Com cenas fortes e chocantes, porém ainda atreladas à preocupação um tanto mercadológica de se vender o filme (já que o cinema americano é uma indústria), "Diamante de Sangue" consegue se destacar entre produções que mostram a crueldade de terríveis fatos reais, mas não supera a excelência de produções como "Hotel Ruanda".
Trazer conflitos sociais do mundo não é uma grande especialidade na história do cinema. Filmes de guerras e que trazem problemas sociais foram feitos, sim, anteriormente, mas, se olhar de perto, sempre o nome dos Estados Unidos está sendo engrandecido no meio do processo. E o grande mérito de "Diamante de Sangue" é justamente o oposto: ousa por usar imagens fortes e não engrandecer os estadunidenses.
Solomon Vandi (Djimon Hounsou) é um africano residente em Serra Leoa em meio a guerra civil entre o exército de Libertação e o governo. Da noite para o dia, sem nenhum aviso prévio, a sua aldeia (assim como várias outras existentes no Estado) foi atacada pelo exército, famílias mortas, e ele, separado de sua família, é levado para extrair diamantes para a exportação. Lá, ele descobre um grande diamante, que será o personagem principal de toda a confusão do filme. Preso após o sítio ser atacado pelo governo, ele conhece Danny Archer (Leonardo DiCaprio), um mercenário que vende diamantes em troca de armas, que trabalha para o alto escalão do Estado vizinho, Libéria. Quando solto, os dois acabam tendo que se unir, Archer em busca da liberdade que o diamante pode oferecer a ele, Solomon em busca de sua família e seu filho. No caminho, eles conhecem a repórter Maddy Bowen (Jennifer Connelly), que se encontra em Serra Leoa para desvendar um mistério que Danny Archer poderá ajudar a solucionar, e assim conseguir escrever a matéria que ela acredita poder ser a responsável por acabar de vez com a exploração dos diamantes.
A guerra em Serra Leoa começou em 1995, mas vinha o embate já se formando desde antes. Desde 1968, quando após inúmeros golpes de estados, Siaka Stevens, do Congresso de Todos os Povos, declarou Serra Leoa como uma república independente, o Estado viveu sob um regime presidencial de 17 anos nas mãos de Stevens. A crise política e econômica (Serra Leoa vive da extração de minerais como diamante, ferro, platina e bauxita, gerenciada por estrangeiros) já começava a se instalar, quando Joseph Saidu Momoh assumiu a presidência. O povo, durante os seis anos de comando de Monoh, exigia uma reforma democrática na política de Serra Leoa, e foi assim que, em 1992, um grupo de jovens oficiais liderados por Valentine Strasser assumiu a presidência. As reformas foram feitas, mas foi justamente aí que a exploração dos minerais por estrangeiros aumentou. Ao mesmo tempo em que o Estado saiu da crise econômica, levou os rebeldes fiéis a Monoh lutarem contra as forças governamentais que estavam patrocinando a exploração dos mineirais por estrangeiros. O filme de Ed Zwick nos joga em meio à situação local de Serra Leoa após o estouro da Guerra Civil em 1995. O termo "Diamante de Sangue", dado ao título do filme, só surgiu a partir da terminologia dada pelas ONGs como a Global Witness, Partnership Africa-Canada e Anistia Internacional em 1990 aos diamantes contrabandeados para fora do país em meio a guerra. A intenção de trabalhar este termo era de forma a realmente chocar os consumidores a diminuírem a compra das pedras preciosas.
