Ação, aventura, romance, bons diálogos e humanidade. Essa terceira aventura cinematográfica do herói aracnídeo pega todas as qualidades dos primeiros filmes e as eleva a enésima potência!
O que acontece quando uma boa pessoa se vê diante de uma situação impossível? Quais as escolhas que alguém deve tomar perante tais momentos? Acredite, tais questionamentos são a chave para entender a dinâmica da terceira empreitada do Homem-Aranha na grande tela. Cada personagem, em certo momento do filme se vê encostado na parede pelo destino. Assim como “Batman Begins” martela em seu personagem principal a noção de sempre se levantar ao cair, o novo filme do aracnídeo nos leva a constatação que são as escolhas que tomamos, mesmo perante os piores dilemas ou durante nssos mais dramáticos momentos que revelam a pessoa que somos. Algo bastante profundo para um arrasa-quarteirão americano, mas essa é a melhor parte sobre o filme: trazer-nos, intacta, tão importante mensagem sem esquecer de nos divertir.
Após os inspirados créditos iniciais (onde relembramos os acontecimentos dos dois filmes anteriores), encontramos Peter Parker (Tobey Maguire) numa situação completamente diferente da que nos acostumamos. Enquanto no primeiro filme o herói aceita a responsabilidade decorrente de seus poderes e no segundo aprende a lidar com as suas conseqüências, aqui ele encara algo mais traiçoeiro: o ego. Nosso jovem protagonista, pela primeira vez, está completamente feliz. Suas notas nunca estiveram tão boas, seu relacionamento com a bela atriz Mary Jane Watson (Kirsten Dunst) caminha a passos largos para o altar e seu alter-ego mascarado é a figura mais querida de Nova York. No dia da estréia de M.J. numa peça na Broadway, Peter encontra seu ex-melhor amigo, Harry Osborn (James Franco), que ainda o culpa pela morte de seu pai, o empresário Norman Osborn, também conhecido como Duende Verde. O jovem Osborn, se utilizando de uma versão melhorada do equipamento de seu pai, sai em busca de Parker. Uma luta entre os dois é uma questão de tempo e esta ocorre numa cena de tirar o fôlego. Após o confronto com Harry, Peter descobre que ele perdera sua memória recente, esquecendo, entre outras coisas, das circunstâncias que o levaram a acreditar que Peter tivesse matado seu pai e até da identidade secreta de seu amigo e os dois voltam a ter a mesma amizade de sempre.
A maré de sorte de Parker, porém, começa a virar. Inebriado pelo sucesso, ele não percebe os problemas pelo qual sua namorada passa. Flint Marko (Thomas Haden Church), um assaltante comum com uma motivação nobre, foge do presídio e acaba vítima de uma experiência que o transforma no Homem-Areia. Marko, que pode estar envolvido na morte de Ben tio de Peter não é uma pessoa ruim, mas um pai desesperado, que cometeu (e continua cometendo) vários erros de julgamento no curso da sua vida e que fará de tudo para conseguir dinheiro para tratar a filha doente. Enquanto isso, as coisas começam a piorar para Peter em sua vida profissional com o surgimento do ambicioso Edward “Eddie” Brock Jr. (Topher Grace), foto-jornalista rival no jornal editado pelo impagável J. Jonah Jameson (J.K. Simmons), o Clarim Diário. Também entra na vida de Peter a bela Gwen Stacy (Bryce Dallas Howard), sua colega de classe nas aulas do Dr. Connors (Dylan Baker), interesse amoroso de Eddie e filha do Capitão de Polícia George Stacy (James Cromwell). Como se não bastasse às complicações vindas aqui da terra, uma estranha substância vinda do espaço se mistura ao uniforme do herói que, ao mesmo tempo em que amplifica os poderes dele, o deixa com um comportamento bastante agressivo. E aqui paro de falar sobre o filme para não estragar as surpresas que a trama reserva (especialmente a partir do seu segundo ato).
