Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Eragon

A nova aposta da 20th Century Fox para movimentar as bilheterias e conseguir trazer uma nova sensação às telonas chega neste Natal como resultado de um apurado de tudo que já foi visto em produções do gênero, demonstrando muita superficialidade e instabilidade.

É bastante interessante a luta pelo vil metal. Investe-se alguns dígitos de milhões já com a certeza de um feedback que supere o investimento e lucre muito. Depois que isso vingou em alguns blockbusters famosíssimos que movimentaram fãs de todo o mundo e criaram legiões de seguidores parece que "Eragon" veio tentar embarcar na onda ou se afogar nela. Adaptado da obra homônima escrita por Christopher Paolini, quando este ainda era um mero adolescente, o longa aborda a história dos extintos Cavaleiros de Dragão, formados para proteger e zelar seus interesses, vivendo batalhas sangrentas, seus poderes eram usados apenas para fazer o bem. As riquezas jorravam para as cidades de Alagaesia, e os homens prosperavam. Embora nenhum inimigo pudesse destruí-los, eles não conseguiram se proteger de si mesmos e um dia, no auge de seu poder, nasceu um garoto, Galbatorix. Aos dez anos, ele foi testado e viram que nele residia um grande poder.

Os Cavaleiros o aceitaram como um dos seus e ele superou todos os demais em habilidade. Dotado de uma mente atilada e um corpo forte, ele rapidamente se destacou entre os Cavaleiros. Um dia, na escuridão da noite, ele roubou um ovo de dragão e convenceu Morzan, um Cavaleiro parvo, a juntar-se a ele na prática dos segredos negros e da magia proibida. Na última batalha sangrenta, Galbatorix conseguiu dominar a todos e proclamou-se rei de toda a Alagaesia. É aí que Eragon entra. Ao encontrar uma pedra polida azul na floresta, ele acredita tratar-se de um achado de sorte de um pobre garoto de fazenda, mas, quando um dragão nasce da pedra, ele percebe que tropeçou em uma herança tão antiga quanto o próprio Império e que agora possui uma grande responsabilidade nas mãos, fazendo com que o mito dos Cavaleiros de Dragão reviva e sendo alvo da ambição de Galbatorix.

Particularmente eu tive uma certa torcida para que "Eragon" conseguisse logo no começo deixar aquele gostinho de quero mais, comprovando que o investimento de US$ 100 milhões foi um acerto e que formaria fãs mundialmente. Uma decepção. Não estou dizendo que esta decepção vai se refletir nos próximos filmes da franquia, que, por sinal, ainda torço que consigam dar um upgrade neste primeiro longa que realmente não funcionou bem. Marcado por uma instabilidade gritante no seu roteiro, parece que sempre está faltando algo e que os fatos apresentados foram abordados com superficialidade. Não acredito que "Eragon" tenha até sofrido daquele mal de sempre de adaptações que costumam pegar um livro de XXX páginas e transformar em um roteirinho que cubra as duas horas de projeção dos filmes em geral, mas acredito mais ainda que o maior erro esteve desde a criação do livro, que acabou se refletindo fortemente no longa. Mesmo tendo muitos toques de outras produções amadas pelos cinéfilos, é perceptível que "Eragon" poderia ter sido um pouco mais original, visto que tem até uma premissa interessante. O sucesso do livro nas livrarias não foi à toa. Mesmo tendo seguido o fervoroso momento dos "livros de magia e fantasia", conseguiu uma boa repercussão, que abriu os olhos das produtoras para transformar logo em filme.

Sem apresentar nenhum recurso novo em termos de enredo, "Eragon" acaba parecendo somente "mais um filme do gênero". Aquela tão badalada história que o longa pudesse virar a melhor trilogia dos últimos tempos ou que batesse os favoritos "Harry Potter" e "O Senhor dos Anéis" infelizmente (ou não!) caiu justamente pela falta de força para combater estes. O tempo de duração do filme parece não contribuir para que a história seja completamente desenvolvida e a inexperiência de Stefen Fangmeier revela uma condução frustrante do começo ao fim, salvo alguns momentos que são ajudados pela fotografia e pelas atuações. É claro que o livro é bem mais cheio de detalhes e que faz com que o leitor possa ser convencido de cada fato que o protagonista vai vivendo, mas o longa não conseguiu fazer isso. Talvez por ter prezado em mostrar muita ação, acabou deixando os personagens e o desenvolvimento pessoal destes em segundo plano, o que foi fatal, já que Eragon precisa aceitar seu destino e lutar contra o mal e, para um camponês sem nenhuma experiência em lutas, ele aprendeu rapidinho a lidar com seu dragão e seus poderes. Vemos que os momentos figurados por Eragon e Saphira seriam pontos-chave para cativar o público, pois a afinidade de ambos deveria ter sido melhor trabalhada até em um sentido de amadurecer a história para os próximos filmes. Mas o que acontece? Somos obrigados a aceitar algumas barras que são forçadas e isso já não agrada a maioria do público.

Fangmeier demonstra seu desconforto como diretor. Com uma responsabilidade altíssima nas suas costas, apresentou irregularidade na condução, exagerando no timing de algumas cenas e supersaturando a película em planos repetitivos e nada originais. Mesmo assim, consegue tirar atuações interessantes que não chegam a ser estupendas, mas não decepcionam. O jovem Edward Speleers parece um veterano e tem boa presença cênica, por mais que o roteiro tenha se limitado ao revelar a capacidade de atuação do jovem. Os fãs de John Malkovich terão que esperar as próximas produções para vê-lo mais em ação, já que nesta ele não passa de um coadjuvante secundário. Jeremy Irons, Sienna Guillory e Robert Carlyle não fazem feio e estão bastante a vontade em cena, e a cantora Joss Stone começa a mostrar que não sabe só cantar. Mas talvez a melhor atuação seja de Rachel Weisz, que, mesmo não aparecendo fisicamente em cena, empresta à Saphira não só a sua voz, como também consegue construir uma personalidade incrível, sabendo variar o speech de acordo com a progressão da história, o que é muito importante em um exercício de dublagem. E falando em Saphira, nada mais justo do que consolidar que ela seja a melhor coisa do filme, já que percebemos uma perfeição incrível ao construí-la. Minuciosamente construída e cativante desde que sai do seu ovinho, é o símbolo da confiança e do poder que rege toda a história.

Os efeitos visuais são interessantes, mas parecem ter sido poupados de perfeição, julgando a capacidade de o espectador notar ou não o fundo verde de várias cenas. Com uma trilha sonora apenas competente e uma fotografia que varia entre ótimo e razoável (o que é uma pena, pois daria para tirar planos belíssimos da ambientação local), "Eragon" desaponta por não abrigar fatos instigantes ao público a querer acompanhar a franquia que vem por aí, revelando-se apenas mediano em um contexto geral, com suas falhas escancaradas, mas que pode, sim, chegar a agradar muitos que sejam bons receptores e não se incomodem com a falta de originalidade, até porque é sempre bom ver um mundo fantasioso sendo construído diante dos nossos olhos. Torço para que o segundo filme consiga redimir as falhas do primeiro e mostrar que a franquia veio para ficar, apesar de dar indícios fortíssimos de uma história eternamente vaga, sem se preocupar em demonstrar os detalhes daquele mundo que deixam em aberto vários questionamentos. Então, que "Eragon" tome um relaxante e traga um segundo filme digno de ótimos elogios.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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