Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Sacrifício, O

Com um roteiro mal desenvolvido, "O Sacrifício" não acha as melhores formas de fazer seu enredo evoluir, caindo no lugar comum e decepcionando no seu gênero de suspense, valendo apenas mesmo pela atuação de Nicolas Cage, que até tenta dar um ritmo interessante ao filme, porém o enredo não permite tamanha eficácia.

Remake de "O Homem de Palha", de 1973, o policial Edward Maulis (Nicolas Cage) começa a investigar o desaparecimento misterioso de uma garotinha até chegar em uma ilha onde os habitantes possuem uma cultura um tanto quanto exótica, baseada em seitas e rituais antigos. À medida que vai se envolvendo com o sumiço da garota, Edward vai descobrindo coisas do passado daquela população que vive em moldes bizarros, martelando em pontos de uma sociedade matriarcal traiçoeira e que guarda muitos segredos. Sempre mais determinado em investigar o caso, Edward tem a ajuda de sua ex-noiva Willow (Kate Beahan), única pessoa aparentemente confiável da região; e ainda precisa enfrentar o poder sublime da Irmã Summersisle (Ellen Burstyn), a guia de todos os habitantes.

Um dia me disseram que um roteiro ruim nunca rende um bom filme. Em partes, eu concordo plenamente, já que a história de um filme deve ser, no mínimo, competente para manter o espectador ligado durante sua projeção. Por outro lado, alguns poucos filmes cujos roteiros são medíocres até conseguem ter um suporte técnico interessante que sustente alguma coisa do filme, ou seja, muitos diretores dão a vida para trabalhar em cima de um roteiro fraco para elevar a qualidade da produção e às vezes são somente esses aspectos técnicos que valem a pena. Estou dizendo isso porque "O Sacrifício" peca em ambos os lados e pouco (ou seria pouquíssimo) é bem aproveitado. O roteiro de Neil LaBute (também diretor) e Anthony Shaffer decepciona onde muitos filmes têm falhado ultimamente e desagradado a muitos: no gênero em que se enquadra. A culpa disso não seria nem em relação à capacidade de lidar com a história, mas sim de criar uma atmosfera específica e rebuscada no suspense, como é o caso, e o mais interessante é que percebe-se no longa que havia espaço para isso acontecer e que tanto o protagonista quanto o diretor se mostraram aptos a lidar com tais eventualidades, mas o roteiro perde essa oportunidade e acaba construindo momentos estereotipados e comuns que quando você pensa que vai engatar e apresentar alguma revelação nova, fica frustrado por não ter acontecido. Os clichês que invadem o roteiro, juntamente com sua previsibilidade, não provocam nenhum efeito no público, que acaba se questionando se a história manterá o mesmo nível chinfrim ou se em algum ponto o Nicolas Cage vai virar a mesa e nos presentear com coisas boas, mas, coitado, a culpa nem foi dele.

Já LaBute na direção não fez muita coisa e isso é preocupante. Por ele ter revisto o roteiro para esta nova produção, exige-se sempre uma familiaridade maior com o que se tem em cena, não podendo querer filmar de qualquer jeito. É imprescindível que a harmonia diretor/roteiro sejam perfeitas para que resulte em um produto bom. LaBute mostra que a falta de recursos e o baixo orçamento prejudicou um pouco a qualidade do longa, mas é aquele velho blá blá blá de que "a gente se vira com o que tem" e, por ter pouco, era necessário um pouco mais de carinho com o projeto, para que não transparecesse tanto suas deficiências. A qualidade da filmagem em alguns momentos está preocupante, pois pouco se vê profundidade de campo planos abertos altamente importantes para a composição da cena e percebe-se que LaBute tem idéias boas para compô-las, mas nem sempre sabe como colocar em prática. Além do roteirozinho fraco, ele sofreu com esse desvio de criatividade ao colocar a câmera nas mãos, mas, em uma cena ou outra, é notável seu olhar apurado, como podemos ver em cenas onde é preciso movimentar mais a câmera para sair da mesmice e investir em tomadas mais elaboradas. Apesar disso, isso tudo ainda fica muito tímido na sua produção, precisando de um paciência para identificar tais características positivas, já que, de uma forma geral, LaBute não oferece nada novo no seu modo de filmar e registrar os fatos, permitindo até erros de montagem atrapalharem mais ainda o visual da película. Quanto à trilha sonora, é possível perceber que o diretor dispõe um certo cansaço em proporcionar uma intimidade com os momentos em que ela aparece. Fundamental em filmes do gênero, em "O Sacrifício" não passa de meros ruídos familiares e sem refino algum.

A deficiência também encontra-se grande parte no elenco de apoio. Sem serem verossímeis à sua real condição na película, os personagens parecem meio perdidos entre o certo e o duvidoso, e não passam de fantoches sem significado maior, mas que tentam, a todo custo, usar de uma falsa semiótica para encontrarem suas verdadeiras funções. Nicolas Cage está mais saudável do que pôde ser visto há pouco em "As Torres Gêmeas". Ainda magro, se dispôs de um vigor físico mais adequado ao seu papel em "O Sacrifício" com direito até a retoques no cabelo, buscando uma identidade diferente de outros personagens anteriores. De uma integridade ímpar, Cage consegue dar ritmo ao seu papel, mas se perde ao conciliar o ritmo com a história. Sempre convincente e enigmático, seu olhar é a chave que consegue intrigar os espectadores, por mais que tal intriga não dure mais que cinco segundos. Mesmo não estando na sua melhor performance e parecendo ter aceitado protagonizar por algum motivo "x' que eu realmente desconheço, não chega a decepcionar e faz mais do que qualquer outro atorzinho de segunda conseguiria. A coadjuvante fraquíssima interpretada por Kate Beahan não conseguiu se encontrar. Primeiro porque ela estava em todos os lugares, mas praticamente sem significar nada. Sempre apática e sem expressões convincentes, a moça realmente precisa de um upgrade se quer continuar no mundo do cinema. A experiente Ellen Burstyn tem até certa classe para se adequar à sua personagem, mas tão pouco é explorado dela que a superficialidade toma de conta. Sem falar que ainda a submeteram a uma pintura nonsensica no rosto que gera uma série de interrogações, mas ok. Tais interrogações são provocadas pelo roteiro, que defende uma premissa cuja abordagem não foi o suficiente para convencer e que reflete nos personagens, parecendo mais desacreditados no que estão fazendo do que o público sem esperanças de um desfecho bom. "The end" este que vamos combinar, eita coisinha sem futuro, hein? Sem propósito e realmente bizarro, mas enfim, devemos aceitar (ou não!).

Mais uma produção sem propósito e desnecessária, talvez até uma ofensa ao que se pode tentar convencer o espectador a acreditar. Sem causar um ritmo de suspense intenso, não desperta o interesse em se entregar à fraca narrativa previsível e descartável que nem a competência de Nicolas Cage poderia salvar o filme do desastre. Para os fãs do ator, é sempre bom vê-lo em ação, mas para os mais críticos é horrível analisá-lo em um projeto tão medíocre que poderia ter sido dado a qualquer ator iniciante louco para aparecer nas telonas, e sabemos que Hollywood está cheio de gente assim. Nada mais do que apenas outro lixo cultural cinematográfico. Uma verdadeira pena.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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