Apesar de ter uma trama movida pelos personagens, as cenas de ação se mesclam a história de maneira orgânica, funcionando em função delas. O visual do filme é, por falta de uma palavra melhor, perfeito. Nenhuma cena de efeito visual do filme pode ser criticada. Destaco a inspiradíssima cena do “nascimento” do Homem-Areia, seqüência extremamente intimista e emocionante, que nos leva a ver a resolução do personagem, sua força de vontade. Também são mais que dignos de nota as seqüências que mostram o acidente causado por um guindaste descontrolado e o impressionante confronto final. Algo que me assustava e muito era o número de tramas que o filme teria de trabalhar. Porém, Alvin Sargent e a dupla Sam e Ivan Raimi conseguiram o improvável. Não existe nada gratuito no filme, que consegue lidar com o verdadeiro batalhão de personagens de maneira exemplar, com todos tendo tempo de tela, sendo bem desenvolvidos e necessários para o andamento da trama. Aliás, tramas! O filme funciona como um arco interligado de HQs, todos muito bem amarrados por um fio principal (numa nota pessoal, acho que seria interessante ver o que Sam Raimi poderia fazer numa HQ do cabeça-de-teia).
Outro bom destaque do filme são seus ótimos pequenos números musicais. Vendo que agradara com “Rain drops keep falling on my head” no filme anterior (cena que, aliás, quase fora cortada), Raimi inseriu mais desses pequenos momentos neste exemplar da franquia, todos excelentes e contando com músicas inesperadas! Um fato interessante é o paralelo entre Peter e Eddie que o filme traça: o comportamento de Peter afetado pelo simbionte alienígena lembra muito o comportamento normal de Brock, mostrando as semelhanças que ambos os personagens tem. Aliás, a semelhança das jornadas de ambos é bastante abordada pelo filme, sendo de vital importância para sua conclusão.
As atuações do filme são um capítulo a parte. Raimi é um excelente diretor de elenco e todos parecem extremamente à vontade no filme. Vamos falar primeiro dos veteranos da série. Tobey Maguire tinha a difícil tarefa de convencer o público com três personagens diferentes. Já tendo mais que se provado como o simpático nerd do Queens, Maguire não apenas, pela primeira vez, torna o alter-ego mascarado do jovem tão interessante quanto este, como também leva a situação a outro nível ao interpretar de maneira magnífica um Peter afetado pelo contato com o simbionte alienígena. O ator compreendeu que tal comportamento não se originou do nada, tendo sido resultado de vários anos de emoções reprimidas por parte do responsável Parker, algo que o Dr. Octavius havia, no segundo filme, lhe alertado que era algo perigoso de se fazer. Kirsten Dunst dá maior profundidade a Mary Jane Watson. Ela consegue, através de sua fragilidade, mostrar que sua personagem ainda sofre as marcas do complicado lar de onde viera (lembram-se do primeiro filme?), algo complicado por um certo ressentimento por suas angustias serem um tanto quanto incompreendidas por seu ocupado namorado.
James Franco está fantástico como Harry Osborn, sabendo levar à tela o conflito que seu personagem sofre, dividido entre a lealdade a seus amigos e o desejo de vingar seu pai. Rosemary Harris tem pouco tempo de cena como May Parker, mas nas cenas em que aparece, continua transparecendo o carinho da personagem pelo seu querido sobrinho Peter, sempre o guiando para ser uma pessoa melhor. J.K. Simmons continua fenomenal como o ranzinza editor do Clarim. Seu problema de pressão é cuidado de uma maneira um tanto sádica por sua secretária, Betty Brant (Elizabeth Banks) tem, finalmente, um flerte aberto com Peter no (nos quadrinhos os dois chegaram a namorar por um tempo).
