Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de junho de 2007

Balconista 2, O

Amizade, amor, amadurecimento e racismo são alguns dos temas presentes em "O Balconista 2". Mas não tema! O novo filme de Kevin Smith, apesar de assuntos tão delicados (que são tratados de uma maneira sensível, mesmo que escatológica), vem recheado de citações a cultura pop e tem um tom de comédia escrachada dos anos 1980. Essa combinação acaba por deixar uma agradável e indescritível sensação no espectador quando o filme termina.

Kevin Smith é fã confesso de quadrinhos e amante da cultura pop, o que se reflete claramente em seus filmes. O roteirista-quadrinista-nerd-e-ator havia jurado ter encerrado seus contos do "Askewverse" – seu universo pessoal de personagens que vivem na cidade de Leonardo – com "O Império do Besteirol Contra-Ataca". Após quebrar a cara com "Menina dos Olhos", eis que ele surge esse ótimo "O Balconista 2", que continua as histórias de Dante e Randal, que da última vez que os vimos, ainda estavam trabalhando no mercadinho Quick Stop.

Na seqüência pré-titulo (em preto-e-branco, tal qual o primeiro filme), o mercadinho é incendiado acidentalmente por Randal, que havia deixado a cafeteira ligada a noite toda. Um ano depois, nossos heróis estão trabalhando na lanchonete "Mooby's" (marca vista em "Dogma" e em “O império do Besteirol Contra-Ataca”). O filme se passa, em sua maior parte, durante o último dia de trabalho de Dante no local. Ele está se mudando para a Flórida para se casar com Emma, uma riquinha fútil e meio ninfomaníaca, mas apaixonada por ele. Randal não vê com bons olhos a partida do amigo, apesar de tentar ficar feliz por ele. Além de Emma, temos alguns novos personagens que são adicionados com certo destaque ao já rico universo criado por Smith. Dentre eles está Becky, a gerente da filial do Mooby's onde Dante e Randal trabalham. Tão inteligente quanto linda, ela diz não acreditar em amor romântico, mas tem umas surpresinhas para Dante durante o filme. Entretanto, o destaque dentre os novatos é Elijah, o retrato do "fanboy" americano. Ele é fanático por "O Senhor dos Anéis" e por "Transformers" e foi criado de maneira reprimida por seus pais, cristãos meio exagerados, o que acaba causando alguns comportamentos considerados estranhos no rapaz. Mas ia esquecendo de algo extremamente importante: os novos e melhorados Jay e Silent Bob! A dupla de chapados boa-praça, que apareceu em todos os filmes do Askkewverse ("O Balconista", "Barrados no Shopping", "Procura-se Amy", "Dogma" e "O Império do Besteirol Contra-Ataca" se rendeu ao poder da religião (lembrando que, em "Dogma", eles já viram Deus em pessoa!), passou por uma desintoxicação forçada depois de uma passagem pelo México e não fumam mais maconha (mas continuam traficando).

Daí em diante, o filme segue um ritmo insano de cenas rápidas sobre os clientes da lanchonete e como o último dia de Dante está afetando a todos. Por meio de diálogos extremamente bem colocados, podemos conhecer o dia-a-dia daquele grupo de pessoas que, por um motivo ou outro, não se encaixam bem no padrão que a sociedade exige. No meio disso, os conhecimentos de cultura pop de Smith se sobressaem. Para os fãs das HQs do Homem-Aranha, prestem muita atenção a uma frase dita por Emma num diálogo entre ela e Dante no parquinho da lanchonete. Nem "O Silêncio dos Inocentes" escapa da verdadeira metralhadora de citações que é o filme, que atinge o ápice em uma cena hilária e, desde já, antológica, que põe à prova a rivalidade entre fãs de "Guerra nas Estrelas" e "O Senhor dos Anéis". Já o clímax do filme ocorre de uma maneira tão inesperada que os próprios personagens parecem perceber o absurdo da situação.

O filme tem a sorte de contar com um elenco muito bem afiado. Brian Christopher O'Hallaron encarna seu Dante de uma maneira impecável. Percebemos a hesitação em suas ações e o seu desejo de amadurecer. Já Randal tem sua imaturidade e seu amor (e uma pequena ponta de inveja) pelo amigo muito bem sintetizados por Jeff Andreson, que imprime uma carga dramática perfeita na cena-destaque que Randal tem no final do filme. Trevor Fehrman é a revelação do filme. É impossível não simpatizar com Elias graças a energia e a pegada meio desastrada que o ator dá a seu personagem. O mesmo não pode ser dito da Emma vivida por Jennifer Schwalbach. É uma personagem realmente fútil e, tanto a interpretação da atriz, quanto o roteiro de Smith (que é marido da atriz) não nos dão espaço para que nos importemos com a personagem, sendo essa a única falha do filme (embora isso realmente não tenha importância). Já falar de Jason Mewes e do próprio Kevin Smith como a dupla Jay e Silent Bob é chover no molhado. Os dois já trabalham juntos há muito tempo e sabem como fazer rir com as sandices de seus personagens. Aqui vale um parênteses. Em todos os filmes anteriores, Silent Bob dava um conselho primordial a algum personagem que o ajudava num momento crucial (lembram-se de "Procura-se Amy"?). Dessa vez, isso não ocorre, fato que é notado pelo filme.

Quanto aos aspectos técnicos, a edição do filme é um tanto irregular. Apesar de conseguir encaixar quatro momentos musicais distintos de maneira perfeita (e, acredite, são momentos cruciais mesmo), ela peca um pouco ao deixar com que o longa fique um pouco esquemático, mas sem comprometer o resultado final. Aliás, os citados números musicais se beneficiam das músicas bacanas escolhidas para o filme, que vão de Alanis Morrissette à Smashing Pumpkins, passando pela mais que simpática "Raindrops Keep Fallin' on my Head" (também vista em "Homem-Aranha 2"), além de, pasmem, Jackson 5! A direção de arte conseguiu deixar o "Mooby's" crível como lanchonete, ajudando a criar o clima certo para que mergulhemos na ambientação da história. Como diretor, Smith não cria grandes inovações ou tenta fazer algo espalhafatoso. Ele tem uma história e a conta do jeito mais adequado à narrativa, o que é ótimo.

Com uma história sobre alguém se forçando a amadurecer, mesmo que seja do jeito errado, Kevin Smith se redime do fraco "Menina dos Olhos", onde ele havia cometido esse mesmo pecado. Ao tentar se adequar as convenções da sociedade, ele deixou de ser aquele cineasta único, se tornando apenas mais um. Ele aprendeu a lição. Dessa vez, ao contrário de "O Império do Besteirol Contra-Ataca", os créditos não terminam com um "Jay e Silent Bob não vão voltar", mas sim com um "um dia, eles podem voltar". Os fãs agradecem!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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