Demoraram cerca de sete anos para que o projeto enfim ganhasse vida, e muitas controvérsia aconteceram até chegar ao suado produto final. De início, a direção ficaria a cargo de Stephen Norrington (de “Blade – O Caçador de Vampiros”) e o roteiro de David Goyer, além de os produtores por muito tempo quererem Johnny Depp para viver o herói. Tudo parecia se encaminhar bem, inclusive, Norrington e Goyer já estavam com um violento roteiro para filmar. Mas, para o desespero dos fãs do personagem, a direção do projeto acabou pulando para as mãos de Mark Steven Johnson (do regular “Demolidor – O Homem Sem Medo”), que reescreveu um roteiro que Shane Salermo escreveu para a Columbia Pictures depois que o estúdio comprou os direitos de adaptação dos quadrinhos, substituindo a Dimension Films. Com a mudança, a Columbia desde o início deixou claro que esta versão de “Motoqueiro Fantasma” seria bem mais ‘light’ do que a pensada por Stephen Norrington e David Goyer.

Sem dúvidas, se o roteiro escrito por Goyer tivesse sido mantido, o resultado seria infinitamente superior. O Motoqueiro dos quadrinhos (que vale salientar, por muito tempo foi coadjuvante dos quadrinhos do “Homem-Aranha”) possui um visual sombrio, com trama adulta marcada por violência e mistério, algo bem próximo de “Spawn” de Todd McFarlene e até mesmo “Batman – O Cavaleiro Das Trevas”, de Frank Miller; e Goyer já mostrou em “Batman Begins” que é capaz de fazer um roteiro inteligente baseado em um personagem de HQ. Mas, o estúdio tinha que fazer o favor de meter o nariz, exigir uma produção que atingisse o maior público possível (leia-se, obter uma censura baixa), e alterar todos os planos iniciais. Tudo bem até então, mas a questão é que não precisavam transformar o longa de um personagem tão complexo e assombroso como o Motoqueiro em algo que beira o ridículo. Sim, tudo chega a ser tão patético, que tudo se assemelha a um grande filme para crianças.

Na trama, o dublê Johnny Blaze (Nicolas Cage), um audacioso motociclista, faz um pacto com as forças do mal e vende sua alma para salvar seu pai. Anos mais tarde é procurado por Mefistófeles (Peter Fonda), que oferece sua liberdade se ele aceitar uma missão: encarar Coração Negro, o filho rebelde do senhor do inferno que está solto na Terra. Para tanto, Johnny Blaze será transformado no Espírito da Vingança, uma criatura com o crânio em chamas, armada com uma corrente e montada em uma motocicleta com rodas de fogo.

Desde a primeira cena, percebemos que a seriedade é a última coisa presente na produção. Começa com um cenário claramente virtual, com a caricatural narração em off do ator Sam Elliot contando a tal da lenda do Motoqueiro – muito mal explicada durante todo o filme, diga-se de passagem – até que entram os créditos através de uma animação pra lá de capenga. Chegamos até a torcer que a má impressão mude no decorrer do filme, quando os personagens são apresentados, e algumas interessantes seqüências de salto de MotoCross são mostradas, mas quando começa realmente o que interessa, a ação, o visual brega domina em cena. Não só a direção de arte é ruim pelo ar quase carnavalesco, mas principalmente, os efeitos especiais são impressionantes! Sim, impressionantes pois é difícil nos dias atuais uma superprodução como esta ter efeitos tão ruins. Tiremos pelos vilões, cuja retratação de seus poderes compete em páreo duro com os de “Van Helsing” em termos de falta de qualidade.

Já o próprio Motoqueiro, sua caracterização não passa de um corpo humano – que se for analisar, pode ser de qualquer um, não necessariamente de Nicolas Cage – e sua cabeça em forma de caveira flamejante é um desenho animado em 3D medonho, que fica mais artificial ainda quando se movimenta para falar. Para piorar, tiveram a infeliz idéia de colocar uma dublagem extremamente grave, que de tão caricatural, chega a ser trash. Sua caracterização só é bem feita em certos momentos em que mostram seu ar de ‘anti-herói’, agindo cruelmente com os que aparecem em seu caminho. Os mesmos defeitos se aplicam também a sua motocicleta que teve o visual drasticamente modificado dos quadrinhos. Enquanto nas HQs, o visual da ‘chopper’, apesar de se incendiar, era mantido intacto quando Johnny Blaze se transformava, no filme ela é transformada numa coisa bizarra que pareceu ter saído de algum seriado de super-herói japonês. O pior é ver a moto se ‘destransformando’ ao reassumir seu formato original com muita naturalidade, e sem explicações por parte do roteiro.

