Finalmente o terceiro filme de uma das franquias de mais sucesso dos últimos tempos chega para embrulhar estômagos e mostrar um escracho maior que o presente nas produções anteriores. Um prato (!) cheio para os admiradores do gênero, porém sofrendo um desgaste inevitável, deixando a seqüência inferior aos dois primeiros longas, mas que, mesmo assim, ainda causa bons momentos e surpresas interessantes.
O novo roteiro de Leigh Whannell aborda o desaparecimento misterioso de Jigsaw (Tobin Bell) junto a sua nova aliada Amanda (Shawnee Smith), que continuam manipulando os jogos cruéis que aterrorizaram as pessoas e deixam a polícia de mãos atadas, sem pistas e sem capacidade de capturar os “maníacos”. Enquanto detetives da cidade se mexem para localizá-lo, a Dra. Lynn Denlon (Bahar Soomekh) não tem ciência de que está prestes a se tornar a mais nova peça de seu cruel jogo de xadrez, e acaba sendo seqüestrada e levada para um armazém abandonado onde ela encontra Jigsaw doente e à beira da morte. Seu jogo é super simples, porém cretino: ela precisa mantê-lo vivo durante o tempo que for necessário para que Jeff (Angus Macfadyen), outra de suas vítimas, complete seu próprio jogo. Se a moça não conseguir e os batimentos cardíacos de Jigsaw zerarem, um equipamento amarrado em seu pescoço explodirá. Todos vivem em seus jogos particulares que culminarão em um plano muito melhor elaborado.
Foi meio que inevitável investir em mais um “Jogos Mortais”. Enriquecendo o bolso de seus investidores e atraindo o fetiche do público em presenciar jogos horrendos, muito sangue e nenhum pingo de piedade, “Jogos Mortais 3” vem seguindo a mesma linha dos anteriores, porém com um toque de crueldade maior. Infelizmente, o roteiro que não se sobressai perante o dos outros filmes, principalmente o do segundo, que, particularmente, foi um dos roteiros mais surpreendentes de 2005, já que não se esperava chocar tanto como o fez. De qualquer forma, a terceira história de Whannell continua com seu quê de mistério e com idéias premeditadas para o público acreditar, mas que são logo dissolvidas com o decorrer da história, chegando a surpreender em seu final, mas não tanto quanto os outros dois. De qualquer forma, analisar o filme por si só é uma coisa e enquadrá-lo na seqüência é outra, onde este último pode ser considerado mais importante para alguns, mas prefiro relevar mais o primeiro, já que o propósito do filme é manter o ritmo dos jogos mortais de Jigsaw, e isso Whannell consegue completamente nesta produção. Cada vez menos piedoso e de uma criatividade simples, porém eficaz, o roteirista traz uma série de armadilhas que fazem o público ficar enojado com as possíveis conseqüências que cada vítima terá, e o medo de investir nas origens dos primeiros filmes trash quase não existe, até porque o público já espera presenciar muita cena de embrulhar o estômago, então essa cautela não precisava mesmo ter sido tomada.
Além da imaginação exacerbada, Whannell mantém o nível de interesse do público nos longos minutos de projeção, mas acaba dando um ritmo menos conveniente em algumas partes. A criação da história paralela foi um dos melhores lances que poderia ter sido feito para fugir um pouco do foco de um determinado personagem em se livrar do jogo, como vimos no primeiro filme e foi sendo modificado no segundo, onde já houve um excesso de fragmentação. Neste terceiro, podemos ver um roteiro mais maduro e pragmático, que surpreende com seu desfecho chocante, mas que, infelizmente, não causa o mesmo impacto quanto causaria antes. O problema talvez não tenha sido nem a falta de habilidade em criar algo mais surpreendente, mas sim o fato de que o público está cada vez mais enquadrado dentro das inúmeras possibilidades de mistérios que a história gira, ficando difícil manter esse nível de choque tido anteriormente. Fato este que não diminui a facilidade que Whannell tem de interligar histórias e sempre plantar uma peça-chave para dar continuidade à franquia, mesmo sofrendo o terrível desgaste que precisa ser dosado para não estragar a próxima continuação, apesar de que construir uma trilogia competente é melhor do que investir em muitos filmes que percam a essência ou se tornem apelativos demais na tentativa de serem bons.
