Quem vê o trailer de "Fica Comigo Esta Noite", é normal achar que o filme seja chato ou até normalzinho demais. Não é bem assim. Livre-se dos julgamentos [i]a priori[/i] e entre no cinema com a digna sensação de só curtir, pois valerá muito.
Imagine então que, após uma crise com seu namorado(a), ele(a) simplesmente morre. Pois é essa a premissa principal de "Fica Comigo Esta Noite". Edu e Laura, interpretados por Vladimir Brichta e Alinne Moraes, respectivamente, formam um casal até que bem resolvido, mas, como todos, acabam entrando em momentos mais ríspidos de relacionamento. Edu, um cara sempre brincalhão, visando o bem maior da relação, tenta resolver as coisas na brincadeira e uma dessas é se fingir de morto. O problema é que, em uma dessas, ele acaba realmente morrendo. A partir daí, ele vai protagonizar o filme do mundo dos mortos, tentando a todos os custos um contato final com sua amada Laura. No tal mundo dos mortos, ele encontra o Fantasma do Coração de Pedra (Gustavo Falcão) que, como ele pensava, era somente fruto da imaginação infantil dele, mas que realmente existe e o filme vai "explicar" o porquê. É junto com esse chato Fantasma que ele vai à busca do seu tento amoroso.
Toda essa de morrer, mas continuar querendo um contato com o mundo dos vivos é, convenhamos, um tema bem batido no cinema. Já foi abordado na comédia romântica "E Se Fosse Verdade" (de 2005), na famosa comédia "Os Fantasmas se Divertem" (de 1988), na animação "A Noiva Cadáver" (de 2005) e em vários outros que não vale eu ficar citando aqui. Então, como deu para ver, é realmente um tema calejado, que agora vai ser trabalhado em uma perspectiva nacional; brasileira. Cria-se logo o clima de "porque abordar uma trama já tão batida". Mas, como muitos devem não saber, "Fica Comigo" é a adaptação de uma peça que fez bastante sucesso. Na época protagonizada por Luiz Fernando Guimarães e Déborah Bloch, despertou deveras elogios da crítica e de público. Sendo assim, fica explicado o porquê do tema já batido no cinema, pois não era um tema direcionado para o cinema.
Essa de não ser direcionado para o cinema já desperta outras boas interpretações à respeito do filme. Sem essa informação, ao ver a interpretação bem teatral do elenco é normal você julgar erroneamente os atores. É como se eles estivessem no cinema, mas não tivessem se desligado da TV ou do próprio teatro. Mas, buscando a fidelidade de adaptação da tela, isso torna-se compreensível, inclusive o curtíssimo tempo de duração do filme; apenas setenta e três minutos.
Individualmente falando no que tange as atuações, Gustavo Falcão é quem mais se destaca com o personagem Fantasma do Coração de Pedra. Seu jeito simples de fazer caras e bocas para a comédia, já conhecido da televisão (ele participou do seriado "Sexo Frágil", entre outras produções), funciona novamente. Não é algo além do que já vimos o rapaz fazer, mas ele se porta muito bem no cinema. Vladimir Brichta tem um conceito mediano, visto que não muda em nada seu estilo, mas encarnou bem o personagem de músico e desenhista de quadrinhos. É aquele típico personagem adulto na idade e tamanho, mas infantil no que faz, sem assim soar como uma criança mal crescida. Alinne Moraes (conhecida de várias novelas da Globo), interpretando Laura poderia ter sido melhor se conseguisse cativar mais o público nos momentos em que seu personagem estivesse contracenando com Edu como realmente um casal. As cenas de relações entre os dois ficaram um tanto quanto pobres por causa da visível inexperiência da moça.
Na parte técnica, os elementos funcionaram bem. Uma boa direção de João Falcão, aliada à boa fotografia de Mauro Pinheiro Jr., tornou o filme bem agradável visualmente. Fica claro que ele é filmado em grande parte em estúdio, o que não interfere no visual. Até porque a história de fantasma, outro mundo e etc, facilita para um cenário com penumbras e etc. É interessante notar também que a apresentação do filme é bem em tom de quadrinhos, visto que o personagem Edu é um desenhista de quadrinhos, mas nem é para isso que quero chamar atenção, e sim para o fato de que os traços usados são claramente de Frank Miller (ele desenhou a série "Cavaleiro das Trevas" do Batman, o famoso "Sin City", "Os 300 de Esparta" e vários outros quadrinhos famosos) e, para fechar essa suspeita, em um momento que está num avião, Edu está segurando uma revista em quadrinhos do mestre Miller. Esse tom de penumbra muito usado por Miller, por incrível que pareça, predominou bastante no filme. Algo que nem todo mundo vai notar e que nem muda o resultado final do filme, mas que vale a pena citar.
Dois elementos que se destacam é a direção e o roteiro, a direção já falei um pouco, mas é importante citar também o roteiro de João Falcão. Esse, cheio de referências ao espiritismo, poesias, outros filmes, dèjá vu, crenças populares e etc, é competentíssimo. Vale lembrar que o roteiro não é todo de João Falcão, visto que ele partiu da peça de teatro homônima para colocar todos esses elementos em seu filme. A competência do diretor, vista também no filme "A Máquina", é algo deveras valioso para o sucesso filme.
Como nem tudo são mares de rosas, alguns fatores acabam não tornando o filme melhor. A trilha sonora é o principal. Repetitiva demais, ela acaba cansando os espectadores. Só não cansou mais porque o filme tem uma pouca duração. A música principal, de título homônimo, o máximo que consegue é ficar martelando na cabeça, algo que está acontecendo até agora. Outro fator é as piadas óbvias. Quando usadas de forma mais simples, funcionam, mas quando tentam fazer algo mais, digamos, popular saem de ritmo e soam desagradáveis.
Por falar em piadas, dois momentos do filme são muito hilários e ambos protagonizados por Vladimir. Um deles é no momento do casamento, quando ele se recusa a falar algo que o padre mandou, e outra é no qual ele conversa com o Coração de Pedra e a simpática Dona Mariana (ou Anja Mariana). São boas passagens do filme que divertem.
Se você for cheio de preconceitos e desinformado à respeito dos bastidores do filme, ele realmente não vai ser bom, caso contrário, torna-se uma boa pedida. Agora, por mais que tenha gostado, vejo que ele funcionaria muito bem no teatro (como deve ter acontecido, como já dito) e como um livro. Realmente daria uma boa obra literária, na qual os elementos falhos do filme se portariam bem melhor.