Mark Steven Johnson de fato estava devendo mostrar seu valor como diretor, algo que não faz nesse filme, mas como roteirista, ele consegue decepcionar mais ainda. O roteiro de fato tem muitos furos, negligencia o aprofundamento da personalidade dos personagens – reparem que o melhor amigo de Johnny Blaze, vivido por Donal Logue, simplesmente é esquecido por completo a partir de certo ponto da projeção -, mas não é nem pelo mal continuísmo que faz feio. Realmente é estranha tamanha facilidade com que Blaze passa a dominar seus poderes, mas são detalhes que o espectador pode engolir sem problemas. Johnson vacila mesmo em trechos que descaracterizam a proposta séria da trama, como o momento em que o Motoqueiro chama sua moto com um assobio ou quando faz uma desnecessária referência ao personagem Scorpion, do “Mortal Kombat”. E por favor, não reparem na lamentável cena de sua transformação na prisão. Ainda, detalhes soam simplistas demais, por exemplo: quando ele vai salvar uma mulher sendo assaltada, porque apenas o assaltante se assusta com seu visual monstruoso, e não a mulher também? Realmente, é bem comum vermos caveiras caminhando por aí – lembram da câmera escondida do programa “Topa Tudo Por Dinheiro” envolvendo uma caveira numa moto? Haha!

Nicolas Cage por sua vez, sai ileso das críticas, e por sinal, parece estar se divertindo a beça por finalmente realizar seu sonho de interpretar um personagem dos quadrinhos. Fã confesso de quadrinhos e do personagem – ele inclusive tem em seu braço uma tatuagem do Motoqueiro, que teve de ser coberta com maquiagem para que pudesse interpretar o próprio -, o ator se esbalda através de olhares arregalados e caras de ingênuo, tornando Blaze um personagem simpático. Só é de se estranhar que mesmo com tamanha admiração pelo personagem, ele tenha deixado fazerem esse carnaval com seu filme. Já o resto do elenco está vergonhoso, mas não por suas culpas, mas pelo roteiro que constrói os personagens de maneira banal. Eva Mendes se encarrega apenas de levar beleza à produção, pois atuando não apresenta nenhuma eficácia.

Já os vilões, chega a ser exagerado o grau de fraqueza com que foram retratados, impossibilitando seus intérpretes de transmitirem qualquer ar de ameaça. Não há um combate sequer interessante, e o modo que o Motoqueiro derrota seus inimigos parece ser bem fácil, e o pior, padronizado. Sim, por mais que pensemos que em uma luta mais importante o desfecho será mais interessante, o mesmo acaba por se dar igual ao da maioria das vítimas do caveirão. O Coração Negro, vivido por Wes Bentley (o jovem perturbado de “Beleza Americana”) não passa de um playboy revoltado que tenta sem êxito esbanjar algum ar de superioridade. Já Mefistófeles, vivido pelo experiente Peter Fonda (o que o indicado ao Oscar por “O Ouro de Ulisses” e “Sem Destino” está fazendo aí?) é o demônio mais estereotipado e sem moral de todos os tempos. Só vendo o final para crer.

Se o filme fosse desde o início taxado como uma ‘comédia de aventura’, certamente o resultado seria positivo. Como fã confesso de filmes trash, me diverti bastante com o filme rindo das situações apresentadas. Por sinal, o filme até que funciona em algumas piadas, como a do momento em que ele vai esterilizar uma agulha, ou quando Nicolas Cage se olha no espelho se achando bem mais ‘esquelético’ que normal. Mas são tantas as tentativas de arrancar risos através de piadas sem graça, que elas em geral não divertem. O que diverte mesmo é o geral, os efeitos capengas, os personagens bizarros, e ainda recheados com cenas de ação (o momento em que o Motoqueiro sobe um prédio com sua moto é bem bacana), é um prato cheio. Daí então mora a peculiaridade do longa: visto como um filme sério, “Motoqueiro Fantasma” é uma bomba geral, mas como diversão ‘trash’ gratuita, até que cumpre seu dever. Pode ser um efeito inadvertido, porém, funciona. E vale ressaltar que pelo menos a trilha sonora está muito condizente com a proposta do filme. Marcada por músicas de faroeste (bem de acordo com a lenda do personagem) a maioria do tempo, e algumas de rock pesado, até fazem o espectador se desligar dos defeitos. Confesso que vibrei muito no momento em que Blaze pula uma fileira de carros em um estádio de futebol ao som de “Crazy Train”, de Ozzy Osbourne.

Uma pena que um personagem tão interessante como o “Motoqueiro Fantasma” tenha recebido um filme de tão baixo nível. Se mantido o ar sério, mais realismo e talvez até menos efeitos (até para diminuir o vexame) tinha tudo para ser um filmaço. É inegável que muitas pessoas gostarão do filme (sinal é o bom desempenho nas bilheteria), pois filmes de ação com personagens que fogem os padrões da realidade sempre terão boa recepção e um público fiel. Não nego que seja um longa divertido, mas os mais atentos a detalhes cinematográficos facilmente encontrarão diversos pontos fracos. Mas “Batman & Robin” pode ficar tranqüilo…seu posto de pior adaptação dos quadrinhos para as telas ainda está mais do que garantido.