Ed Zwick é um dos poucos cineastas que não tem medo de ousar quando é necessário. Sem querer tapar o sol com a peneira, ele cria imagens que podem chocar àqueles mais sensíveis durante a projeção do longa, mas que não chegam a ser nenhuma novidade no processo de produção de um filme, embora o seja em Hollywood. Trabalhando com uma indústria que precisa ter retorno em bilheteria, o filme infelizmente não consegue ultrapassar alguns cinismos americanos que impõem certos limites psicológicos às personagens principais, de forma que ela seja melhor aceita, ou que seus erros do passado não sejam tão assustadores quanto a bondade que ela irá perpetrar durante o longa (isso é fato entre os roteiristas americanos. O mocinho, mesmo na encarnação do anti-herói, não pode fazer atrocidade que leve o público a não aceitar o seu redimir ao fim da jornada, e, caso isso aconteça, infelizmente ele terá que morrer, e isso é regra). Tal fato não é novidade no cinema, podendo ser, inclusive, comparado ao nacional "Cidade de Deus". Mas, claro, aí sofre uma pequena injustiça na comparação, já que o cinema nacional é todo financiado (ou sua grande parte) pelo governo, o que o faz subsistente (ou seja, quando chega aos cinemas, o filme já está com a produção paga). Zwick também faz ótimas escolhas em não cair no clichê ou no piegas quando toda a situação (leia: o roteiro) parece convergir para tal fato, o que diversas vezes no longa acaba acontecendo (não posso comentar essas escolhas com receio de entregar alguns pontos do filme).
Cinismo à parte, que, reconhecidamente, poucos irão notar, o projeto é um quase retrato de uma realidade da história do país africano. O filme mistura ação e o drama das personagens de forma bem dosada. Além disso, claro, o humor refinado e irônico encontra-se presente em toda a projeção do filme, o que consegue dar um ar mais leve às atrocidades. Zwick também opta por trabalhar, em boa parte do longa, o gênero ação, o que, sem sombra de dúvidas, consegue possibiltar um dos melhores momentos do filme. Para quem gostar do longa, com relação aos acontecimentos da época, outra produção interessante, e, na verdade, até um pouco superior a "Diamante de Sangue", é o longa "Hotel Ruanda".
No elenco, Djimon Houson consegue se destacar muito mais do todo o resto da equipe de atores. Conseguindo sempre colocar uma veracidade nas expressões, Houson impressiona como o pai em busca por seu filho. Leonardo DiCaprio está bem no filme, tem seus excelentes momentos, consegue passar uma expressão extremamente convincente quanto a seu caráter apenas através das falas e expressões dos olhos, mas ainda assim não chega a ser o melhor trabalho do ator, o que não é tanto por sua culpa, mas sim devido ao seu personagem, que acaba sofrendo algumas falhas de índole durante o filme justamente para melhor ser aceito pelo público. Jennifer Connelly, por sua vez, entra muda e sai calada. Não que sua presença não seja destaque, afinal como ignorar aqueles olhos azuis? Porém Maddy Bowen é um papel que poderia ser feito por várias outras atrizes, e é uma pena que, quando parece que sua personagem irá passar para um nível superior em presença no filme, o roteiro simplesmente a apaga. Uma boa escolha foi a do jovem Kagiso Kuypers, que interpreta o garoto Dia, filho de Solomon (personagem de Houson). Para sua estréia no cinema, o jovem assumiu um personagem complicado, ainda mais para uma criança que não viveu dentro dessa guerra retratada no filme, e que consegue, com seu esforço, se tornar um tanto convincente, embora ainda faltasse um pouco de direção de cena e expressão a ele.
Eduardo Serra, diretor de fotografia, se mantém o mais ordinário (entenda como comum) em maior parte do filme, mas é justamente em suas cenas de passagem de tempo em que ele e Zwick conseguem chegar às telas com imagens impressionantes e belíssimas a maioria utilizando-se dos espelhos d'água, que, em sua grande parte, resultam em belas imagens, podendo se tornarem inesquecíveis para alguns espectadores. A trilha de James Newton Howard, um dos melhores compositores do cenário hollywoodiano, ao lado de Hans Zimmer, infelizmente não conseguiu se tornar tão impressionante como em trabalhos anteriores do compositor, mas se faz notável e muito boa em determinados momentos do filme.
Em questão de cumprir com os objetivos a que veio, "Diamante de Sangue" fez seu dever de casa. Embora ainda não seja tão grandioso como se esperava que fosse, ele se torna um bom filme para se conferir inclusive no cinema, mas que os mais sensíveis tenham cuidado. Algumas cenas podem chocar. Assim como já começou a afetar o mercado de diamantes nos Estados Unidos desde o lançamento do longa-metragem.