Darren Lynn Bousman conseguiu captar a essência do roteiro mais uma vez e construiu um universo peculiar de Jigsaw e Amanda, além dos escolhidos para os jogos. Quando assumiu a direção do segundo longa, Bousman demonstrou uma completa sensibilidade (palavra esquisita de se usar em um filme trash/terror/horror/suspense) ao identificar os melhores momentos para passar tensão ao público. Em “Jogos Mortais 3”, ele investe nisso e, com a movimentação trabalhada de sua câmera, começa a captar mais densamente os momentos de choque, sendo inevitável fazer careta a cada coisa tosca vista em cena. Além de tais momentos, Bousman conseguiu conciliar os problemas de Jigsaw e o desequilíbrio de Amanda sem perder a linha de suspense, fruto este colhido também pelas atuações do elenco, que falarei mais tarde. Talvez um dos pontos que merecia mais destaque, mas o que foi maltratado pelo diretor foi a questão da montagem. As histórias paralelas desenvolvidas pelo roteiro perderam seu brilhantismo por não parecerem tão naturais em cena. A despreocupação de Bousman em trabalhar uma interligação óbvia prejudicou um pouco a película, que sofreu com o cansaço em tais momentos, inclusive com os iniciais, que, diferente do que aconteceu em “Jogos Mortais 2”, não casaram bem com o resto da história, parecendo apenas um enchimento de lingüiça para mostrar que, mesmo adoentado, Jigsaw continuava agindo; e demonstrou. O problema, na verdade, foi a falta de naturalidade ao encaixar isso com a trama principal. Fora isso, existem erros seqüenciais e de posicionamento imperdoáveis que fugiram aos olhos do diretor, mas que àqueles com a visão mais apurada não deixariam escapar. Bousman teve em mãos uma direção de arte espetacular, sendo inegável os bons efeitos visuais usados e o realismo de praticamente todas as cenas trash. O sangue não pareceu tão “água com corante” de sempre e tudo tomou uma consistência maior, desde ossos e fraturas expostas a miolos e pessoas despedaçadas. Isso tudo somado a uma trilha sonora tímida, mas que dá ritmo às ações.
Outro ponto forte do filme são as atuações. Não todas, mas a maioria. A maioria das pobres vítimas das armadilhas de Jigsaw conseguiram o ponto alto de seus personagens: demonstrar desespero em menor ou maior proporção. Ao mesmo tempo que víamos aquelas cenas horrendas acontecendo, é interessante que ficamos angustiados com a psicose de Jigsaw, e toda uma série de conceitos pessoais sobre vida, morte, assassino, vítima, certo e errado vai surgindo na nossa mente. Costumo analisar a ideologia de Jigsaw como uma incógnita, já que não conseguimos ao certo saber se o seu propósito em fazer com que as pessoas valorizem suas vidas, pondo-as à beira da morte, é realmente o melhor jeito de mudá-las. Tobin Bell continua investindo na frieza de seu personagem, mas acaba aumentando seu lado humanista que veio aparecendo desde o filme passado. O mesmo jeito ocorreu com Shawnee Smith, acertando no desequilíbrio psicológico de Amanda e que, por mais que não seja lá uma ótima atriz, consegue se sair bem em cena, rendendo bons momentos de tirar o fôlego e incertezas, causadas por seu desvio psicológico bem trabalhado. Bahar Soomekh teve um grande destaque em cena, mas pareceu pouco familiarizada com a vida de uma médica. Não que o certo seria ela construir seu personagem através de protótipos, mas a sua competência na medicina que é tão analisada na película acaba não sendo tão convincente assim. Já Angus Macfadyen peca apenas pelas expressões artificiais e por não conseguir conciliar bem os momentos de ação com seus diálogos, mas faz render momentos angustiantes, trabalhados sutilmente pelo diretor.
Mesmo não sendo o melhor da série, “Jogos Mortais 3” pode ter decaído levemente ao construir sua história, mas continua tendo seus pontos altos, que certamente agradarão o público fanático da franquia. Cada vez mais investindo em momentos agonizantes, é preciso ter uma resistência muito grande para não sair da sala correndo para o banheiro. Em contrapartida, os momentos surpreendentes acabam tendo seu desgaste, mas, nem que seja no finalzinho, mostra para que o filme veio e que muita história ainda deverá ser contada, inclusive deixando questionamentos de como será desenvolvido o próximo filme, para não fugir totalmente da essência que tem sido adotada. Pecando aqui e acolá e tentando situar os que não assistiram aos outros filmes através de flashbacks repetitivos, “Jogos Mortais 3” continua tendo sua qualidade técnica e um roteiro ousado, que poderia ter aniquilado totalmente a franquia, mas acaba apenas mostrando que é preciso cada vez mais bom senso para não estragar o que tem sido feito até agora. Se a onda é continuar produzindo novas seqüências, que isso seja bem trabalhado, para não decepcionar mais o público alvo. Um bom show de vermelho e um não à piedade que enoja e fica martelando na sua cabeça por um bom tempo.