Outro personagem que vem crescendo na série é o Dr. Curt Connors, que de apenas uma citação no primeiro filme, ganhou uma breve e nada importante participação no segundo, tem um pouco mais de tempo em cena neste filme, tendo nele uma participação levemente mais relevante. Ainda falando sobre presenças recorrentes na série, Cliff Robertson e Willem Dafoe voltam a ela neste terceiro filme em pontas como Ben Parker e Norman Osborn, participações marcantes e importantes para entendermos as motivações de Peter e Harry, respectivamente. Ah, já ia esquecendo de citar mais uma hilária participação de Bruce Campbell, ator-fetiche do diretor Sam Raimi. Passando para os novatos, Thomas Haden Church simplesmente rouba a cena em suas aparições como Flint Marko. Um dos personagens mais complexos do filme, Church consegue, mesmo nas cenas mais repletas de efeitos especiais, transmitir o desespero de Marko em ser obrigado a fazer o que está fazendo. Topher Grace aprece estar se divertindo muito no papel do ambicioso Brock. Fãs de quadrinhos sabem exatamente o que acontece com Brock, e lhes garanto que o ator segura a onda em todos os momentos.
Dois atores cujos personagens foram introduzidos neste filme, mas que devem ganhar uma maior importância nos próximos capítulos da saga são Bryce Dallas Howard e James Cromwell. A primeira tem um desempenho absolutamente meigo no filme, provando ter sido uma ótima escolha para Gwen Stacy (que, aparentemente, assumiu algumas características da Mary Jane dos quadrinhos). Já Cromwell tem um pouco mais que uma ponta na produção com o seu Capitão George Stacy.
A equipe técnica está simplesmente soberba no filme. Sam Raimi mostra que não há vergonha nenhuma em fazer um filme baseado numa HQ e seus quadros procuram lembrar ao máximo revistas clássicas do Aranha. Seja em cenas mais calmas, como na qual o Aranha e Gwen tiram uma foto juntos, ou mais movimentadas como o assalto ao carro forte, o posicionamento da câmera nas cenas e a composição destas lembra muito a mídia original do personagem. Isso é ressaltado pela ótima fotografia de Bill Pope, que repete seu exemplar trabalho do filme anterior da franquia. Mas o intento de Raimi de fazer algo fiel as HQs iria por água abaixo não fosse o trabalho da equipe de Design de Produção (novamente liderada por Neil Spisak, dessa vez trabalhando com J. Michael Riva, de “Zathura” e do vindouro filme do “Homem de Ferro”), figurino (novamente desenhado por James Acheson) e direção de arte. O visual dos personagens e dos sets condizem com o intento e com padrão da série, graças ao esforço dessa equipe.
Quanto aos efeitos especiais lhes asseguro que, mesmo podendo ser o filme mais caro da história, vê-se CADA CENTAVO gasto na tela e o resultado é impressionante. A trilha original de Christopher Young mantém o nível do bom trabalho feito por Danny Elfman nos filmes anteriores (é uma surpresa ver que Young compôs também a horrenda trilha original de “Motoqueiro Fantasma”). Fechando com chave de ouro está, mais uma vez, o trabalho feito por Bob Murawski, editor de todos os filmes da série, que não deixa a adrenalina e a tensão caírem por um só momento da projeção.
Certa vez, Quentin Tarantino declarou que jamais faria um filme baseado em quadrinhos (a exceção de sua curta cena em “Sin City – A Cidade do Pecado”) por conta da insana pressão dos fãs. Pela terceira vez, Sam Raimi lidou magnificamente com tais pressões e com o pessimismo dos fãs do amigão da vizinhança, provando mais uma vez que ele fora uma bênção dos céus para estes (o pobre Motoqueiro Fantasma que o diga…). Seu trabalho nesta trilogia do Aranha (ou deveria dizer “primeira trilogia” ?) é digno de aplausos por mostrar que, não só ele tinha os grandes poderes necessários para atender a grande responsabilidade que é fazer um filme de um personagem tão amado, como ele, com este terceiro filme, superou toda e qualquer expectativa que os mais otimistas poderiam ter.
Apesar de fechar com sucesso todos os plots deixados em aberto desde o primeiro filme, alguns fãs se deliciarão com algumas surpresinhas espalhadas no filme que podem servir de mote para os próximos exemplares da série que certamente virão, com sorte, com Raimi no comando novamente. O cinema precisa de mais diretores assim.