Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 05 de fevereiro de 2007

À Procura da Felicidade

Sucesso de bilheteria em solo americano, "À Procura da Felicidade" chega ao Brasil sem grandes novidades e com uma história que tenta a todo custo emocionar e passar uma lição importante ao público. Se tudo não fosse tão redundante, até teria conseguido fazer mais efeito em seu teor social e pessoal.

Estamos cheios da mesmice. Realmente estamos fartos. Ou estaríamos acostumados demais com filmes inferiores? Adoramos esta época fervorosa que marca a sempre atrasada estréia brasileira de filmes que já foram exibidos lá fora há tempos e que vêm como destaque não só de público quanto de crítica, e acabamos pensando que todas as boas produções chegarão juntas e que aquela falta de criatividade que Hollywood tem enfrentado já passou. O fato é que não é bem assim, principalmente se relacionado à questão de que a busca por direitos autorais de livros ou a tentativa de fazer remakes para movimentar a indústria cinematográfica parece estar superlotando as produções de boas idéias, mas que nem sempre são bem aproveitadas. Baseado em uma história real, "À Procura da Felicidade" traz um melodrama cheio de altos e baixos, com um roteiro no mínimo previsível e que não consegue transmitir ao espectador uma sensação de que renovação, já que o tema abordado que vem cheio de lições de que "se trabalharmos e nos esforçarmos, temos tudo para vencer na vida e ficar rico" e de variações dessas que, particularmente, seria desnecessário estarem estampadas mais uma vez em uma película. Acho que nem todo mundo é tão bobo de ficar aceitando mais e mais filmes que remetem à mesma coisa. A diferença de "À Procura da Felicidade" é que ele faz questão de ser dramático ao extremo, fazendo com que seu protagonista viva as piores experiências, sempre regado às leis de murphy, como se isso fosse dar uma intensidade ou fosse recriar a realidade do desempregado que virou milionário após se esforçar para conseguir um emprego de boa projeção no mercado.

Pode até soar insensibilidade julgar a redundância da história, mas particularmente me incomodou um pouco não perceber nenhum elemento novo que fizesse com que o filme virasse uma referência às pessoas. Talvez a culpa não seja nem do roteiro de Steve Conrad, mas sim do enredo original regado de clichês, fazendo com que o "baseado em uma história real" seja meio que uma representação da vida de vários norte-americanos em busca da ascensão e da riqueza. Chris Gardner é o protótipo do bom pai de família sem oportunidades. Ele luta para vender estranhas e desnecessárias máquinas a médicos para manter o sustento de seu filho e sua esposa. A constante falta de sorte e as ironias da vida acabam levando-o à falência total, à perda da mulher e de todos os bens materiais que ele possuía. Vai preso, mas acaba sendo contratado para estagiar em uma empresa de corretores de ações, embora sem nenhum retorno financeiro. Enquanto isso, Chris vive as dificuldades ao lado do filho de serem mais um alvo dos calos sociais que temos no mundo e passam a dormir em abrigos e a tentar se virar para fazer suas refeições. O que motivou o protagonista a aceitar o estágio foi um provável contrato que seria assinado por algum dos estagiários que garantiria um bom salário e um trabalho fixo. Como era de se esperar (e isso não é spoiler, até porque é bastante previsível o futuro dos personagens, já que é baseado em uma ficção de alguém que venceu na vida), Chris consegue dar a volta por cima, sem deixar de perder sua humildade e o amor que tinha pelo filho, cumprindo suas obrigações como pai até nos piores momentos de suas vidas.

O filme não é ruim. Talvez o que tenha prejudicado o desenvolvimento deste seja a total falta de afinidade que o público cria em relação à história. Por mais que mostre alguém vencendo na vida e lhe dando lições de que precisamos nos esforçar para conseguir os nossos sonhos, isso acaba soando um pouco como uma lição de moral que já foi dada antes e deixando a idéia de que o filme foi feito na época errada. Não tem como se impressionar com uma luta de um protagonista em constante deslocamento social e que, mesmo cheio de azar, não deixava de nutrir o amor pelo filho e de querer dar a volta por cima. A minha impressão assistindo ao longa-metragem é que a consciência de um tema tão batido e que segue todos os clichês possíveis gerou um trabalho técnico mais voltado para a tentativa de gerar emoções no espectador, sempre apelando para uma trilha melancólica ou para situações extremistas que, quando você pensa que o protagonista já está em seu pior estado, algo mais arrebatador acontece e piora o que já estava péssimo na vida de Chris. Com base nisso, é passível de análise o fato que tal objetivo não foi conseguido inteiramente. Por mais que alguns consigam se comover, se identificar ou se interessar pela história, é inegável que a condução do italiano Gabriele Muccino é apelativa e que nem sendo assim consegue despertar um conjunto de sentimentos do público, que fica estagnado apenas na expectativa de uma reviravolta que, de qualquer forma, vai acontecer; e quando acontece, aparece um momento "tudo valeu a pena" junto com um texto sobre o que aconteceu com o Chris da vida real: virou um milionário (e me pergunto se esta teria sido outra lição que o filme quis despertar: "você também pode ser um milionário"; espero que não).

