Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 21 de outubro de 2006

Um Cara Quase Perfeito

Um filme simples, com proposta simples, que vai agradar a poucos, mas que demonstra alguns bons elementos técnicos, sonoros e no roteiro.

Jack Giamoro (Ben Affleck, de "Demolidor") é uma uma pessoa que, como muitas ao redor do mundo, entra na famosa crise existencial. Uns buscam nos livros um alento, outros em mudar tudo, a maioria em terapia com psicólogos, mas Jack foi buscar a ajuda de um curso ministrado por um tal de Dr. Primkin (não é Primken!) que, cheio de métodos inovadores, recomenda a todos transmitirem seus sentimentos para as palavras, ou seja, pede para que façam um diário. Um diário completo sobre o que sentem, o que pensam, o que queriam fazer e, finalmente, sobre o que acham que são. Enfim, coisa bem de psicólogo. E Jack acaba levando isso bem a sério, porém esse diário compromete fatos importantes de sua vida e sua carreira profissional, tanto que ele deixa em risco a empresa onde trabalha e várias outras coisas mais. Até aí tudo bem, o problema é que esse diário cai nas mãos de uma pessoa que tem alguns motivos para ferrar com a vida do nosso amigo Jack, um grande agente de Hollywood.

É quase como reza a famosa Lei de Murphy: quando tudo está indo ruim, a tendência é piorar cada vez mais. É assim que se comporta a grande maioria das comédias que se presta a utilizar um drama pessoal. O emprego do cara afunda, o casamento vai junto, quase sempre ele é assaltado, algo que não deveria estar nas mãos de outras pessoas acaba caindo e assim sucessivamente. Em "Um Cara Quase Perfeito", vemos tudo isso, mas abordado de uma maneira muito boa pelo roteiro do filme. É fato que o filme alterna entre altos e baixos, tem um início fatigante e só pega jeito mesmo a partir que a segunda metade vai se desenvolvendo. Mas, em termos de abordar todos esses elementos clichês que falei, o roteiro foi bom, visto que saiu da linha convencional que os filmes do gênero costumam utilizar.

A busca por uma outra linha de condução do filme foi atingida pela anormalidade apresentada no filme. Exatamente isso. O diretor, roteirista e ator do filme Mike Binder (ele interpretou o personagem Morty) deixou algumas partes do filme às vezes fugirem do normal (como o pai dele dentro do aquário, ele imaginando em um desenho com sua esposa e etc…) , o que, para muitos parecerá chato ou estafante, mas para quem se identificar e entender o porquê de ele colocar essa anormalidade forçada no roteiro, o filme será de bom grado.

Sabe o famoso café com leite? Pois é nessa linha que as interpretações estão. Ben Affleck não tem para onde correr, não passa daquilo. Poderia até ter ganho um pouco de destaque se conseguisse sobressair-se quando o filme precisou dele nos momentos de comédia, mas ele passou longe de acertar. Rebecca Romijn, que interpreta a personagem Nina Giamoro, é outra que, quando se precisou dela para atingir um sentimentalismo simples acabou estragando, porque nem uma cena de choro ela conseguiu fazer com um mínimo de naturalidade. O melhorzinho é John Cleese (o Dr. Primkin). Aquele jeitão dele de professor/palestrante chato empolga, apesar de também não ser nada demais, convenhamos, só me identifiquei. O resultado final é que, se os atores tivessem mais afinidade com seus respectivos papéis, as coisas poderiam correr bem melhores.

O ponto alto do filme é, sem sombra de dúvidas, a trilha sonora. Todas as músicas são boas para se ouvir sem as cenas do filme e todas essas músicas são bem aproveitadas em momentos chaves do filme. É o tipo de trilha que dá para comprar o CD, escutar, e sair relembrando momentos do filme. Nem o fato de uma música ter sido repetidamente usada enjoa, pelo contrário, até agora estou aqui com ela na cabeça e não estou achando nem um pouco ruim.

As tomadas das câmeras servem para confirmar a boa direção de Mike Binder, que realmente me surpreendeu. Em certos momentos, vê-se que ele passeia com a câmera no set, sem nem precisar de uma preocupação dos atores e muitos menos de cortes. Enquanto ele está rolando uma conversa na cena, a câmera passeia livremente entre os personagens, logo, não obriga a usarem cortes forçados para mudar os personagens em destaque. Por outro lado, algo que se demonstrou veementemente fraco foi a edição do filme. Essa mania de fechar um quadro deixando uma vala de tela preta é uma total destruidora de climas. Só não foi pior, pois, de vez em quando, um efeito de câmera que atravessava vários pontos da cidade substituía essa tal "vala preta destruidora de climas". Poderia tornar-se muito repetitivo, mas eu não veria problemas desse recurso ter sido mais usado.

O filme é, como já disse, simples. Buscando a anormalidade em algumas cenas, ele foge do esqueminha clichê das comédias dramáticas e se porta muito bem para seu gênero. Se a pessoa chegar a entender a proposta do filme, com certeza ele soará melhor, caso contrário será um filme deveras cansativo. Atuações mais competentes juntas com pequenos acertos ali e acolá deixariam o filme bem mais aceitável para quem não pegou essas boas propostas do roteiro.

Raphael PH Santos
@phsantos

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