Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 27 de junho de 2007

Tempo Que Resta, O

François Ozon traz em “O Tempo Que Resta” o segundo filme da trilogia que projetou trabalhar a morte em diferentes âmbitos. Depois de “Sob a Areia”, o resultado da franquia é uma sincera história que esquece o melodrama e procura enxugar todos os desejos e sentimentos de um rapaz em estado terminal.

Romain (Melvil Poupaud) é um fotógrafo de moda em ascensão que vive uma vida aparentemente estável com seu namorado Sasha (Christian Sengewald), dividindo o mesmo teto. Durante um de seus ensaios, Romain desmaia e, ao ser levado ao médico, acaba descobrindo que possui um tipo de câncer em estado terminal, que talvez nem a quimioterapia o salvaria, já que a metástase havia tomado conta de seu corpo. Recusando-se a adiar sua morte, o protagonista decide contar somente para sua avó (Jeanne Moreau) que está doente e começa a refletir sobre sua vida, tendo flashbacks de sua infância e vivendo este tempo na sua particularidade. Abdicando do seu trabalho, do seu namorado e tentando resolver-se com a família, Romain começa um verdadeiro trajeto em busca da aceitação da morte e é surpreendido quando um casal, cujo marido é estéril, solicita a sua ajuda para engravidar a esposa e, assim, deixar um descendente.

Retratar personagens à beira da morte não trazem nenhuma inovação a um roteiro cinematográfico. O diferencial de “O Tempo Que Resta” é que ele centra a morte como o maior objeto de reflexão de um paciente que se recusa a tratar-se, evitando prolongar mais sua vida. A recusa pela quimioterapia e a aceitação de um destino trágico que atrapalharia todos os seus projetos para o futuro foi bem definida e talvez traga um sentido novo para a abordagem de Ozon, diretor e roteirista. Este segundo episódio da trilogia proposta por ele é diferente do primeiro, pois este contava a história da morte incerta do marido da protagonista, enquanto “O Tempo Que Resta” faz uma abordagem intimista de quem vai morrer. Ainda sem ter certeza de quando vai concluir a franquia, o diretor promete que o último filme será o mais chocante, por se tratar da morte de uma criança. Trazendo elementos básicos em um filme, vemos nesta película um protagonista belo, com uma carreira toda a ser trilhada, mas que é interferida pela mortalidade. O primeiro acerto foi afastar a idéia de trabalhar um homossexual que teria AIDS, pois por mais que seja um tabu já quebrado na sociedade, ainda levanta rótulos relacionados ao sexo desprevenido e com muitos parceiros. Dotando-o de um câncer generalizado, Ozon já impõe um caminho sem volta ao personagem, que também inova ao escolher não lutar pela vida, abdicando tratamentos basicamente ineficazes para viver o tempo restante da sua vida do seu modo.

Ao saber de sua morte, Romain força o fim da relação com seu namorado e causa mais transtornos com sua família, principalmente com sua irmã. Sempre certo de que eles não entenderiam sua opção de aproveitar o tempo que resta da sua maneira, ele acha na sua avó o refúgio que precisava. Por mais que a relação dos dois não fosse das mais íntimas, descobrimos junto com personagem a exaltação do amor de Laura, interpretado pela famosa e cultuada Jeanne Moreau, e é a partir daí que o longa começa a entrar no caminho certo. Digo isto porque na primeira parte da película, percebemos uma falta de negligência que chega até a incomodar um pouco. Talvez o transtorno do personagem justifique isso, mas o fato é que não desperta o mínimo de sentimentalismo no público e isso poderia ter sido contornado mesmo com o objetivo de abandonar o melodrama para construir uma narrativa mais fúnebre. Particularmente o drama de Romain não mexeu comigo, o que causou um distanciamento lamentável meio a uma temática tão interessante. O abuso em um seqüencial de fatos cheios de cortes mal feitos e às vezes nonsênsicos também atrapalharam um pouco a trama, sem falar nos flashbacks pouco significativos e talvez até metafóricos, mas que não conseguiram passar sua função completamente. O excesso de choros que o personagem encara na primeira parte do filme desgasta a sua credibilidade, junto com suas ações não medidas.

Na tentativa de consertar isso, percebemos que a trama começa a tomar um rumo certo ao trabalhar bem as decisões pré-óbito do protagonista, principalmente em relação a seu namorado, que após ter sido rejeitado, reconhece que não há mais volta. Isso afasta o título de herói de Romain, responsabilizando-o pelas conseqüências de suas escolhas, que foi abandonar Sasha. Outra relação belíssima abordada por Ozon é em relação a Romain e sua irmã, que foram felizes na infância, mas aquela cumplicidade havia se dissipado com o decorrer do tempo e agora precisava ser ajeitada, já que tudo estava se esvaindo pelas mãos de Romain. Contrapondo as boas relações abordadas na trama, a história perde um pouco do nível ao impor ao protagonista a possibilidade de engravidar alguém e deixar um herdeiro. O primeiro erro foi não demonstrar a vontade de Romain em ter uma criança, baseando-se apenas em um discurso de sua mãe que clamava por um neto e achava isso bastante possível, já que “Romain adora crianças”. Isso não foi o suficiente para justificar a aceitação em engravidar uma garçonete desconhecida, do mesmo jeito que a frieza com que o convívio deles foi se estabelecendo atrapalhou no desenvolvimento desse fato.

Auxiliado por uma fotografia peculiar, Ozon transita sempre a câmera bem próximo do protagonista e tenta transmitir suas emoções, o que nem sempre consegue, mas acaba mostrando sua eficácia ao registrar imagens belas. Um exemplo disso está em uma das cenas finais quando Romain observa a irmã de longe em um parque e a descoberta disso traz uma grande significância e beleza ao espectador. Mesmo envolto de tanta secura na forma de conduzir sua película, Ozon apela para a sensualidade nas cenas de sexo, tanto de Romain com o namorado, quanto com a garçonete (e seu marido). Dispondo de um bom posicionamento de câmera e iluminação, o ato não soa como vulgar e se integra ao conjunto de relevâncias da trama. Mesmo com o excesso de frieza e por não conseguir emocionar o espectador como outras produções como o excelente “Minha Vida Sem Mim”, “O Tempo Que Resta” traz boas abordagens em relação à mortalidade e faz uma reflexão interessante ao que fazemos de nossas vidas.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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