Como nem tudo é só lamento, "À Procura da Felicidade" traz momentos bons e isso é fato. Por mais que sofra ao tentar registrar a história toda de um homem em duas horas de projeção, cenas sensíveis e bem conduzidas são presentes bons de receber. É impossível não sentir o eufemismo gritante da situação de Chris e seu filho Christopher na estação de trem tentando fugir da idéia de que eles não tinham onde passar a noite e começam a encarar o momento de uma forma que, como uma hipérbole terrível, me remeteu a algumas idéias de "Peixe Grande", claro, sendo incomparáveis, já que este é uma obra-prima, ao contrário do filme em análise. A evolução que vai acontecendo na vida dos personagens pontua bem a vontade que Chris tinha de vencer, mas as situações que ele vive acabam sendo exageradas demais e passam a viver um paradoxo de que, ao mesmo tempo em que aquilo seria possível de acontecer, sofre com a sensação de que registrá-lo ganha um caráter de ficção melodramática sem criatividade. Não que eu esteja exigindo situações mais ousadas ou inteligentes, mas temos diversos filmes no mercado que conseguiram basicamente driblar clichês de uma forma bastante sensível sem parecer irreal. O próprio "C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor", que também dispõe a narrar toda a vida de seu personagem em duas horas de projeção, consegue muito mais efeitos sociais e íntimos, despertando uma variedade intensa de sensações e nem por isso abandona os clichês. Acho que tudo depende da forma como se vê um projeto e quando a equipe técnica tem a consciência do universo que quer criar.

Outro ponto essencial para o desastre não ter sido completo foi o elenco escolhido. Acima de todas as indicações a prêmios que Will Smith teve por sua performance neste projeto, é verdadeiro que esta ovação em torno do seu nome seja mais uma tentativa de mostrar que o ator é versátil e não trabalha só em comédias do que o reconhecimento por uma atuação sensacional. Não que ele esteja ruim, mas talvez seu papel pudesse ter sido feito por qualquer outro ator e a diferença não teria sido sentida. Talvez outro ator até tivesse dado uma carga dramática melhor dosada ao seu personagem, mas mesmo assim Smith prova que tem talento o suficiente para sair do rótulo de "quem só faz rir". A afinidade com o pequeno Jaden Smith, filho do astro tanto na película quanto na vida real, é mais do que óbvia e nisso consegue convencer o público que eles vivem uma relação pura e confidente. Thandie Newton acaba sendo apagada por não participar da história como um todo, sendo mais uma coadjuvante quase figurante. O que é uma pena, já que a moça mostrou com seriedade e profissionalismo do que é capaz em atuações memoráveis como fez em "Crash – No Limite". De qualquer forma, a personagem de Newton também sofreu com um pouco de vastidão em relação ao que sentia pelo marido e pelo filho. Questionei-me bastante se toda a ira de ser pobre e exigir do marido mudanças era mesmo o que impulsionava seus ataques histéricos. Se fosse somente para registrar que Chris não tinha o apoio da mulher, que fosse menos caricato e não exagerado.

Sem inovar e pecando por demonstrar-se fraco frente ao roteiro que tem, "À Procura da Felicidade" pode até agradar alguns que se comovem com uma bonita história de vida e que para isso não precise criar um universo melhor elaborado para que consiga passar suas mensagens e dar a sensação de satisfação ao público, mas outros ficarão um pouco insatisfeitos por não terem conseguido ter a sensação de identificação com a história, visto que dramas do tipo já foram demasiadamente feitos e as lições passadas soam como ultrapassadas. O diretor não dribla tais fatos e nem consegue impor-se no seu trabalho, perdendo a oportunidade de ter um bom rendimento para encher os olhos hollywoodianos e quem sabe continuar trabalhando em terrinha gringa e não somente em produções italianas. Mesmo sem fazer feio, tudo fica em um marasmo quase sufocante, mas consegue revelar seu lado delicado, não pondo tudo a perder, mas também não fazendo com que a produção vire referência ou marque época.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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