Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 09 de janeiro de 2007

Piano, O

Uma história sensível que consegue fugir do estereótipo piegas pelas competentes mãos da diretora. Isso é "O Piano".

Freqüentemente, roteiros dramáticos correm o risco de, se mal conduzidos, perderem o limite da tênue linha que separa a sensibilidade da pieguice. Dessa forma, histórias com potencial para se tornarem grande filmes acabam resultando em dramalhões apelativos e sem nenhum propósito aparente. Com o neo-zelandês "O Piano", poderia ter acontecido o mesmo. Porém a maestria com que a diretora Jane Campion conduziu o longa fez com que uma bela história fosse dignamente representada nas telonas.

A trama gira em torno de Ada, uma mulher que parou de falar aos 6 anos de idade, que precisa se mudar para um lugarejo da Nova Zelândia com sua filha, Flora, depois de ter se casado como parte de uma negociata entre sua família e o noivo. Após seu marido recusar-se a transportar seu estimado piano para a nova casa, Ada começa a desenvolver antipatia por ele. Ao mesmo tempo, George, um comerciante local, compra o piano e, por estar interessado em Ada, pede a ela lições sobre o instrumento, que acabam se tornando encontros amorosos. Analisando-se superficialmente o roteiro, poderíamos descrever a trama como uma história de amor de uma mulher ao seu piano e sua arte. No entanto, quem se presta a observar a história mais profundamente, logo percebe que o amor da protagonista vai muito além de ser dedicado apenas a isso. Ada, inicialmente, é chantageada por George, que promete devolver-lhe o instrumento de volta em troca de "favores sexuais". Ao começar a se envolver com ele, no entanto, um sentimento verdadeiro passa a se manifestar em ambos, causando a ira do marido traído.

Um dos pontos interessantes do filme está justamente na intensidade em que a trama se desenvolve. No desenrolar da história, o espectador freqüentemente se pega nutrindo impressões totalmente contraditórias sobre os personagens. Se em um momento a protagonista Ada desperta desprezo por alguma atitude, logo em seguida essa mesma mulher se torna a criatura mais digna de compaixão e isso vale para as outras figuras relevantes também, aproximando os personagens da natureza humana, contraditória e mutável. Vale ressaltar também que é mostrado que todas as ações humanas, sejam elas movidas por má ou boa fé, geram conseqüências muitas vezes inesperadas e inoportunas.

Aliada a um roteiro repleto de pontos fortes, esteve a escolha do elenco. Com Holly Hunter no papel de Ada e o maravilhoso Harvey Keitel na pele de Geroge, não poderia haver intérpretes melhores para protagonistas. Sam Neil, que não é propriamente um excelente ator, se mostra bastante adequado ao encarnar o antagonista marido de Ada, e Anna Paquin, então com apenas 11 anos de idade, fecha o time, mostrando-se completamente à vontade em seu papel, o que veio a ser provado com sua vitória da estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante por essa produção.

O aspecto visual do filme, composto por sua fotografia, também chama atenção por transmitir ao espectador a atmosfera sufocante em que os personagens demonstram estarem envoltos. As imagens escuras e carregadas parecem aumentar ainda mais a sensação de angústia crescente no desenrolar do drama. A trilha sonora, por sua vez, também constitui um episódio à parte. Talvez por ser justamente uma história que conta com um instrumento como o piano em tanto destaque, a trilha é simplesmente espetacular. Com peças compostas pelo veterano instrumentista Michael Nyman, as melodias, quase todas entoadas pelo próprio piano, causam um efeito incrível quando inseridas no filme, além de constituírem uma coletânea que pode facilmente ser apreciada separadamente.

Enfim, eis um drama sensível e totalmente digno de ser apreciado. Com tantos pontos positivos, fica difícil não incluí-lo numa lista de filmes que todo cinéfilo deve ver.

Amanda Pontes
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