostaríamos de ver em um filme sobre piratas e trazia personagens muito interessantes capazes de conquistar qualquer espectador, por mais sem escrúpulos que fossem. Tinha o elemento romance, tinha cenas incríveis de ação e tinha comédia. A comédia bem feita sempre foi um fator determinante. Eram as frases geniais e sem sentido de Jack Sparrow que faziam de seu personagem especial. Era um filme simples e genial.
“Piratas do Caribe: O Baú da Morte” perdeu levemente esse toque, mas compensou pelos novos personagens, pelas cenas de ação com lutas coreografadas magistralmente e pela criação de novos cenários e conflitos. O problema é que tudo ficou para ser resolvido em uma terceira parte. E é muita coisa. Muita coisa mesmo. Como se não bastasse o enredo complicado, com o aparecimento de novos personagens, o humor se perdeu. O que resta são algumas piadas fáceis com Jack, o macaco, e o ‘Jack Pirata’. A idéia estúpida de criar vários Jacks como forma de alucinação do original não funcionou.
O romance ganhou maior destaque. Elizabeth e Will deixaram de ser jovens apaixonados amigos de Jack para se tornarem protagonistas de um drama romântico estilo novela brasileira. A crise do relacionamento é responsável pelas mais irritantes e melosas reviravoltas no enredo.
A ambição do estúdio também não ajuda. Ficou claro que um quarto “Piratas do Caribe” está a caminho e, depois desse, a garantia de sucesso não existe. “Piratas do Caribe: No Fim do Mundo” é decepcionante. Não faz jus ao que começou e não termina com dignidade. É divertido? Sim. Novamente há um banho de efeitos visuais; é bom ver Jack Sparrow novamente, Orlando Bloom exibe um charme irresistível, Keira Knightley possui o talento, a força e a beleza para fazer de Elizabeth a atração do filme. Mas, como fã da série, é impossível não sair do cinema com uma pontinha de decepção.
O que pode levar os fãs a gostarem desse final é a coragem de mudar. O novo filme é, realmente, bem diferente do começo encontrado em “Pérola Negra”. É também uma trágica mudança antecipada por “O Baú da Morte”, mas, por ser diferente, mostra a evolução de uma história que nunca deixou de ser uma aventura pirata. Gore Verbinski ainda consegue envolver e surpreender; consegue levar seu filme com grandes momentos e emoções até o fim. Johnny Depp, mesmo com todas as mudanças em Jack, afirma o que sempre ficou claro: sua personalidade dá alma e movimento ao longa-metragem.
Davy Jones, competindo com Barbossa e, nem precisa dizer, Jack Sparrow, se tornou um dos personagens mais carismáticos da seqüência. Mesmo como um vilão cruel (repetindo o feito de Geoffrey Rush), com um rosto coberto de tentáculos, Bill Nighy cativou a platéia. Jones tem sua história mais aprofundada, como era de se esperar, e mesmo o mais desalmado dos espectadores deve se emocionar com os motivos pelos quais o personagem trancou e escondeu seu coração.
A tão esperada e polêmica aparição do guitarrista do Rolling Stones, Keith Richards, não decepciona. É uma das partes mais divertidas de todo o filme e merece uma extensão em “Piratas do Caribe 4”. Mesmo pequena a participação é significativa.
O que mais atrai nesse final é a resolução do que foi proposto em “O Baú da Morte”. Não há do que reclamar, mesmo com um gancho para um novo filme, “Piratas do Caribe: No Fim do Mundo” termina o que começou. Não se esqueça de esperar pela cena ao final dos créditos. O filme é indispensável para a série. Quem assistiu aos dois primeiros filmes não pode perder esse, mas, não garanto satisfação total.