Com ótimas interpretações, um roteiro muito bem desenvolvido e cheio de reviravoltas, "O Grande Truque" é um filme que possui todos os ingredientes para impressionar o mais exigente espectador. Mais uma prova do imenso talento do diretor Christopher Nolan, que agora consolida-se de vez como um nome forte de Hollywood.
Serei sincero desde o início: sou fã de Christopher Nolan desde “Amnésia”, de 2000, e como bom fã dos quadrinhos de Batman, não pude não ficar feliz com a ótima “ressurreição” do herói feita pelo diretor em “Batman Begins”, em 2005. Assim, qualquer que fosse seu próximo projeto, eu estaria ansioso para ver e estaria lá na data de estréia. Mas “O Grande Truque” tinha muito mais atrativos: reunia no elenco o intérprete de Batman (Christian Bale), o intérprete de Wolverine na franquia “X-Men” (Hugh Jackman), além de Scarlett Johansson, Michael Caine, e o roqueiro David Bowie. Assim, desde que o projeto fora anunciado, as expectativas em torno dele eram altíssimas – apesar da pouca visibilidade por parte da mídia -, e ele conseguiu um efeito raro para os padrões atuais: ser muito melhor do que sua premissa, trailers, etc. Sombrio e inteligente como todos os filmes de Nolan, “O Grande Truque” é um típico filme para ficar em nossas memórias por muito tempo.
Século XIX, Londres. Robert Angier (Hugh Jackman) e Alfred Borden (Christian Bale) se conhecem há muitos anos, desde que eram mágicos iniciantes. Desde então eles vivem competindo entre si, o que faz com que a amizade com o passar dos anos se transforme em uma grande rivalidade. Quando Alfred apresenta uma mágica revolucionária, Robert fica obcecado em descobrir como ele consegue realizá-la.
Pode-se dizer que aqui Nolan encontrou o tom ideal para expôr suas características: não tão subjetivo e enrolado como em “Amnésia”, porém, menos comercial que “Batman Begins”. Por ser uma produção menor (custou 40 milhões de dólares, um valor baixo para os atuais padrões de blockbusters), Nolan claramente teve toda a liberdade que não teve com Batman, e abusou de seus toques únicos, conseguindo deixar o espectador confuso como ninguém. Seu estilo de direção é o mesmo: evita ao máximo cores fortes prevalecendo o tom sombrio, utiliza câmeras em mão livre em muitas ocasiões, edição não-linear despistando pistas e impedindo o espectador de pensar muito, fotografia com cenários exuberantes, e até mesmo a trilha sonora se assemelha demais a de “Batman Begins”. E Nolan sabe melhor do que ninguém deixar o espectador preso à poltrona durante toda a projeção. E ele ainda continua com a mania de apresentar simbologias em determinadas cenas; reparem bem na cena em que o personagem de Hugh Jackman, dentro de um sótão, após realizar um tão almejado truque, ergue os braços enquanto a platéia o aplaude… mas os aplausos não vão realmente para ele. Genial!
Mas os méritos da produção são divididos igualmente entre Christopher, e seu irmão, Jonathan Nolan, responsável pelo roteiro. Sabem quando um roteiro é quase tudo de um filme? Pois aqui é o caso. Acertadamente, este não é um filme com grandes efeitos especiais (mais precisamente, quase nenhum), e foca-se no embate psicológico, moral dos protagonistas. Seria muito fácil fazer uma história de magos com poderes que travam duelo mortal, mas a película é como um truque de mágica: tudo é real, mas mesmo assim ficamos espantados e não acreditamos no que estamos vendo. Reviravoltas acontecem simplesmente o tempo todo, e nunca estamos totalmente cientes do que está acontecendo.
É um thriller praticamente perfeito, e ainda mais para quem curte mágica. O roteiro abrange muito bem toda a magia que envolve os truques, além de ressaltar sempre a importância que seus segredos possuem para os respectivos autores. Impressionante ver como tanta coisa parece ser impossível, mas está diante de nossos olhos, e ainda possui uma explicação plausível, que muitas vezes chega até a ser simples. Inteligentemente, o combate dos protagonistas não envolve brigas, mas um duelo profissional, na tentativa de um derrubar o outro e se mostrar melhor sucedido na profissão. Eis uma premissa até simples, pois, nesse contexto, poderiam ser abordados qualquer profissão em qualquer período histórico, mas o roteiro e a direção dos Nolan conseguem fazer de tudo isso, algo brilhante. Ah, para não deixar de lado por completo o ar fantasioso, o filme não omite o fato de existir magia real, que está acima de qualquer truque, porém essa existência fica apenas induzida. Para muitos isso pode ser ruim, mas é aí onde aparece a peculiaridade: teriam os truques tanta graça se, no inconsciente, cada um de nós não acreditasse em magia?
Impressionante como Christopher Nolan sabe construir seus personagens de uma forma ímpar. Simplesmente todos possuem sua importância extrema para o desenrolar da trama, mesmo com tempo em cena variados. E as interpretações todas são satisfatórias, ao que a trama induz. Eu temia que Christian Bale e Hugh Jackman ficassem com suas imagens demasiadamente ligadas a Batman e Wolverine, respectivamente, mas é impressionante como lá pela metade da projeção você até se esquece desses detalhes devido a competência de ambos. Eles fazem um duelo de personalidades, cada um dando a particularidade que cada mágico exige: o de Bale é um sensacional mágico, porém carrancudo e sem muito carisma; já o de Jackman, apesar de não tão bom na profissão quanto seu rival, é bem mais carismático, mas disposto a tudo para se vingar e manter um lugar a frente na rivalidade. E é exatamente esse dualismo de egos a força motriz da produção.
Michael Caine está perfeito como sempre, emprestando de novo todo aquele ar sábio e experiente do mordomo Alfred de “Batman Begins’. Scarlet Johansson é quem não tem muitas chances de expôr seu talento, mas mesmo não aparecendo muito, sua personagem é uma peça chave para a fortificação do duelo dos protagonistas e o desenrolar da trama. Curiosa também é a participação do cantor David Bowie como o inventor Nikolas Tesler. Quem está acostumado a ver o roqueiro sempre com cabelos tingidos e vestindo roupas extravagantes, vai se surpreender ao vê-lo de bigode e esbanjando etiqueta. Por fim, ainda temos a chance de ver Andy Serkis, o responsável por dar movimentos ao Gollum de “O Senhor dos Anéis”, em carne-e-osso em um personagem divertidíssimo.
Christopher Nolan mais uma vez nos presenteou com uma obra sensacional, e ainda pode se orgulhar de ser um diretor que só tem excelentes filmes no currículo. Em termos de entretenimento, “O Grande Truque” consegue ser perfeito mesmo sem apelar para efeitos especiais e cenas de ação. Um filme com um roteiro inteligentíssimo, que, assim como um truque de mágica, acreditamos em algo, porém, sempre existe uma outra verdade por trás de tudo. Uma missão difícil encontrar erros nesta produção, já que, ao que se propõe, é perfeito em tudo…mas, não sei por quê, não dou nota 10 – talvez pelo tempo um pouco excedente -, porém creio que a única explicação para isso é que sou chato mesmo. E anotem o que digo: essa é apenas uma prévia do que está por vir em “The Dark Knight”, próximo filme de Batman, que novamente será dirigido por Nolan.